Insónia, para mim, signifi ca saudades da Sónia. É uma semânti – ca profunda, por causa do amor que sinto por ela. Sentei-me na borda cama. Eu estava com insónias, saudades, portanto, da Sónia.
Não que ela esti vesse longe, estava ali mesmo, ao meu lado. Ao contrário do que se diz, saudade não é senti r falta de alguém ausente, é senti r a sua presença, estando ausente ou não. Saudade é amor. Eu amo a Sónia.
Era madrugada, aquela hora em que só se ouve silêncios, e se percebe que o silêncio é mais ruidoso do que parece: a respiração do vento, das pessoas, o estalido dos móveis, as baratas roendo, o lati do solitário dos cães… Não tinha nada para pensar àquela hora, mas não conseguia estar sem pensar em nada. Comecei então a contar mosquitos, é mais eficiente do que contar carneiros. Contar carneiros exige um esforço na imaginação. Os mosquitos eu via-os, e contava-os sem esforço nenhum.
Ela dormia um sono de anjo, anjo sem aquelas enormes e inestéti cas asas brancas que se lhes atribui. No lugar de asas brancas usava uma capulana colorida, fiel companheira, depositária dos seus mais íntimos segredos.
A capulana cobria-a, e eu, olhando para os volumes salientes pensei: “mulher bonita”, ou não fosse verdade que a beleza da mulher se mede pelo diâmetro dos seus quadris, que o julgamento do belo feminino está refém da saliência das ancas e das nádegas, que é ali, no equador delas, que se dá o primeiro estágio para se lhes atribuir qualifi cações estéti cas (Não me refiro à beleza convencional, que cepti camente – e comercialmente – nos é imposta, limitando-nos a gostos colecti vos).
Sónia torna-se mais bonita quando se encapulana e desliza pela casa de vassoura, balde, cesto, panela ou alguidar, aprimorando o seu expediente domésti co, tudo isto a tempo de montar a banca de rua com que multi plica o salário que levo para casa.
Ulti mamente anda um tanto OMMizada e cuida melhor da beleza. Passa horas ao espelho ensaiando penteados e inventando novas formas de se arrumar no lenço e na capulana. Não entendo porque se esmera tanto em penteados se por cima do cabelo leva sempre um lenço.
Vaidade feminina! Sentado na cama eu contava mosquitos, que é mais efi ciente que contar carneiros, quando, em zumbido embriagado, um deles foi pousar na pele suada da minha doce amada, estorvando- lhe o sono profundo, cansada das batalhas diurnas.
Coçou- se sem acordar, espreguiçou-se despreocupada das partes arredondadas que espreitavam pelas roupas de dormir. Ao espreguiçar-se, parecia que se mudava de um sono para outro, mais fresco, mais leve, como a serpente que renova o alento para a vida despindo-se da velha pele.
Esticou-se e encheu o peito de preguiça, exibindo os volumes. Quis acariciá-la mas com o braço interrompeu-me, lá do meio do sono, afastando qualquer possibilidade de vigília, e relaxou, moluscuosamente, para o merecido sono.
Instintivamente, levitei a ponta dos dedos sobre a pele húmida. Sem lhe tocar, afaguei-lhe apenas a respiração dos poros. Estremeceu, agradavelmente arrepiada. Inclinei-me para o ouvido disse-lhe em tom melado:
– Meu amor…
– Agora não, amor, tenho sono – respondeu-me julgando que as minhas intenções fossem aquelas.
– Só quero te desejar parabéns.
– Parabéns porquê? – falava sem abrir os olhos, com o hálito agradável das madrugadas e a voz enrouquecida de sono.
Antes de lhe responder apercebeu-se da data e sorriu. O sorriso não se deteve nos lábios. Espalhou-se pelo corpo que aos meus olhos se arredondava ainda mais. Moveu-se para me abraçar, descobrindo-se parcialmente, deixando perceber até onde o sorriso dos lábios se alastrara. Abraçados, e exorcizando a insónia, respondi-lhe:
– Parabéns pelo 7 de Abril, meu amor!