Na semana passada, diversos intervenientes nos processos eleitorais reuniram-se para, juntos, fazerem o balanço das quartas eleições autárquicas, que tiveram lugar no dia 20 de Novembro em 52 municípios do país. No cômputo geral, a Comissão Nacional de Eleições, o Secretariado Técnico da Administração Eleitoral e a polícia foram, literalmente, considerados os “maus da fita” por o seu desempenho não estar a melhorar, apesar dos reparos que têm sido feitos em cada pleito.
O encontro tinha, também, como objectivo preparar as próximas eleições presidenciais, legislativas e das assembleias provinciais, marcadas para o dia 15 de Outubro, daí o Observatório Eleitoral, representado pelo reverendo Dinis Matsolo, apelar à CNE e ao STAE a que imprimam uma maior dinâmica no seu funcionamento e a serem mais vigilantes porque o pleito é, pela sua natureza, complexo.
“A Comissão Nacional de Eleições e o Secretariado Técnico da Administração Eleitoral têm um grande desafio. Estamos a sair de um processo no qual foram registadas diversas irregularidades, que podem ser consideradas injustificáveis porque era suposto termos aprendido o suficiente desde as primeiras eleições”, disse. Matsolo foi secundado pelo ministro conselheiro da União Europeia, João Duarte de Carvalho, que se mostrou preocupado com o desaparecimento de cerca de 70 editais e a detenção dos delegados de candidatura dos partidos da oposição, o que, na sua opinião, aumenta o sentimento de falta de transparência dos processos eleitorais.
Por outro lado, a União Europeia deplora os casos de enchimento de urnas, requalificação arbitrária ou invalidação de boletins de voto registados nalguns municípios. “O processo de requalificação dos votos declarados nulos deixou-nos com uma impressão de falta de transparência porque por vezes era arbitrário. O critério de clareza da intenção de voto do eleitor pode não ser aplicado de forma uniformizada quando a avaliação é feita por um só agente”.
Num outro desenvolvimento, os observadores da União Europeia consideram que sistema de recurso em vigor aquando das quartas eleições autárquicas não era claro e eficiente para que os partidos e os seus candidatos pudessem apelar aos órgãos eleitorais em caso de violação dos seus direitos, principalmente nos casos em que os delegados de candidatura da oposição eram detidos antes do início da contagem dos votos e restituídos à liberdade nos dias seguintes sem nenhuma explicação.
Actuação da Polícia
Para a União Europeia, a Polícia da República de Moçambique durante os pleitos eleitorais é mais violenta em zonas onde os partidos da oposição têm maiores probabilidades de ganhar, como aconteceu nas eleições autárquicas de 20 de Novembro passado, durante as quais a actuação dos agentes da Lei e Ordem resultou na morte de alguns cidadãos e no ferimento de outros, principalmente nos municípios de Quelimane e Mocuba. Segundo Duarte de Carvalho, o papel da Polícia deve ser o de garantir a ordem e a segurança durante as eleições, e não o de interferir no processo, mas “infelizmente, fomos confrontados com situações de detenções arbitrárias de delegados dos partidos da oposição, que não foram libertados antes da contagem de votos, apesar de gozarem da imunidade, fulcral para a transparência e credibilidade dos processos eleitorais”.
Durante a observação das eleições autárquicas de 20 de Novembro último, o ministro conselheiro da União Europeia diz que a missão notou que os agentes da Polícia se comportavam de forma discreta na maior parte dos casos, principalmente nas zonas de maior competição e tensão. Porém, apesar disso, entende que “a presença da Força de Intervenção Rápida num dia de eleição pode ser considerada excessiva. A sua actuação foi de uso excessivo da força nalgumas zonas, o que resultou na morte e ou ferimento de cidadãos”.
Médias públicos a serviço do partido no poder
“Depois de muitos anos de esforços da Rádio Moçambique e da Televisão de Moçambique para melhorar a cobertura, nas últimas eleições o nível de profissionalismo baixou. Tudo o que se veiculava e se comentava nestes órgãos mostrava claramente um favoritismo à Frelimo”, foi assim que Fernando Lima, jornalista, começou a sua intervenção. Segundo Lima, a falta de imparcialidade nos órgãos de comunicação social públicos na cobertura das eleições estende-se até ao anúncio dos resultados, não se limitando apenas à campanha. “Estive a cobrir as eleições autárquicas nas cidades de Quelimane e Gurúè e após a colagem dos editais fomos (jornalistas, observadores, partidos, etc.) recolhendo os dados. Os profissionais da RM e da TVM estiveram em todas as mesas mas só anunciavam, na sua maioria, resultados favoráveis à Frelimo”.
Na sua intervenção, Lima apelou à CNE e ao STAE para que assegurem o afastamento de pessoas estranhas aos processos eleitorais das mesas de votação uma vez que nem sequer estão credenciadas para estar naqueles locais. “São pessoas que muitas vezes dão instruções aos membros das mesas de voto, registam os nomes dos eleitores e os respectivos números de cartão”. As palavras de Lima foram secundadas por representantes dos partidos extraparlamentares, que acusaram, principalmente, a TVM de os tratar como “enteados” nas suas coberturas. “As equipas de reportagem da TVM já passaram por nós diversas vezes mas nem sequer pararam para cobrir a nossa campanha. O seu foco era o partido Frelimo. Um órgão público não pode pautar por esse comportamento”.
Frelimo controla(va) órgãos eleitorais
Para Lima, que falava em representação dos jornalistas, a detenção ilegal dos delegados de lista dos partidos da oposição, as tentativas de fraude, entre outros problemas, são inaceitáveis e típicos de países sem nenhuma experiência na organização de eleições, que não é o caso de Moçambique. Na sua opinião, estas situações devem-se ao controlo dos órgãos eleitorais, nomeadamente a CNE e o STAE, por parte do partido no poder, a Frelimo, que inclusive indica os seus membros para trabalharem como membros das mesas de voto.
“Isso prova que a Renamo tem razão nas suas reivindicações. A Frelimo é um partido com génese na luta de libertação nacional, por isso tem outro nível de responsabilidade que os outros não têm, daí que seria bom que se distanciasse destas atitudes, que só mancham as eleições, a democracia e o próprio partido”. Por isso, apela, o STAE deve ser mais cauteloso na selecção dos candidatos a membros das mesas de voto para evitar que membros de partidos políticos participem no processo.
Partidos não dominam a lei
Durante o encontro, os intervenientes foram unânimes em afirmar que algumas anomalias se devem ao desconhecimento, por parte dos partidos políticos, da legislação eleitoral, por isso o apelo no sentido de a CNE e o STAE interagirem mais com todos os intervenientes. Apesar disso, os partidos referem que esta falta de domínio resulta do facto de as “leis serem aprovadas, sempre, à porta das eleições, o que embaraça a nossa actuação. Por exemplo, a legislação que vai regular as próximas eleições gerais foi aprovada recentemente”.
Presidente da CNE atira culpa aos partidos políticos
Depois de ouvir atentamente as observações dos participantes, Abdul Carimo, presidente da Comissão Nacional de Eleições, reconheceu os problemas, porém, considerou que parte dos mesmos se deve à interferência dos partidos políticos, o que acaba por retirar brio ao trabalho dos órgãos eleitorais. “Sentimos que nos processos de votação, em particular, existe, por parte de muitos partidos políticos, a tendência de influenciar os brigadistas que estão nas mesas de voto”, justificou.
Numa outra vertente, Carimo alegou que, não raras vezes, o trabalho da CNE e do STAE tem sido condicionado por algumas lacunas existentes na legislação eleitoral. “A nossa legislação continua a ter algumas lacunas, mas é algo que faz parte do passado. Gostaríamos que os partidos interviessem menos na votação e que endossassem tal tarefa aos órgãos eleitorais”.
Em relação aos ilícitos eleitorais registados nos pleitos eleitorais e que, curiosamente, favorecem o partido no poder, Abdul Carimo diz que a CNE não pode responsabilizar os seus autores uma vez que se trata de um assunto de fórum criminal, que só pode ser resolvido pela Procuradoria-Geral da República. Devido ao facto de estes casos não terem tido desfecho, a Comissão Nacional de Eleições vem recebendo “puxões de orelhas” do Conselho Constitucional e, principalmente, da sociedade civil. Esta última chegou ao extremo de acusar a CNE de cumplicidade e de falta de vontade e interesse de pôr fim a situações do género.