Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Os ganhos e as perdas na tributação das mais-valias do sector extractivo em Moçambique

Os maiores pagamentos de impostos na História de Moçambique foram avaliados no meio de uma incerteza extraordinária. Antes de 2012, a venda de activos ou participações em projectos mineiros no valor de dezenas de milhões de dólares não foi tributada. Esta situação mudou após a venda da Riversdale à RioTinto. Entretanto, a tributação do imposto de mais- valias desde essa altura tem sido inconsistente. As receitas do imposto de mais-valias excedem um bilião de dólares, mas estes são pagamentos extraordinários, que as empresas irão reivindicar a sua recuperação quando a produção iniciar, assegura o Centro de Integridade Pública (CIP), num estudo divulgado no domingo (25), no qual indica, também, que as receitas parecem grandes agora, mas são pequenas em comparação aos possíveis benefícios da renegociação dos termos (tais como royalties) dos contratos muito generosos da Bacia do Rovuma.

Aplicação Inconsistente do Imposto das Mais-valias

O momento decisivo da tributação das mais-valias no sector extractivo em Moçambique ocorreu em 2011, aquando da venda da concessão de carvão da Riversdale em Tete. O vendedor era uma pequena empresa de exploração designada Riversdale, e o comprador era uma mineradora gigante de dimensão global, a Rio Tinto, e o preço de venda era de aproximadamente quatro (4) biliões de dólares. Antes desta venda, não tinha havido qualquer discussão significativa da tributação das mais-valias nas empresas do sector extractivo e não havia evidência da cobrança do imposto de mais-valias sobre uma empresa internacional.

A falta de atenção inicial à questão das mais-valias é surpreendente, considerando que a transferência de participações das empresas concentradas na exploração para empresas concentradas na produção é algo comum (ver a discussão a seguir sobre empresas de mineração “juniores”). É também surpreendente que tenham-se registado muitas transacções antes da venda da Riversdale, várias delas avaliadas em dezenas de milhões de dólares.

A relevância do imposto de mais-valias em Moçambique foi também grandemente ignorada em análises dos termos fiscais aplicáveis às empresas do sector extractivo. A revisão do regime fiscal de Moçambique na área de mineração e petróleo feita pelo FMI em 2007, um documento de 80 páginas, faz apenas uma breve referência, em notas de rodapé, à questão das mais-valias: “O Código de IRPC é escrito de tal forma a que os ganhos e perdas sobre as transacções de capital sejam tratados como uma parte do rendimento para propósitos fiscais.” A orientação sobre o quadro legal do sector mineiro, escrita em 2010 pela principal empresa de consultoria jurídico-legal em Moçambique, a Sal & Caldeiras, não faz menção ao imposto de mais-valias para empresas (embora elas façam referência à esta obrigação dos indivíduos).

Mesmo depois da discussão pública em relação à venda da Riversdale, está claro que os investidores não previam que um imposto de mais-valias fosse tributado sobre futuras transacções. Quando o Governo anunciou que seria definido um imposto de mais-valias sobre a venda da Cove Energy, os preços das acções da empresa caiu em mais de 8%.

Tributação das Mais-valias

Embora todos os detalhes não sejam públicos, parece que o valor da venda da Riversdale gerou um intenso debate no seio do Governo, sobre a necessidade de tributar mais-valias das empresas estrangeiras, geradas a partir da venda de direitos do sector extractivo. Isto criou a base para os elevados pagamentos de impostos sobre a transferência de participações nas concessões da Bacia do Rovuma e não só.

A aplicação do imposto de mais-valias para empresas não-residentes é baseada na seguinte combinação de disposições extraídas do Código do Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) e o Código de Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS).

IRPC – Código do Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas

1. Mais-valias realizadas são determinadas como sendo rendimento – IRPC 20 (h)

2. A “mais-valia” é definida como a diferença no valor líquido realizável – IRPC 37.2

3. O IRPC é aplicável a empresas não-residentes IRPC 5.2 e 5.3 (a) e (b).

4. O rendimento de empresas não-residentes é determinado por regras no código do imposto de rendimento de pessoas singulares (IRPS) – IRPC 45. IRPS – Código de Rendimento de Pessoas Singulares

5. Mais-valias adquiridas através de actividades de negócio e actividades profissionais conforme definidas no IRPC são consideradas como rendimento de “segunda categoria” – IRPS 8.3 (c)

6. O valor pagável para aquisição e venda de participações é definido no IRPS 45, enquanto a dedução permitida é definida no IRPS 47 e 50.

7. A percentagem da mais-valia sobre a qual o imposto é pago reduz com base no período da propriedade no IRPS 40.

Dados estes passos relativamente complicados, talvez não seja surpreendente que um imposto de mais-valia sobre empresas petrolíferas e de mineração internacionais não apareça proeminentemente nas descrições dos regimes fiscais do sector extractivo.

A lógica básica do imposto de mais-valias é clara: o ‘ganho’ corresponde ao preço de venda menos o preço de compra (se for o caso) menos outros ajustes tais como a depreciação. Como proprietários originais das licenças e concessões, empresas tais como a ENI e a Anadarko receberam os seus direitos para explorar e desenvolver directamente a partir do Governo. Nestes casos, não existe nenhum preço de compra para incluir no cálculo do ‘ganho’. Para outras, tais como a Cove Energy ou Videocom, o preço de compra é deduzido a partir do preço de venda para determinar o “ganho”.

O imposto de mais-valias é sempre calculado em 32%, mas é avaliado numa ‘base’ diferente dependendo do período da propriedade, conforme definido no artigo 40 do Código de IRPS. A proporção do ‘ganho’ sobre o qual a taxa de 32% é calculada reduz na medida em que o período de propriedade aumenta. É esta fórmula do IRPS que explica por que é que o imposto é calculado como uma percentagem do preço geral de venda, que varia grandemente entre diferentes transacções.

A ENI África Oriental apresenta o cálculo mais simples. Uma vez que a ENI assegurou a concessão directamente a partir do Governo através da ronda de Licenças de 2005 para os EPCC (Contrato de Concessão para Pesquisa e Exploração), o valor de venda e o valor da mais-valia são idênticos. Considerando que a ENI detinha o activo há mais de 60 meses, a percentagem do ganho que é tributada é calculada em 30%. Quando a taxa fiscal de 32% é aplicada ao valor de 30% do ganho de capital, o imposto calculado é de 400 milhões de dólares. O que é incomum sobre o cálculo do imposto da ENI é o Governo ter aceite a promessa de construção de uma estação de energia eléctrica de 75 Mega watt, no futuro, in lieu no valor de 130 milhões de dólares em detrimento do pagamento em cash que a companhia faria ao Estado em 2013.

O cálculo de mais-valias na Cove Energy e Videocom segue uma lógica similar, excepto que estas duas empresas adquiriram as suas participações originais na concessão do Rovuma 1 e portanto a mais-valia é o preço de venda menos o preço de compra.

Revisões ao imposto de mais-valias – Uma Taxa Única de 32%

Ao longo de 2012, novas leis sobre o imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRPC) e pessoas singulares (IRPS) foram desenvolvidas. Ao longo deste processo, foi introduzida uma mudança na forma através da qual as mais-valias sobre as empresas petrolíferas e de mineração externas são calculadas. Especificamente, as novas disposições determinariam uma taxa única de 32% do imposto fiscal sobre as mais-valias independentemente do período do tempo de posse do activo. De forma surpreendente, as revisões às leis fiscais conservam a ligação entre o IRPC e o IRPS, e simplesmente acrescentam uma nova categoria que tornaria as empresas do sector extractivo responsáveis pela tributação do valor total das mais-valias.

Revisões ao IRPC e IRPS foram aprovadas pelo Parlamento em meados de Dezembro de 2012 e submetidas ao Presidente para promulgação. Em Janeiro de 2013, o Presidente recusou-se a assinar estas leis, alegando preocupações constitucionais sobre os efeitos retroactivos. Especificamente, ele argumentou que a Constituição proibia tanto a aplicabilidade retroactiva da lei (que estava prevista para ser aplicada a partir de 01 de Janeiro de 2013) e um aumento dos impostos durante o ano financeiro. O Presidente procurou a opinião do Conselho Constitucional, que produziu uma análise extensa, mas por fim recusou-se a emitir uma decisão sobre o facto da lei ser ou não constitucional. Entretanto, por detrás das negociações em curso, a questão foi resolvida ao nível do Parlamento, que propôs que as novas leis do IRPC e IRPS entrassem em vigor a 01 de Janeiro de 2014.

De acordo com estas novas leis, todas as transacções de direitos a concessões de licenças mineiras e do petróleo feitas depois de 01 de Janeiro de 2014 deveriam ser tributadas com base numa taxa de 32% sobre o valor total do ganho de capital. Todavia, a relevância do IRPC e IRPS para o sector extractivo poderia durar pouco tempo. Novas leis fiscais para o sector de mineração e do petróleo aguardam, neste momento, a aprovação do Conselho de Ministros, o que irá quebrar a ligação entre as empresas do sector extractivo e as disposições fiscais gerais de Moçambique. As disposições de mais-valias nas leis fiscais, enquanto mais claras, terão o mesmo efeito: taxa de 32% sobre o valor total do ganho de capital.

O Imposto de mais-valias

A frase ‘mais-valias’ refere-se ao aumento no valor de um activo entre o tempo ou período em que este é adquirido e quando ele é vendido. No sector extractivo, o ‘activo’ em questão é tanto uma licença de concessão mineira ou petrolífera, para além de qualquer infra-estrutura de capital que já tenha sido desenvolvida. A venda de licenças e concessões é particularmente importante durante as fases de exploração e desenvolvimento, quando os direitos ao recurso podem ser avaliados em biliões de dólares, embora as primeiras receitas da produção possam ocorrer daqui há muitos anos no futuro.

O que é Transferido e Porquê?

Em alguns casos, a empresa do sector extractivo vende todas as suas participações num projecto e abandona o país. Particularmente no sector mineiro, é comum para empresas mais pequenas realizar a exploração de alto risco. Estas empresas ‘juniores’ não possuem a capacidade ou a intenção de desenvolver os recursos se as actividades de exploração tiverem sucesso. O seu objectivo é aumentar o valor do activo e vendê-lo. A venda das licenças de carvão da Riversdale para a Rio Tinto constitui um exemplo. Noutros casos, as pequenas empresas detêm uma participação percentual num consórcio e decidem vender depois de um aumento substantivo no seu valor. Isto ocorreu na Área 1 do Rovuma com a venda da Cove Energy, de uma participação de 8.5% e a venda de 10% da Videocon. A empresa original não tem necessariamente que ser pequena para que o activo seja vendido antes do início da produção. A Anadarko é uma das 40 maiores empresas internacionais de petróleo, mas eles não possuem experiência no desenvolvimento do gás natural liquefeito (LNG). Nos círculos da indústria, muitos acreditavam que a Anadarko terá vendido todas as suas participações na Bacia do Rovuma antes das primeiras exportações de gás.

Um segundo tipo comum de transferência é a venda de uma parte percentual – muitas vezes conhecido como farm down. Aqui a principal empresa o ‘operador’ vende parte da sua participação. Tal como com outros actores minoritários, isto poderá simplesmente ser uma questão de lucrar a partir de uma operação de exploração bem-sucedida com vista a melhorar as finanças gerais da empresa. A recente venda por parte da ENI de 20% das suas participações na Área 4 da Bacia do Rovuma e a venda pela Anadarko de 10 de participações na Área 1 da Bacia do Rovuma, ambas se enquadram nesta categoria. Uma categoria especial do farm down é onde o contratante oferece uma parte percentual no projecto em troca do financiamento da exploração disponibilizado pela nova empresa. Este foi o caso das recentes transferências dos direitos de propriedade da Petronas e da Statoil na Bacia do Rovuma. Neste caso, não existe nenhum preço de venda, embora o valor possa ser determinado pela escala dos custos de actividades de exploração realizadas como parte da transacção.

Tributar ou Não tributar?

Enquanto a venda de todas ou de uma parte da licença de mineração ou de petróleo é um traço de rotina do sector extractivo, não existe nenhuma prática padrão para o facto destas transferências serem ou não tributadas. Existem países onde nenhum imposto é tributado sobre as mais-valias. A partir de uma perspectiva económica, isto faz sentido porque o desenvolvimento positivo do projecto muitas vezes depende da introdução de novos parceiros comerciais com capacidade financeira e técnica suficiente. Não é do interesse do Governo desencorajar a transferência de propriedades para os compradores que se encontram melhor posicionados para desenvolvê-los eficientemente.

O contra-argumento é político tanto quanto económico. Argumenta-se muitas vezes que é politicamente inviável nos países em desenvolvimento não tributar as vendas em biliões de dólares do direito de explorar recursos nacionais. Uma das muito poucas formas de um Governo extrair receitas de projectos do sector extractivo que não irão gerar um lucro durante alguns anos ou mesmo décadas é impor um imposto sobre as mais-valias. A injecção inicial de receitas substantivas a partir do imposto de mais-valias é obviamente bem-vinda. Em alguns casos, isto é visto como a maior vitória sobre empresas internacionais poderosas e uma reparação às generosas concessões fiscais oferecidas nos contratos originais.

O alcance dos pagamentos de impostos de mais-valias é muitas vezes não bem compreendido. Em muitos países, o imposto de mais-valias é deduzível contra futuras avaliações ou cálculos do rendimento tributável. Isto significa que o imposto de mais-valias não é uma fonte adicional da receita para o Estado. Permite apenas ao Governo trazer agora parte da receita futura. Mas também gera deduções adicionais contra o rendimento tributável da empresa. Garantir uma receita antecipada antes da produção retarda o início da aplicação do IRPC e faz recuar a data em que as receitas do Estado poderão tornar-se significativas.

Os riscos de grandes pagamentos únicos ou “one-off”

A cobrança bem-sucedida de um imposto de mais-valias apresenta riscos assim como benefícios. O historial de países em desenvolvimento ricos em recurso que gerem efectivamente grandes pagamentos únicos de mais-valias não é bom. O Governo tem pouca influência sobre a calendarização ou a escala da venda de direitos dos recursos do sector extractivo. Por essa razão, os pagamentos do imposto de mais-valias não podem ser normalmente antecipados ou integrados em processos regulares dos planos e orçamentos do Estado. O risco de má-utilização destas receitas excepcionais deve ser considerado elevado.

Grandes pagamentos únicos — muitas vezes em forma de bónus de assinatura — também foram responsáveis por alguns dos actos de corrupção mais chocantes conhecidos no sector extractivo. Países com vastas reservas comprovadas de petróleo muitas vezes exigem um grande pagamento único quando a empresa adquire direitos de exploração. À semelhança dos principais termos fiscais aplicáveis às operações do sector extractivo, o volume destes pagamentos tem sido tradicionalmente confidencial.

Não é incomum que alguns dos rendimentos do bónus de assinatura sejam desviados do tesouro público. Em Angola, foi reportado que apenas metade do bónus de assinatura no valor de $870 milhões pagos pela BP-Amoco, Elf e Exxon, em finais dos anos 90 para os Blocos 31-33 chegou a constar nas contas do Governo de Angola. Grande parte deste dinheiro parece ter sido desviado, através da Presidência, para a compra de armas. Em 2001, quando a BP revelou publicamente o pagamento do bónus de assinatura, estimado em 111 milhões de dólares, o Governo Angolano repreendeu a empresa por ter revelado informação de “carácter estritamente confidencial” e que eles se reservam ao direito de adoptar a “acção apropriada”, incluindo o “término do contrato”. O paralelismo entre o bónus de assinatura e os pagamentos do imposto de mais-valias sugerem que ambos apresentam oportunidades significativas para o desvio de fundos do Estado.

Desafios administrativos da Avaliação/Cálculo do Imposto

Os prós e contras da aplicação de um imposto de mais-valias são algumas vezes secundários para os desafios práticos que os países em desenvolvimento enfrentam quando procuram impor o imposto sobre empresas multinacionais. As empresas empregam várias tácticas para evitar o pagamento. Algumas vezes elas argumentam que, porque a transacção ocorreu num centro financeiro estrangeiro, as leis fiscais do país anfitrião não se aplicam. Noutros casos, eles argumentam que o que é vendido não são os direitos de uma licença ou uma concessão, mas sim uma empresa subsidiária. A ENI usou este argumento quando informou que estava a vender uma parte de uma empresa subsidiária, a ENI-East Africa. A Autoridade Tributária de Moçambique rejeitou de imediato este estratagema, na medida em que os direitos relativos ao gás na Bacia do Rovuma eram o único activo da ENI-East Africa.

Nas jurisdições onde se impõe um imposto de mais-valias, este imposto é comumente determinado sobre o vendedor. A lógica é clara, considerando que o aumento no valor do activo, quando vendido, representa uma forma de rendimento. Nos casos onde a empresa continua a operar no país, depois de uma venda, a aplicação do pagamento não constitui um problema. As recentes vendas da ENI e Anadarko enquadram-se nesta categoria. Mas o que acontece quando a empresa vende todas as suas participações e já não tem presença financeira no país? Este foi o caso da Riversdale após a sua venda à empresa Rio Tinto em 2010. Moçambique procurou impor um cálculo do imposto sobre a Riversdale, mas não tinha qualquer influência sobre a empresa australiana. Se o Governo de Moçambique tivesse estado ao corrente da venda, com antecedência, teria sido possível intervir antes da conclusão do processo de venda. Mas não é pouco comum para a Autoridade Tributária ouvir sobre a venda de direitos sobre recursos naturais através dos media, depois da venda já ter sido concluída. Em algumas jurisdições, como no Uganda, onde o vendedor está para além do alcance, foram feitas tentativas para impor o imposto sobre o comprador. Moçambique procurou fazer o mesmo, embora de forma menos agressiva, com a Rio Tinto.

Renegociação?

Dado o tamanho dos potenciais pagamentos de impostos e a distância entre as receitas e a produção real, não é incomum os governos reverem os termos para a aplicação do imposto de mais-valias logo que a venda de grandes valores inicia. As empresas, muitas vezes, argumentam que isto corresponde a ‘renegociação’ dos termos sob os quais eles decidiram investir. Muitos contractos do Sector Extractivo, incluindo aqueles assinados até à data em Moçambique, incluem o que são conhecidos como “cláusulas de estabilização”. Estas disposições proporcionam uma garantia para a empresa de que os termos sobre os quais eles decidiram investir permanecerão válidos no período de duração do contracto, normalmente incluindo cerca de 25 anos de produção.

Em alguns casos, estas disposições ‘congelam’ os termos disponíveis aquando da assinatura do contracto. Noutros casos, uma cláusula de ‘equilíbrio económico’ é usada para estabilizar o retorno económico do investidor ao contrário de estabilizar os termos fiscais. No âmbito desta última formulação, as leis fiscais podem ser alteradas, mas se elas têm um efeito adverso sobre o investidor, o Estado compromete-se a fazer outras mudanças para assegurar que a posição económica da empresa seja mantida. Os contratos em Moçambique contêm cláusulas sobre o ‘equilíbrio económico’.

A linguagem no modelo mais recente do Contrato de Concessão de Exploração e Produção (EPCC, sigla inglesa) é indicativo das disposições noutros contratos do sector extractivo. O artigo 11 parágrafo 9 do contrato estipula que se forem introduzidas outras taxas que tenham: “Um efeito adverso de natureza material sobre o valor económico derivado das Operações de Petróleo pela Concessionária, as partes irão, logo que possível, reunir-se para concordarem com as mudanças a este EPCC que irão assegurar que a Concessionária obtenha das Operações de Petróleo, depois destas mudanças, os mesmos benefícios económicos que seriam obtidos se a mudança na lei não tivesse sido efectuada”.

É possível argumentar que os complexos passos legais necessários para impor um imposto de mais-valias sobre as empresas do sector extractivo com base nas leis do IRPC e IRPS de 2007 correspondem a renegociação. Mas esta é uma questão de debate. O que não é uma questão de debate é que a imposição de um imposto de mais-valias estimado em 32% incluído nas revisões de 2013, ao IRPC e IRPS, corresponde de facto a renegociação: isto evidentemente tem “um efeito adverso sobre a natureza material do valor económico derivado das Operações do Petróleo pela Concessionária”.

Contrariamente aos argumentos das empresas e doadores internacionais, a renegociação dos contractos do sector extractivo não gera normalmente uma crise de confiança nos investidores estrangeiros. De facto, onde a economia de um projecto muda fundamentalmente, como foi o caso dos massivos aumentos dos preços de petróleo entre 2003 e 2008, a renegociação é uma prática comum. De facto, em muitos casos, o processo não é adverso, na medida em que todas as partes compreendem que um negócio fundamentalmente injusto é insustentável e deverá ser alterado.

A oposição das empresas à ‘renegociação’ dos contratos’ não é, portanto, uma barreira legítima para efectuar mudanças a meio-caminho para os termos aplicáveis à tributação de mais-valias. A questão é se o imposto de ‘mais-valias’ é o aspecto certo sobre o qual renegociar.

Ao efectuar mudanças sobre o imposto de mais-valias, o Governo de Moçambique está a gerar algum rendimento antecipado a partir da Bacia do Rovuma, muitos anos antes do início da produção. Estas injecções antecipadas de capital são um acréscimo bem-vindo para um orçamento sob pressão e parecem apropriadas dadas as vastas somas de capital permutado entre as empresas em troca de direitos de exploração dos recursos de Moçambique. Mas o volume real destes pagamentos feitos duma única vez é pequeno em comparação à outras mudanças que poderiam ser efectuadas aos contratos.

Além disso, a forma como a imposição do imposto de mais-valias foi gerida prejudicou a percepção que os investidores tinham sobre Moçambique muito mais do que uma renegociação ordinária dos principais termos dos contratos teria feito.

ESTUDOS DE CASO: APLICAÇÃO INCOSISTENTE DO IMPOSTO DE MAIS-VALIAS

Sector de Mineração: Riversdale / Rio Tinto

Em 2006, a empresa australiana, a Riversdale Mining Limited (uma empresa listada na Bolsa de Valores da Austrália) assegurou os direitos para uma série de licenças de carvão, incluindo os projectos de Benga e Zambeze de duas empresas privadas moçambicanas. Não existe nenhuma informação pública sobre o valor da venda, os nomes das empresas moçambicanas, ou sobre a cobrança de qualquer imposto de mais-valias.

Durante o período em que a Riversdale detinha os direitos sobre estas concessões de carvão, houve mudanças significativas em termos da posse dos direitos em Moçambique e da própria empresa. Em 2007, a Tata Steel adquiriu 35% dos direitos sobre os activos de carvão da Riversdale em Moçambique a um preço de mais de $88 milhões. A Riversdale também possuía activos modestos de carvão na África do Sul. Duas empresas detinham importantes participações na própria Riversdale, no processo que conduziu à venda para a Rio Tinto. A Tata Steel detinha 25% de participações e a empresa produtora de aço do Brasil, a Companhia Siderúrgica Nacional detinha exactamente um pouco menos de 20%. Não existe nenhuma informação pública sobre a cobrança do imposto de mais-valias sobre quaisquer destas transacções.

A Rio Tinto Começa a adquirir a Riversdale

A Riversdale não tinha intenção e nem capacidade para desenvolver as concessões de carvão em Tete. A estratégia da empresa era de reproduzir o valor do activo e vendê-lo para uma grande empresa de mineração. Em Dezembro de 2010, a empresa gigante global na área de mineração, a Rio Tinto fez a sua primeira oferta pública para adquirir a Riversdale. Ja nesta primeira fase a Rio Tinto tenha informado ao Primeiro-Ministro e ao Ministro do Sector Mineiro de Moçambique sobre o seu interesse em adquirir os direitos de carvão em Moçambique.

Em Outubro de 2011, próximo de um ano depois da oferta inicial ter sido feita, a Rio Tinto Jersey Holdings 2010 Ltd, uma subsidiária totalmente detida pela Rio Tinto plc, com registo no Reino Unido, começou a adquirir cerca de 244 milhões de acções da Riversdale Mining Limited. Até Junho de 2011, a Rio Tinto detinha 99.76 da empresa e a Riversdale foi retirada da Bolsa de Valores da Austrália. O valor total das acções adquiridas pela Rio Tinto (é importante notar que eles não pagaram qualquer valor monetário à própria Riversdale) foi de $4.1 biliões. De acordo com a Rio Tinto, o valor real dos activos moçambicanos era de 3.6 biliões de dólares.

Durante este processo, a Rio Tinto manteve contacto regular com o Governo de Moçambique. De facto, em Outubro de 2011, a Rio Tinto informou ao Ministério das Finanças, ao Director Geral de Impostos e ao MIREM de que detinha 41% da Riversdale.

Embora as autoridades moçambicanas tivessem sido informadas da iminente transacção ao longo deste processo, a Autoridade Tributária parece não ter estado ao corrente disto até que a transacção foi concluída. Documentos internos da Autoridade Tributária revelam que eles ficaram informados sobre a transacção não através das comunicações com o Ministério das Finanças ou com o MIREM, mas através de notícias/reportagens veiculadas pelos órgãos de informação.

Parece que a soma monetária extraordinária envolvida na transacção induziu o Governo a explorar as opções legais para a tributação das mais-valias sobre as transferências de direitos no sector extractivo.

Conforme acima ilustrado, a base legal para a imposição e cálculo do imposto de mais-valias sobre as empresas não-residentes é relativamente complexa. Um aspecto é absolutamente claro: o imposto é tributado como uma matéria colectável para o vendedor. O problema neste caso, contudo, era de que o vendedor já não possuía activos ou presença em Moçambique.

A Autoridade Tributária procurou contactar a Riversdale para calcular o imposto, mas eles não tinham poder sobre uma empresa não residente. Incapaz de tributar a Riversdale, a Autoridade Tributária procurou impor o imposto sobre o comprador: a Rio Tinto. O litígio está a decorrer há mais de dois anos. A Rio Tinto argumentou repetidas vezes que qualquer responsabilidade tributária recai sobre a Riversdale e não sobre ela. Ainda assim, parece que a Autoridade Tributária, não tendo conseguido monitorar a prolongada operação e tributar as devidas mais-valias ao vendedor do activo, não quer admitir que a oportunidade terá passado.

O presidente da Autoridade Tributária numa entrevista recente é citado como tendo dito que “A operação entre a Riversdale e a Rio Tinto é um litígio fiscal e esperamos ter resultados. A tributação é um imperativo legal. Assim, a operação está sobre a mesa e iremos segui-la até ao fim”. As notícias nos média sugerem que a Autoridade Tributária procura obter aproximadamente 200 milhões de dólares em imposto de mais-valias.

Mineração: Talbot Group

Ken Talbot, líder do Talbot Group, havia sido um investidor na Riversdale, tendo vendido as suas participações no projecto por $190 milhões em Novembro de 2009. Com esse valor investiu na criação da empresa moçambicana de exploração de carvão, a Minas de Revuboè, criada em 2010. A propriedade era partilhada entre a empresa Talbot Group (58.9%), a Nippon Steel do Japão (33%) e a Posco da Coreia do Sul (8%).

Depois de um acidente aéreo envolvendo Talbot em 2011, no Congo Brazzaville, o Grupo decidiu alienar todos os seus activos. As notícias nos media sugeriam que a grande empresa de mineração, a Anglo American, teria comprado as participações da Talbot Group por $500 milhões e que a venda iria gerar um imposto de mais-valias de cerca de 70 milhões de dólares (32% dos 40% do valor de venda). Oito meses depois do acordo provisório, todavia, a Anglo American retirou a sua oferta. Todas as indicações sugerem que a Talbot Group continua a deter 58.9% do projecto e que não foi pago o imposto sobre as mais-valias.

Petróleo: Área 1 do Rovuma – Concessão da Anadarko

Participações minoritárias na Área 1 da Bacia do Rovuma ocupada pela Anadarko mudaram de mãos várias vezes. Quando a concessão foi adjudicada, a Anadarko detinha 85% das participações com direitos sobre os restantes 15% detidos empresa nacional do petróleo (ENH).

Vendas da Anadarko

Em 2007, a Anadarko vendeu 8.5% de participações na Área 1 do Rovuma para a Artumas (uma subsidiária moçambicana de uma empresa do Canadá) e 20% de participações para a Mitsui (uma subsidiária moçambicana de uma empresa registada na Inglaterra). Parecem não existir detalhes públicos sobre o valor destas transacções ou qualquer imposto de mais-valias que tenha sido cobrado.

Em 2008, a Anadarko vendeu participações equivalentes a 10% à empresa indiana Videocom (uma subsidiária da empresa Videocom Group baseada nas Maurícias) e para a empresa indiana BPRL Ventures Moçambique (uma subsidiária moçambicana da Bharat Oil Corporation). As notícias nos media indicam que os termos para as duas participações foram idênticos. O valor de venda para a Videocom foi reportado em 75 milhões de dólares. Não há informação sobre a cobrança do imposto de mais-valias sobre estas transacções.

Em 2013, a Anadarko vendeu mais 10% das suas participações remanescentes na Área 1da Bacia do Rovuma para a ONGC, o braço ultramarino da empresa estatal indiana, Oil & Natural Gas Corp. O valor da transacção foi de $2.64 bilhões. O imposto de mais-valias foi calculado em $520 milhões (32% das mais-valias tributáveis no valor de $1.625b).

Vendas Secundárias

Em 2009, a Artumus vendeu os 8.5% da sua participação à Cove Energy, uma empresa registada no Reino Unido. A venda não foi baseada numa transacção monetária. Ao contrário, a Cove concordou em pagar a Artumas uma taxa de royalty de 6.4% sobre qualquer ‘petróleo lucro’ ganho em relação aos 8.5% das participações. Não existe nenhuma indicação do cálculo de mais-valias sobre esta transacção.

Em 2012, a Cove Energy vendeu as suas participações na ordem de 8.5% para a empresa de energia da Tailândia, PTT (antiga Autoridade do Petróleo da Tailândia) por $1.56 bilião. Esta parece ser a primeira transacção do sector extractivo sobre a qual foi cobrado um imposto de mais-valias, com um pagamento fiscal de $175.8 milhões.

Em inícios de 2014, a Videocom concluiu a venda do total de 10% das suas participações em benefício da OVL (o braço ultramarino da empresa nacional da Índia a Oil & Natural Gas Corp), e a OIL (Oil India Limited) por $2.15 biliões. O cálculo do imposto de mais-valias esteve estimado em 227 milhões de dólares.

Petróleo: Área 4 do Rovuma – ENI East Africa

A ENI East Africa assegurou os direitos sobre a Área 4 da Bacia do Rovuma na ronda de licenciamento de 2006. A ENH possuía direitos na ordem de 10%. Desde o início, a ENI trouxe dois parceiros: a GALP Energia com 10% e a KOGAS (Korean Gas Company) também com 10%. Não existe nenhuma informação pública sobre o preço de venda de 10% das participações adquiridas pela GALP e nem pela KOGAS, e não há indicação do cálculo de qualquer imposto de mais-valias.

Em 2013, a ENI vendeu acções correspondentes a 20% do projecto à Chinese National Petroleum Corporation (CNPC) por $4.16 biliões. A ENI primeiro procurou evitar pagar qualquer imposto argumentando que estava a vender uma porção da ENI East Africa, uma subsidiária registada na Itália. Considerando que a concessão na Bacia do Rovuma era a única propriedade da ENI East Africa, o Governo de Moçambique rejeitou esta abordagem. A 13 de Agosto, depois de um encontro com o Presidente Guebuza, o Director Executivo da ENI, Paolo Scaroni, anunciou que a ENI tinha concordado em pagar $400 milhões do imposto de mais-valias. Ele também indicou que a ENI se tinha comprometido a construir uma estação de gás de 75 Mega watt em Cabo Delgado, com valor estimado em $130 milhões, que deverá estar operacional quando as infra-estruturas de gás liquefeito (LNG) tiverem sido concluídas, provavelmente em 2020.

As notícias nos Media sugerem que a ENI East Africa está interessada em vender mais 15% da sua participação no projecto. Aparentemente, a ExxonMobil, a Total, Shell e Chevron estão todas interessadas, mas a empresa na dianteira é a Chinese National Offshore Oil Company (CNOOC).

As notícias nos Media também sugerem que tanto a GALP como a KOGAS poderão estar interessadas em vender as suas participações em virtude de elas ter dificuldades em angariar o financiamento necessário para a sua participação na construção da planta de liquefacção de gás (LNG, sigla inglesa).

Petróleo: Bacia do Rovuma- Statoil e Petronas

Em 2012, a Statoil (a empresa estatal de petróleo da Noruega) e a Petronas (a empresa de petróleo da Malásia), ambas fizeram a transferência das suas participações na Bacia do Rovuma. Isto significa que elas transferiram uma percentagem das suas acções na sua concessão em troca do pagamento dos custos de exploração pela nova empresa. Não existe nenhuma informação pública sobre o valor das transacções ou se um imposto de mais-valias foi tributado.

A Statoil detinha os direitos das Áreas 2 e 5 do Rovuma com base no acordo bilateral com o Governo de Moçambique concluído antes da Ronda de Licenças de 2006 (o titular original da concessão era a NorskHydro). A Statoil detinha inicialmente os direitos de toda a concessão enquanto a ENH tinha direito a 10%. Em 2013, a Statoil transferiu uma porção de 50% no projecto – 25% para a Tullow Moçambique (subsidiária de uma empresa baseada no Reino Unido) e 25% para a INPEX Moçambique (subsidiária de uma empresa japonesa).

Dois jazigos foram perfurados em meados de 2013, mas ambos não tiveram sucesso (o primeiro continha quantidades não comerciais de gás, o segundo estava seco) e a Statoil oficialmente abandonou Moçambique. Não existe nenhuma informação pública sobre o cálculo do imposto de mais-valias na transferência de 2013 envolvendo 50% das participações da Statoil.

A Petronas assegurou os direitos às Áreas 3 e 6 do Rovuma através da Ronda de Licenciamento de 2006, embora o EPCC só tenha sido assinado em 2008. A ENH detém 10% na concessão. Em finais de 2012, a Petronas anunciou ter transferidos os direitos na ordem de 40% na Bacia do Rovuma para uma empresa francesa, a Total. Uma vez mais, os detalhes da transacção não são públicos, mas assume-se que a Total seria responsável pelos custos de exploração.

O défice de informação pública verifica-se igualmente sobre os resultados de exploração da Petronas, mas os relatórios sugerem que esta não teve sucesso e porções significativas das Áreas 3 e 6 foram ‘renunciadas’.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!