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Kerygma: Outras boladas

Ontem alguém disse-me que estamos a caminhar para um Moçambique onde o dinheiro, adquirido de forma honesta, se vai tornar uma raridade. Ou a espécie “dinheiro” não será alcançada por pessoas honestas. Isto pode parecer absurdo, mas os novos incidentes do país dos “homens da paridade” indicam-nos que estamos a caminhar para essa realidade.

Há pessoas que dizem, em tom de folguedo, que “é preciso ter boladas para podermos aguentar o que nos vem pela frente”. Por tabela, podemos lembrar aquela música de Tinito que diz: “hi hanha hi mabolada” – vivemos de pequenos negócios e de formas de ganha-pão nos quais a ética é substituída pelo dinheiro. E, onde, a gula pelo lucro ultrapassa a ética e o respeito pelo outro. Acredito que, nos dias de hoje, ninguém se lembra da lógica dos bons costumes.

“Isso é para os mais antigos”, dirão alguns. Por causa da fome de dinheiro cada um de nós se vai tornando um pequeno corruptível. Cada um é mercenário no seu posto. Aquele que nunca fez uma bolada para sobreviver ou para aumentar o seu rendimento que coloque a sua mão no serrote eléctrico.

Eu torno-me mercenário quando, na escola, vendo notas aos meus alunos a fim de que eles transitem de classe mesmo sem saberem soletrar o próprio nome. Eu sou mercenário quando divulgo no jornal pequenas mentiras para beneficiar uma classe social em detrimento da outra. Sou um homem de boladas quando, ao invés de tratar o meu doente de forma condigna, condiciono o seu atendimento. Quando roubo medicamentos no hospital vendendo-os no mercado negro.

Quando falsifico identidades para que mais um estrangeiro se torne um “moçambicano de gema”. Quando o dízimo é que determina quem merece ir para o inferno ou para o paraíso. São boladas, apenas. Na verdade, nesse aspecto, somos todos interesseiros porque nos vendemos por alguma coisa que pode solavancar entre notas com cara de benjamim e pequenos favores que almejamos para sermos bem-vistos na sociedade. Tudo o que eu disse até aqui não é novo para ninguém. Tornou-se o nosso pão de cada dia.

Perdemos, sem nos apercebermos, o poder da indignação. Se realmente os últimos tempos existem, acho que já estamos a sete milhas de chagar ao fim dos mesmos. Caminhamos, sem ressentimentos, para o caos. Nós, apercebendo- -nos do caos, caminhamos para consumá-lo. Diremos um dia: “Conseguimos concretizar o projecto de vida que desejávamos”. Sim! Conseguimos acabar e destruir aquilo que nós não construímos – a integridade humana. Aniquilámos o desejo de sermos irmãos. “Muito moralismo”, dirão terceiros.

Por estas e outras conjunturas, venho por este meio rogar a Vossas Excelências – políticas, culturais, religiosas, desportivas e … – do meu país para que pensem nesta nação como um lugar que deve imanar a irmandade. Peço às excelências do meu país para que não façam boladas das almas deste lugar que um dia acreditou que todos podiam viver sem diferenças. Bolem os jazigos de petróleo, carvão e gás, mas não pratiquem as vossas técnicas de mercenário para bolar as almas que preenchem este país. Por favor, não façam boladas com a bondade do povo moçambicano.

Por isso, peço deferimento

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