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Eduardo White, Pescador de sonhos

Eduardo White

A poesia é a arte que se lhe cola à pele, aliás, é a sua paixão e o seu modo de vida. Mas, diga-se, também é o seu maior arrependimento, pois, confessa, ser poeta é escolher “uma vida miserável e de indigência”. Com 12 obras publicadas e uma colecção de prémios, Eduardo White resume as suas opções: “escolhi esta parte pobre da vida, a de escrever”.

Há personalidades que reprimem vocações, e outras assumem-nas e entram na vida do público com a mesma naturalidade dos parentes mais próximos. O escritor Eduardo White pertence a este segundo grupo de figuras, cujas vidas, expostas ao escrutínio público, correm o risco de nos distrair das suas raras qualidades inatas.

Perto de completar 48 anos de idade – o que acontecerá em Novembro próximo -, White é um dos mais conceituados poetas moçambicanos e dos poucos cujas obras deram (e continuam a dar) muito lustre à literatura nacional.

Nasceu em Quelimane, cidade onde passou a sua infância e aprendeu a ser adolescente. Veio a Maputo para dar continuidade aos estudos, e embriagou- se pelas luzes da capital. “E fiquei cá! No fundo, eu voltei a nascer nesta cidade”, comenta.

Tornar-se um escritor foi sempre seu sonho, embora o contexto da pós- -independência o tenha levado às engenharias. Mas, mais tarde, interrompeu os estudos porque “nunca gostei de levantar paredes nem pôr vidros nas janelas”.

O amor tem sido a temática das obras de White, até porque a sua grande inspiração é a paixão pela mulher. Os seus versos de amor não são apenas uma soma de palavras e tão-pouco uma mera declaração de amor à mulher. Pelo contrário, corporizam uma viagem sem precedentes pelo mundo imaginário do autor, mas o poeta prefere dizer que se trata do “sentimento mais profundo que há em mim”.

Depois de ter publicado em Lisboa, Portugal, o poeta lançou recentemente a antologia poética denominada “NUDOS” em Maputo. “É neste horizonte de uma liberdade total e de uma vivência cósmica do sentimento que Eduardo White dá início ao seu percurso. Fá-lo, porém, interrogando-se – e interrogando o leitor: Porquê o amor em meus poemas sempre?”, lê-se no prefácio da obra escrito por Nuno Júdice.

Para o escritor, “NUDOS” representa o encerramento de uma etapa e o princípio de uma nova fase, porém, desta vez apresenta-se “mais maduro”. Presentemente, Eduardo White tem no prelo quatro livros mas o que irá defini-lo em termo de maturidade é “Mecânica Lunar”, uma obra a ser publicada brevemente.

White comenta que ser poeta em Moçambique é ser miserável, mas afirma: “amo muito o meu país, o meu grande projecto é honrar o meu país. Gosto de sentir-me amado e no meu país sinto isso, pois, sem dinheiro no bolso há sempre alguém para me oferecer um pedaço de pão, um copo de cerveja ou mesmo um cigarro”.

(@Verdade) Quem é o poeta Eduardo White?

Eduardo White (EW) – Eu também gostava de conhecer esse senhor. De vez em quando ele está em mim e outras vezes não. Mas deve ser especialmente um homem com sonhos, projectos e que acreditou em alguns sonhos e não os materializou. Na verdade, os sonhos são sempre imaterializáveis. Aliás, numa frase posso dizer que eu sou um pescador de sonhos.

(@V) Como é que se descobre como poeta?

EW – O meu avô, padrasto do meu pai, era um homem muito culto e tinha uma biblioteca e, principalmente discos, em sua casa. Eu ia muito à casa dele, aliás, passava muito tempo lá. Um belo dia, apaixonei-me por um livro e disse para mim mesmo: “Quero ser escritor”. Porque eu acreditava que ser escritor ou publicar um livro era uma coisa grande, pois poderia aparecer nos jornais, naquele tempo não havia televisão mas havia rádio.

E não sabia que ser tão pobre era escolher entre a pobreza e a riqueza. O meu pai dizia que “tu tens de estudar”. E eu apaixonei- -me pelos livros e escolhi essa parte pobre da vida, a de escrever. Foi aí que me descobri e me apaixonei. Lia jornais e queria escrever, queria ser como eles.

(@V) Como foi a sua primeira viagem ao universo da poesia?

EW – A minha primeira viagem foi num jornal. No Instituto Industrial nós tínhamos actividades extra-curriculares, então eu escolhi fazer o jornal do instituto, onde publiquei o meu primeiro poema. Foi uma carta de amor dedicada a uma senhora de nome Marianita. Eu gostava de uma música intitulada “Marianita”, por coincidência a minha vizinha chamava- se Marianita. Eu estava apaixonado por ela, pois era uma moça linda, a qual eu nunca teria acesso.

(@V) Quando criança já demonstrava a sua paixão pela poesia?

EW – Umas das recordações que eu tenho da minha infância são as minhas brincadeiras. Não me lembro de ter sido poeta. Fui um menino, gostei de ser menino e não quero matar esse menino que eu fui e que ainda tenho coragem de ser.

(@V) Hoje orgulha-se da escolha que fez?

EW – Arrependo-me! Na época de pós-independência, o Ministério da Educação decidiu que eu tinha de seguir a área das engenharias, mas interrompi o curso porque nunca gostei de levantar paredes nem pôr vidros nas janelas. Hoje, arrependo- me por não ter terminado o curso, pois estaria a andar de um 4×4, estava casado confortavelmente e os meus filhos frequentariam as melhores escolas. Arrependi-me, mas foi só por isso. Eu sempre quis fazer letras.

(@V) Como surge a ideia de fazer uma antologia?

EW – Na verdade, eu não gostaria de ter feito este livro, pois uma antologia faz-se com maturidade. Mas as pessoas que lidam com as minhas obras questionaram- me sobre a razão de eu não reunir todos os meus trabalhos. Aliás, a ideia foi de Nelson Saúte e fiquei a pensar naquilo.

Primeiramente, estava para publicar na editora de Nelson Saúte, mas, quando tinha a antologia pronta, zangámo-nos, como sempre nos temos zangado na vida. Então, peguei na obra e fui entregar a outra editora. Reuni tudo o que já tinha escrito há 21 anos e denominei “NUDOS”. “NUDOS” quer dizer isso mesmo, em cada livro eu sempre escrevi nós e sempre entendi que a escrita é um acto de exercício de cada vez.

(@V) Em que estado de espírito escreve os seus versos?

EW – Eu escrevo quando amo e quando estou apaixonado. Raramente escrevo quando estou triste. Normalmente, quando estou triste, escrevo bilhetes para os meus amigos, eles guardam e depois devolvem-me. E provavelmente essa será a parte mais bonita que um dia eu quero publicar, que são textos que eu escrevo em guardanapos, papéis higiénicos e já escrevi nos braços. E os meus amigos guardam isso.

(@V) O que é que o inspira?

EW – Eu adoro a minha mulher, aliás, eu não queria nascer mulher para não encontrar um Eduardo White que me amasse como eu amo as mulheres. Eu acho que tenho uma parte lésbica. Cada livro é sempre uma mulher, como é o meu próprio país uma mulher. Uma mulher é vida. Essencialmente eu escrevo as mulheres e para as mulheres.

(@V) O que significa poesia para si?

EW – Poesia é a vida. Eu acho que toda a gente faz poesia, mesmo quando lê um verso. Acho que não há ninguém que não tenha escrito um verso, o que não há é a oportunidade de publicá-lo. Graças a Deus tenho a possibilidade de publicar o que escrevo, mas conheço grandes poetas, meus amigos, que nunca publicaram. Perdemos aquele hábito bonito de mandarmos cartas, passarmos o selo pela boca e colocar num envelope. Agora manda-se um e-mail, pois chega longo. Eu acho que poesia é isto: “mandei-lhe uma carta em papel perfumado e em letras bonitas”.

(@V) Como é a sua vida?

EW – Miserável, como a de todos os poetas. É uma vida miserável porque ou há cada vez menos gente a ler ou os livros estão demasiado caros. Se tenho apenas 500 meticais, ao invés de comprar um livro, compro pão, peixe e tomate para casa. Na verdade, escrever é um acto idílico, não quer dizer que no nosso país não se escreva.

É importante fazer uma chamada de atenção ao Ministério da Cultura, pois o analfabetismo pode voltar porque está cada vez mais caro ler. E este é um dos grandes problemas que vamos ter se o Governo não subsidiar o preço do livro. Os nossos próprios doutores devem comprar um livro, mas, entre um livro e um carro, preferem comprar um carro.

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