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‘@Verdade da Manhiça: Padrinho

A meio do estudo em grupo, uma brusca melodia penhora-nos a concentração. Era uma melodia dissonante de volume altíssimo de incomodar os tímpanos. Com um pedido de desculpa, Isabel retirou do seu bolso o telemóvel ante o olhar intimidante da malta e atende:

– Alô tio, boa tarde – saudou a colega Isabel ao seu co-locutor na linha.

Era tarde de terça-feira por volta das 16 horas e preparávamo-nos para um teste de Química no dia subsequente.

Isabel, minha prestigiada colega, é filha de um empresário local muito bem-sucedido e de uma professora de dedicação e profissionalismo largamente reconhecido na Manhiça.

A sua posição e condição social dispensavam-lhe o respeito e consideração de todos, pois, à vista, detinha tudo ou de quase tudo de básico que um homem almeja: afecto, liberdade, educação e dinheiro. Muito dinheiro.

– Venha buscar-me daqui a 1 hora, estou em casa do Davidinho – rematou ainda na fala telefónica com o seu tio.

Do inicio da conversa, desde a saudação até então, a conversa parecia ganhar contornos mais amigáveis que o simples tratamento de sobrinho para o tio. Mas entendeu-se, se calhar seja pela aproximação de que os dois conservavam ou de inspiração à rebelde (a novela que adicionou mais graus de imoralidade estrangeira ao nosso país).

Passado o tempo de estudo, estando agora o grupo a deliciar-se com um café e jogando conversa afora, sobretudo de alguns docentes que assediam sexualmente as alunas entre algumas revelações das que estavam presentes naquela tarde, eis que já no vibrador o telemóvel da Isabel sinaliza uma chamada.

Ela retira do bolso e contempla a proveniência da chamada e com manifesta prontidão retira os livros da mesa sem sequer olhar para o que estava levando ou se esquecia de algo importante dela, ante o tremor do telemóvel ainda na mão.

– Beijinhos queridos, tenho de vos deixar, o meu padrinho espera-me lá fora. Ele veio buscar-me.

– Posso ir à vossa boleia? – Perguntou uma das colegas do grupo por sinal vizinha do suposto padrinho.

– Não… humm – gaguejou nervosa Isabel na réplica – vamos tratar de um assunto familiar, sabes como é, nem?

E bateu porta afora sem sequer dizer adeus. E lá se foi a colega Isabel, sim, na companhia do seu padrinho, o senhor Barrigana de Toyota Corola.

Findo o encontro do grupo de estudos, eis que decido-me a ir ao jardim municipal, hoje totalmente arruinado e degradado embora ainda fiel aos seus propósitos: exercitar. Correr, como se diz. Início da noite e o sol já se escondia por detrás do horizonte como se as acções humanas nocturnas o assombrassem.

O jardim era um lugar escuro, sem luz e abandonado. Muitos aproveitam-se daquele espaço verde redondo para quase tudo: namorar, estudar, ginástica, fumar, descansar, etc. Mas, naquela noite, a minha ideia era mesmo correr.

Chegado ao jardim, ainda em fase de aquecimento, deparo à distância com o “corola” do padrinho da Isabel, imobilizado. Preocupou-me, pois naquele lugar àquela hora, não era normal a estadia de seja lá quem fosse. Dei uma de artista de cinema atrás do inimigo e aproximei-me discretamente da viatura. Usei as árvores e arbustos ali havidos para me esconder da vista deles.

Posicionei-me por detrás de uma árvore fazendo frente à posição da lua, que cheia, dava-me visão ao interior da viatura. Era o padrinho e a afilhada Isabel.

Os dois ocupavam o assento de trás do “corolinha” e notei: a Isabel balanceava freneticamente o corpo de cima a baixo e os cabelos soltando-se como se aquele movimento a tornasse numa rebelde roqueira. Ela estava por cima do Barrigana, que permanecia sentado no assento.

As mãos, essas do padrinho, paralisavam-se nas altíssimas e paradas dunas que a lua me dava luminosidade no peito da Isabel, contrariando as de Isabel que pela direcção davam à zona dos joelhos do seu barrigudo padrinho, que na hora perecia tê-la emendado.

Não mais percebia nada de mim, mas mantive-me estático detrás daquela árvore por mais alguns minutos, se calhar meia hora. O cenário não mudava, a Isabel apenas abrandava mas seguidamente, de um pulso, retomava a uma velocidade de loucura ao movimento.

Perdia-me completamente ante o olhar atento ao cenário no interior da viatura. Se atender pelo volume das minhas calças abaixo que dilatava e pelo estado de choque, pois, para além da Isabel ter apenas 15 anos, menos 2 que os meus, era ela a mulher que me esmerava aos sussurros sempre que a via passando, movendo o seu traseiro:

– Eu tenho que ter essa gaja, poooorrrahhh!

E decidi-me sair dali, cabisbaixo e triste, andando como que embebido pela própria mente e sem saber o que fazer. E assim fiquei, com a fúria do padrinho guardada em mim. Meses depois, eis que a Isabel me aborda:

– Davidinho! Estou grávida. Não sei o que faço. E o pai diz que não pode assumir e eu não posso nem revelar o nome dele, senão morro. Ajuda-me, por favor, meu amor!

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