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Os empregadores e os feriados – escrito por Arlete Figueiredo Fernandes

Sr Director:

Agradeço, antecipadamente, por me conceder este espaço para interagir com os meus compatriotas e outros leitores deste matutino, especialmente desta página reservada às opiniões dos cidadãos. Estava eu descontraída, há dias, a ver a televisão quando, de repente, deparei-me com um mini-debate, à volta dos feriados nacionais e tolerâncias de ponto.

Mas, o que me motivou a produzir estas linhas não são, exactamente, os feriados ou as tolerâncias em si, mas a forma como deles se aproveitou para ganhar-se algum protagonismo. No jornal da noite da televisão STV, do dia 4 de Fevereiro de 2014, indo directamente ao assunto, um senhor que foi identificado como um empregador, falando em nome de todo o grupo, através da respectiva associação, a CTA, o senhor Kekobad Patel, peço desculpas se falhar no nome, disse um monte de coisas que, acabámos não percebendo o que estava em discussão, dada tanta mistura.

Ou seja, o que ninguém percebeu foi se o aludido empregador estava a comentar sobre a tolerância de ponto que não foi concedido à cidade da Matola ou, então, à outra que se seguiria no dia 7 de Fevereiro, concedido pelo Governo, através do Ministério do Trabalho, em resposta, como mais tarde ficámos a saber, à sua congénere da Administração Estatal.

Mas, para piorar a situação, em termos de compreensão do que se estava a tratar, o senhor Patel recuou há umas semanas atrás, mais concretamente para as tolerâncias de 2 e 3 de aneiro deste ano. Ora bem. E só para contextualizar, o Governo central, através do Ministério do Trabalho, entidade autorizada a decretar tolerância de ponto em todo o país, e sustentando-se nos pressupostos legais que lhe são assistidos, não acolheu a “brincadeira” das autoridades municipais da Matola de, pura e simplesmente, não exercer a sua acção governativa em nome dos munícipes, a tempo e hora.

Esqueceram-se do povo. Não solicitaram ao Ministério do Trabalho a tolerância de ponto por ocasião do dia da cidade, como manda a lei. Ou, se fez, conforme viríamos a saber, fê-lo tardiamente. Isto é, a escassas horas da data, quando a lei laboral diz que deve ser dois dias antes da data da tolerância, no mínimo. O Ministério do Trabalho, honestamente falando, actuou muito bem. Mal ficaria se o tivesse feito ao contrário, para o caso vertente, porque tem leis por fazer cumprir.

Não deu tolerância de ponto a Matola, obviamente. Aliás, nesse aspecto, este Ministério é um exemplo e, razão pela qual até o cidadão descalço o reconhece. Mas não é a todo o custo que procura satisfazer a todos, como foi o caso. Daí que não constitui verdade que a ministra do Trabalho, Helena Taipo, tenha indeferido o pedido de tolerância de ponto. Nem chegou de receber o tal pedido, a tempo de considerar válido.

Mas o senhor Patel disse, sempre em tom de alto nervosismo durante a entrevista, que decretava-se no país tolerância de ponto à última hora. Que haja prudência! Como é que Matola não teve a tal tolerância, porque não solicitou a tempo, e depois a mesma ministra a decretou à última da hora? Portanto, a própria televisão que passou a informação também contribuiu para a confusão que daí se espalhou, porque trouxe ao estúdio o empregador, mas não trouxe alguém do sector que decreta as tolerâncias de ponto ou, até se calhar, um trabalhador também, para se esclarecer na hora, de facto, o que estava a acontecer.

E, ficámos sem saber se o empregador tinha sido trazido para o estúdio para abordar o “caso” Matola ou, sobre tolerâncias de ponto no geral. Pareceu mais um assunto antigo e que “Matola” foi apenas uma boleia. Pois não? Porque se não isso, o senhor Patel, como de viva voz disse, o assunto seria tratado junto da entidade que vela pelas tolerâncias de ponto. Agora, não me pareceu elegante primeiro ir-se à imprensa e só depois dizer que falaria com o Governo, neste caso o Ministério do Trabalho, para dizer que as tolerâncias estão a ser demais.

Cada um tem a liberdade de dizer o que acha que pode, mas falar publicamente exige prudência e muita humildade. Indo para a tolerância de ponto do passado dia 7 de Fevereiro, concedida somente a 52 municípios do país, cada um pode tirar a ilação que quiser, se era oportuna ou não. No interesse do Estado, como me pareceu, tinha o seu encaixe sócio-político, porque este não podia vedar os cidadãos de irem assistir à investidura daqueles que os vão dirigir durante os próximos 5 anos.

É uma questão soberana e o pedido até foi do Estado e não do Ministério do Trabalho, que supostamente acordou e decretou a tolerância de ponto. Ficou-se com uma ideia de que o senhor Patel sente-se bem quando critica os outros, por tudo e por nada, como lhe é característico, fazendo bem ou não. Ele até receia que se decrete tolerância de ponto por ocasião de uma visita presidencial.

Restou-me saber qual era a sua principal preocupação, se um Chefe de Estado não pode merecer tal dignidade, se um dia isso vier a acontecer. Do actual Presidente da República ainda não ouvimos isso. Mas também não seria escândalo nenhum, no contexto de Estado. Sobre as tolerâncias dos dias 2 e 3 de Janeiro deste ano, afinal de contas, tinham sido acordadas tripartidamente, isto é, o Governo, os sindicatos e os empregadores (entende-se CTA), concertaram e viram que, de facto, saindo de 1 de Janeiro, num meio de semana, que foi numa Quarta-Feira, pouca produtividade seria alcançada nas empresas ou locais de trabalho.

Aqui, novamente o senhor Patel voltou a faltar à verdade, ao que pareceu, se nos sustentarmos no Ministério do Trabalho que disse que houve concertação prévia. A não ser que na CTA tal concertação só teria validade ouvido o senhor Patel. Não se deu tolerância de ponto no dia 31 de Dezembro, na perspectiva de se compensar nos dois dias a seguir ao feriado, por razões acabadas de mencionar.

Todos achámos que a ideia não foi má. Porque naqueles dias, sinceramente falando, as pessoas não estão com as cabeças para actividades produtivas. Só se vai ao serviço gastar luz, papel, água, etc, incluindo combustível ou dinheiro de “chapa”. Nos países vizinhos de Moçambique quase que não se trabalha naqueles dias. Na África do Sul, e companhia, por exemplo, até dão mini-férias colectivas, desde a metade do mês de Dezembro. E procura-se formas de compensar noutras alturas.

Talvez, é aqui onde, quem de direito, deve agora começar a pensar encontrar solução definitiva. Enquanto na África do Sul e outros países da região e do mundo passam as festas tranquilas, porque há tolerâncias de ponto prolongadas concedidas pelas empresas, incluindo o próprio Estado, cá os nossos patrões aliam uma tolerância com a falência ou subdesenvolvimento. A África do Sul, apesar de ter muitos feriados e outras férias quase forçadas (ex: duas semanas na Páscoa e no Natal e Ano Novo), continua desenvolvido E nós?

Eu acho que o nosso problema, não obstante ser estrutural, está na forma como o nosso empresariado está organizado, que vê no trabalhador uma autêntica máquina de fazer lucros, a custo zero, desprovido de qualquer dignidade humana. Mesmo produzindo, o nosso empregador não paga salários condignos, atrasam quando pagam e o trabalhador não conhece a empresa. O patrão moçambicano quando tem lucros compra mais carros de luxo para si e a família, mas não compra um tractor sequer ou uma máquina para a empresa. Para o trabalhador saber que a empresa tinha meta a cumprir é somente no dia em que se levanta uma greve laboral.

Assim não pode ser! E não é uma tolerância de ponto que empobrece a nossa empresa. É como ela está organizada. A lei laboral não proíbe trabalhar no fim-de-semana ou no feriado, tal como acontece em todo o mundo. O nosso problema cá é ver no trabalhador como um explorado e não parte do sucesso. Já disse tudo e espero que tenha contribuído positivamente para este espaço. Muito obrigado, mais uma vez, pela oportunidade.

Arlete Figueiredo Fernandes

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