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Noel Langa: “Idoso deixou de ser biblioteca!”

Quando Noel Langa não tiver tinta a sua turma não trabalha

Repudiando a marginalização, o desprezo, o desrespeito e a rejeição a que se vota o idoso, um pouco por todos os cantos, em Maputo e não só, aos 73 anos de idade – 60 dos quais dedicados às artes plásticas -, Noel Langa diz que “o idoso deixou de ser biblioteca no país”.

Para Noel, o fenómeno resulta de um problema grotesco da cultura africana: “idosos equivalem a seres mordazes, os feiticeiros que matam as pessoas”. É por isso que “os filhos rejeitam os pais quando idosos”, explica.

Noel Langa, o ancião que em tempos foi presidente do Núcleo da Arte em Maputo, não dá oportunidade a quem quer que seja de o rejeitar por ser idoso. De qualquer modo considera que “é muito difícil definir o idoso no país em que vivemos porque também o sou”.

Entre verdades, mitos e enigmas, Noel Langa realça o valor dos idosos: “Fui educado por duas mulheres, uma das quais a minha avó, que era idosa. É verdade que para educar os idosos recorrem aos tabus, mas a minha educação emana dela”.

De qualquer modo, se a pobreza, a feitiçaria, a irresponsabilidade dos filhos podem explicar o cenário do idoso no país, diferentemente dos conflitos armados que o país experimentou durante 16 anos, Noel Langa não encontra melhor explicação para o fenómeno.

“Parecendo que não, os conflitos armados contribuíram para que os idosos fossem abandonados. Na sua fuga do campo para a cidade, os jovens abandonaram os idosos. Daí que mesmo que o idoso quisesse ensinar alguma coisa, a quem vai ensinar? Para quê? Porquê? E onde?”, questiona para, num outro desenvolvimento, acrescentar que “é por isso que o idoso deixou de ser biblioteca!”

Como reverter o cenário

Por vezes “tenho defendido que mesmo com a vida moderna que se leva, os pais devem fazer questão de, pelo menos uma vez por semana, passar as refeições junto dos filhos. E conversando sobre aspectos da nossa cultura”, recomenda.

Noel Langa não consegue abrigar o anseio e a saudade dos seus entes queridos idosos. “Penso que a situação de dividir para reinar em que vivemos é uma provocação à própria vida. Afinal, quando é que eu não gostaria de viver com o meu avô ou com o meu pai?”

Não podendo acarinhar a idosos mais próximos, Noel Langa apoia – mesmo com recursos materiais – idosos que encontra na rua, independentemente de os conhecer.

“Tu não imaginas a estima e a felicidade que os idosos sentem ao ser acarinhados por uma pessoa que não é da sua família! Então, penso que como já não temos a possibilidade de acarinhar os idosos da nossa família, façamos para o mundo. Aproximemo-nos deles e não devemos agredi-los”.

De qualquer modo, apesar de útil, a sua acção metaforiza uma “gota de água no oceano”. “Se conseguimos fazer isso, seria muito bonito mas infelizmente não se faz. Já não se retribui àqueles a quem devemos a existência – os idosos”, lamenta.

Noel Langa pinta motivos rurais

Enquanto isso, Noel Langa encerra na noite desta sexta-feira, 22 de Abril, uma exposição individual de pintura e desenho. Em 20 dias, a amostra “Noel Langa 1990 – 2011”, conferiu vida, cor e brilho à sala de exposição do Centro Cultural Franco-Moçambicano, em Maputo.

São obras cujo mérito reside na particularidade de revelarem a outra faceta do artista – a de desenhista – bem como a enciclopédica capacidade de prender a vista de um bom apreciador de arte, transportando- o para o espaço rural.

Basta reparar que os pássaros, na sua relação com a vegetação, as mulheres carregadas de um peso vertical na cabeça – latas, potes, etc., entre outros adereços campestres, pouco escondem a relação umbilical do artista com o campo.

Na pintura como no desenho, Noel expõe os fragmentos da cultura moçambicana e africana por extensão, sobre os quais os historiadores, antropólogos e sociólogos são convidados a criar argumentos e explicar a cultura e história do Homem africano.

“O facto é que somos empurrados por um ponto: a mulher, por exemplo. Em tal mulher, a maneira de andar, de vestir, de transportar a mercadoria, de falar, é totalmente diferente da mulher ocidental”, explica.

Diga-se, Noel Langa explora o campo em demasia. É como se tencionasse incentivar o Governo do dia a despertar o interesse dos apreciadores de suas obras pelo campo, entenda-se, distrito. Afinal, vivemos num país em que o distrito é tomado como pólo de desenvolvimento. Pura obra do acaso!

O facto, porém, é que, apesar “de viver na cidade consigo ver todos os elementos da vida rural, sinto o cheiro do campo, no seu itinerário diário ao mercado Xipamanine. Vejo as mulheres todos os dias. Então esse movimento para mim é espectacular”.

Por isso “quando vejo os adereços do campo na cidade, rapidamente recordo-me da minha origem, antes de ser engolido pela cidade. Então, apesar de não ser conservador mas um pensador, não me poderia esquecer da imagem do campo. O convívio com os pássaros. A relação entre o rapaz e a fisga, o pássaro e o caju”.

Arte é terapia

Noel Langa revela que, diante da turbulência que as actividades do dia-a-dia colocam ao cidadão, as artes visuais podem servir de terapia par aliviar o stress. Por exemplo, “se alguém lhe corta a prioridade na estrada e as circunstâncias da ocorrência não lhe permitirem retrucar, (entenda-se, desabafar) um contacto com as telas de pintura alivia a carga de stress”.

“Duas tatianas com flores de manga”, uma obra de arte do conceituado artista plástico francês Paul Gauguin, criada em 1894, foi objecto de más interpretações num museu dos Estados Unidos, por parte de uma mulher a que chamou de crueldade.

Sobre o tópico, questionámos a Noel Langa se não temia passar por situações semelhantes – a de ser mal interpretado -, já que decidiu ocultar os títulos (que são pistas para a compreensão da intenção criativa do artista) como forma de incentivar um diálogo entre o apreciador e as telas.

“Penso que o problema da má interpretação das obras resulta de um exagero que os artistas conferem a uma determinada secção feminina. Isso enerva as pessoas. Por exemplo, alguns artistas desenham mulheres nuas, exagerando uma determinada secção. Ora, algumas mulheres não gostam disso”.

Analisando tais obras percebe-se, claramente, que o artista não exagerou no traço. Mas salientou mais um determinado órgão feminino, dando-lhe maior valor como se a mulher fosse o que é somente por causa da secção pronunciada. Isso choca o sentimento das pessoas.

Arte não se vende

Engana-se quem pensa que sempre que se compram obras de arte os artistas ficam felizes ou realizados. No caso de Noel Langa, há obras das quais se vê na contingência de abdicar contra a própria vontade. Tais trabalhos retratam a sua vida.

“Não quero magoar as pessoas que adquirem as minhas obras, mas é com tristeza que abdico de algumas. Mas como, por vezes, o sentimento é abrangente ocorre que o apreciador goste justamente da obra que identifica o artista. Por isso, tenho dito que as obras de arte não se vendem. Elas são um meio de transferência de sentimentos”.

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