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Kerygma: Patronar o ego

Cada Homem chega ao mundo segundo os imperativos do destino. Outros acreditam que o além determina a nossa existência. “Nós somos filhos de Deus”. Excluindo os que acreditam que caíram do céu, a nossa chegada ao mundo é para cumprir o ciclo vital da evolução dos seres. O ponto comum para a nossa vinda ao mundo é igual – um espermatozóide e um óvulo que se cruzam e, depois de nove meses, de um sono calorosamente aquático, caímos nesta terra para nos derrubarmos e nos devorarmos.

Mesmo acreditando que todos os humanos são iguais – e com o sangue avermelhado –, as nossas diferenças ganham mais notoriedade como as cores do arco-íris. Uns nascem amarelos. Outros são pardos. Alguns são brancos. Distintos são negros. Enquanto uns dão o seu primeiro grito como príncipes, análogos nascem no lodo. Os primeiros crescem a tocar piano e outros têm de acompanhar os pais na faina para ter o que comer. Neste mundo vários são os que nascem na opulência e semelhantes na pobreza extrema.

Pobre e rico. Rico e pobre. A pobreza é uma condição que nos escolhe sem nós pedirmos. Com convicções e força de vontade cada bicho, usando uma linguagem cardosiana, ultrapassa, finta e derruba a pobreza. Para derrubar a pobreza é preciso trabalhar. O trabalho não dignifica, apenas, o Homem. Ajuda a construir fortuna porque nenhum cifrão cai do céu.

No meu país, vários são os exemplos de pessoas que do nada acabaram em tudo. O inverso também sucede. Conheço gente que nasceu na lama e hoje dorme no ouro. Contudo, conheço indivíduos que têm vergonha de ser pobres. É por causa destas circunstâncias que acredito num velho aforismo: “A pior das pobrezas é mental”. No meu país até há movimentos para combater a “pobreza absoluta”.

Os que descobriram a fórmula para o efeito hoje nadam na “riqueza absoluta”. Por vezes alguns ficam embriagados de tamanha opulência. Do nada se tornam patrões. Honestamente, não há nenhuma maldade em ser-se patrão. Patrão deve ser patrão, sim. Ser patrão não é nenhum sacrilégio. O patrão abre espaço para que muita gente prospere. Ele oferece oportunidades de laboração aos que acreditam nas suas convicções e fazem o impossível para saírem da carência obcecante. Ele é um pai. Actua como um guia.

Os benefícios de qualquer fadiga devem beneficiar o modo de vida do patrão. Daí que ele possa vestir factos italianos e mexicanos. Pode ter sapatos escoceses e comer caviar. Pode tomar champanhes franceses e, numa diversão, gastar quatrocentos salários mínimos. Pode, até, ter um jacto privado para visitar os pólos de desenvolvimento para expor a auto-estima que tem aos milhares de moçambicanos que ainda bebem água dos rios por não terem torneiras em casa.

Com aprumo pode almoçar com qualquer Chefe de Estado porque o círculo de conveniências permite. Porém, o pecado do patrão começa quando ele vive uma vida acima dos seus rendimentos. Ou quando aparenta uma realidade que não condiz com o lucro que faz. Na maioria dos casos, o patrão despreza o semelhante e esquece-se, propositadamente, dos companheiros com quem trilhou o caminho do sucesso. Pior: a arrogância cega-o e ele esquece-se das suas bases. Apaga da memória o berço que o acolheu quando deu o seu primeiro choro.

“Xa utomi i roda”, a vida é uma roda, como se pode ouvir na música de Bow. A nossa existência tem ciclos. Por vezes, os contextos conspiram para nos arruinarem. Ou seja, cada um glorifica-se ou corrói-se devido às atitudes que toma. Sem se aperceber, o patrão deixa de ser patrão. Sendo a aparência aquela fórmula de camuflar o que não temos, o patrão verga-se a outros modelos de vida. Penhora o seu ego, a sua alma e a sua paz de espírito.

Sem querer assumir que está na ignomínia, o patrão, que já não é dono de si, oscila entre a agiotagem e a banca. Tudo o que nos é emprestado deve ser devolvido. Na maioria das vezes, devolvemos o triplo do que nos emprestam. E quando não honramos a nossa palavra retiram-nos tudo o que temos. Assim, o patrão deixa de ser patrão e passa a ser mais um necessitado. Todos nós já caímos. Mas sempre nos levantamos. Outros patrões já caíram e levantaram-se.

Ralph Lauren, Luiza Helena Trajano, Abraham Lincoln, Larry King, Toni Braxton, Henry Ford, Amitabh Bachchan. Ter dívidas não é nenhuma enfermidade. De algum modo, todos nós temos alguma dívida. A diferença é que para pagar as suas dívidas, alguns bebem água da torneira ao invés de beberem Bathe, Vin de Cuvée ou Moët & Chandon. A humildade na riqueza ajuda a ser forte em momentos de angústia. A pobreza tem uma coisa de fascinante – devolve-nos às nossas origens. Fortalece-nos e se formos cônscios do que nos fez cair podemos levantar-nos e ultrapassarmos o piso em que estávamos antes da queda.

Não podemos satirizar quem cai. Podemos – e devemos – ser mais solidários. Podemos ter compaixão com quem perdeu tudo. Podemos dar um tecto e um pão. Mas, o que não é admissível, é fazermos campanhas para inventarmos doações para ajudar alguém a voltar a ser patrão. Entre doar dez meticais para a Cruz Vermelha e apoiar as vítimas das cheias e comprar uma ambulância ou doar cinquenta meticais para alguém voltar a ser patrão e opulento, prefiro a primeira opção. Doar um jantar no Restaurante 1908 ou um quilo de arroz ao Hospital Central de Maputo? Prefiro a segunda opção. Porque um pobre tem de se sacrificar para se tornar algum patrão?

Termino com um tom de arco-íris. Não é pecado ser diferente e altivo. Pecado é pisar o outro para sobressair. Esquecer o nosso berço é pior que ser guilhotinado por um comboio. Antes de sermos patrões para os objectos, devíamos patronar e comandar o nosso ego.

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