Dezenas de acompanhantes dos pacientes internados no Hospital Provincial de Pemba passam os dias ao relento para prestar assistência aos seus parentes. Oriundos de diferentes distritos de Cabo Delgado e sem familiares na cidade e condições para custearem a sua estadia num local de alojamento, fazem dos passeios o seu abrigo, onde, a céu aberto, são feitas todas as necessidades biológicas. Diga-se, são uma nova espécie de moradores de rua.
Na Rua Base de Moçambique, na cidade de Pemba, um aglomerado de gente deitada e outra sentada ao longo dos passeios sobressai aos olhos dos que passam por ali, para além de alguns bens pessoais, como panelas, baldes, roupas, e outros objectos espalhados pelo chão. A primeira impressão é de que se trata de um bando de sem abrigo, mas, conotações à parte, quando nos aproximamos para meter dois dedos de conversar, percebe-se no olhar de cada um o drama por que passam naquele local.
São homens, mulheres – algumas delas com crianças nos braços – e jovens movidos por um problema comum, além de partilharem o mesmo sentimento de dor. Ou seja, trata-se de pessoas que acompanham os seus parentes doentes internados no Hospital Provincial de Pemba e que por falta de espaço naquela unidade sanitária são obrigadas a viver na rua enquanto aguardam pela recuperação (ou não) dos seus entes queridos.
Oriundos de diversos distritos de Cabo Delgado, os acompanhantes vivem na rua à semelhança de mendigos, na sua maioria, ocupando os passeios há mais de uma semana. Chegaram à cidade de Pemba porque os seus parentes enfermos foram transferidos para receber melhor tratamento, uma vez que aquela é a maior e mais bem equipada unidade hospitalar da província. Sem familiares e condições para disporem de um alojamento condigno na cidade de modo a acompanhar a evolução do estado de saúde do doente, a solução tem sido acampar nas bermas.
Um habitat improvisado
Há onze dias que o passeio da Rua Base de Moçambique se transformou na nova habitação de Buanali Rápido, de 19 anos de idade. Sentando rigidamente sobre um tronco e de olhar impenetrável, o jovem aguarda pela recuperação do seu pai que se encontra internado naquele hospital.
O seu progenitor contraiu ferimentos graves devido a uma agressão física. Buanali e o seu pai chegaram a Pemba de ambulância transferidos do Centro de Saúde da Mocímboa da Praia, a 300 quilómetros de Pemba, onde prestava assistência ao seu procriador com a ajuda dos seus dois irmãos mais novos. Chegado a Pemba, ele recebeu a informação de que não podia ficar no interior do Hospital Provincial devido à falta de espaço.
Com apenas a roupa e alguns mantimentos para o doente, sem dinheiro, nem onde se hospedar e tão-pouco a quem recorrer, Buanali teve de contar com a solidariedade dos outros acompanhantes acampados há mais de uma semana na berma da “Base de Moçambique”. Um papelão, uma garrafa de um litro de água e uma capulana são as únicas coisas que o ajudam a manter-se naquele local.
“Tive de abandonar o meu emprego. Nesta cidade não tenho família e, por isso, optei por fi car aqui para continuar a acompanhar de perto o estado de saúde do meu pai. Dormimos e tomamos banhos aqui mesmo na estrada, enquanto esperamos a hora para entrar no hospital para fazer uma visita e saber como o doente está”, diz o jovem que é pedreiro.
À semelhança de Buanali Rápido, Ali Carimo, de 52 anos de idade, na companhia da sua cunhada, Abiba Jemula, de 47 anos, aguarda pela recuperação da sua esposa, que foi submetida a uma cirurgia nas pernas há aproximadamente um mês.
Sentados na esteira estendida no passeio e que durante a noite serve de cama, ambos falam da difícil situação em que se encontram. “Vivemos desta maneira, sem casa de banho e, muito menos, sítio para dormir. Quando chove, a direcção do hospital deixa-nos ficar na varanda, mas assim que a chuva pára somos obrigados a abandonar o espaço”, conta Carimo.
Vindos do distrito de Ancuabe, a 67 quilómetros da cidade de Pemba, Carimo e Abiba não têm parentes nesta urbe e, como não podiam deixar um familiar sozinho, tiveram de se instalar na berma da Rua Base de Moçambique. “Quando eles transferem o doente, não dão tempo à pessoa de levar alguns mantimentos e, chegados aqui, dizem-nos que o acompanhante não deve ficar no hospital. Sem família e dinheiro, o que vamos fazer?”, questiona.
Carimo é camponês e não tem como pagar alojamento. Teve de regressar a Ancuabe para ir buscar mantimentos, tendo deixado a sua esposa aos cuidados da sua cunhada. Trouxe roupa e comida para duas pessoas durante três semanas, mas, porque teve de ajudar outros acompanhantes apanhados desprevenidos, viu-se obrigado a voltar para a sua terra natal com vista a trazer mais suprimentos.
“Fui buscar este saco de farinha de milho, peixe e feijão para mais alguns dias, uma vez que não sei quando é que a minha esposa receberá alta. Já passa quase um mês”, diz o camponês de 52 anos de idade.
Maria acompanha a sua irmã Joana que tem o seu filho internado há duas semanas. Sentadas na esteira, cobertas por uma capulana e olhando fixamente para o edifício que alberga o Hospital Provincial de Pemba, tiveram de contar com a boa vontade das pessoas. Elas não querem ser identificadas nas imagens que captámos, cobrindo os rostos. Oriundas de Montepuez, a 203 quilómetros de Pemba, aguardam notícias.
“O seu estado de saúde ainda é preocupante, pois ele sofreu um acidente grave. Desde que cá chegámos temos rezado para que ele recupere”, afirma Joana e acrescenta: “Passo os dias aqui sentada enquanto o meu filho está lá dentro se calhar precisando da minha ajuda, pois não nos é permitido permanecer no interior do hospital”.
Há duas semanas, Joana e a sua irmã vivem no passeio e só entram no hospital no horário permitido para a visita e para deixar algumas refeições. “Durante a manhã, se a pessoa não tem mata-bicho não deixam entrar”, diz.
O sofrimento destes homens e mulheres é aliviado no período da manhã durante 30 minutos, ao meio-dia, por meia hora, e na hora das visitas, das 15h30 às 18h00.
Dias de sacrifício
Para os acompanhantes, os dias naquele local são demasiado longos. Faça chuva ou sol, não se apartam. À espera dos seus parentes para levá-los de volta para casa, eles levam uma vida de refugiados ou de gente sem abrigo.
As noites são passadas nos passeios ao relento, onde também são confeccionadas as refeições. Para as necessidades menores recorrem às árvores, enquanto as maiores são feitas nas matas e na praia e, para isso, têm de percorrer pelo menos pouco mais de 500 metros.
Tomar banho é coisa rara, aliás, na calada da noite algumas pessoas aproveitam para fazê-lo debaixo das árvores. Tem sido assim quase todos os dias.
Este é uma situação que perdura há bastante tempo e já é do conhecimento das autoridades locais. Diga-se, o calvário dos novos moradores de rua termina quando o parente doente recebe alta ou perde a vida.
Um dos médicos escalados nas urgências do Banco de Socorros do Hospital Provincial de Pemba nega o facto de que os acompanhantes são proibidos de ficar no interior do hospital.
“Só é permitido um acompanhante, mas o que tem vindo acontecer é que aparece a família toda do paciente e o hospital não tem condições para acolher todos eles. Em nenhum lugar do mundo isso é aceitável”, diz.