Um líder oposicionista alertou nesta quinta-feira para o risco de mais derramamento de sangue nas ruas, quando os egípcios votarem num referendo sobre uma nova Constituição defendida pelo presidente islamista Mohamed Mursi, em meio a uma crescente crise política no país.
No referendo, no próximo sábado e no seguinte, os egípcios terão de endossar ou rejeitar a lei básica do país, que terá de entrar em vigor antes das eleições nacionais serem realizadas no próximo ano – a maioria espera que o pleito possa tirar a nação mais populosa do mundo árabe da instabilidade política em que se encontra.
Pelo menos sete pessoas morreram e centenas ficaram feridas na violência que eclodiu há três semanas, após Mursi ter concedido a si mesmo amplos poderes para encaminhar a Carta a um órgão encarregado de sua elaboração, dominado por islâmicos e boicotado pela oposição.
Ahmed Said, um dos líderes da oposicionista Frente de Salvação Nacional, disse que a imposição do referendo, num momento de elevada tensão nas ruas, pode provocar mais violência, já que eleitores rivais irão às urnas.
“Durante o referendo, acredito que haverá sangue e um monte de antagonismo, por isso não está certo realizar um referendo”, disse ele à Reuters. Said, que também preside o partido liberal Egípcios Livres, descreveu a votação como um risco demasiado e meio à prevalência de tanta “amargura”.
Apesar da pressão da oposição pelo voto no “não”, espera-se que a medida seja aprovada, dado o histórico de vitórias da Irmandade Muçulmana, grupo bem organizado, nas eleições desde a queda do presidente Hosni Mubarak há quase dois anos. Muitos egípcios, cansados de turbulência, podem simplesmente seguir a linha da Irmandade.
Mas os referendo que divide os egípcios pode abalar a capacidade de Mursi de forjar um consenso sobre políticas vitais para salvar a economia. Poderá também fragmentar uma oposição cuja atual unidade talvez não sobreviva a uma derrota decisiva nas urnas. A votação é altamente controversa, tendo resultado em confrontos de defensores da Irmandade Muçulmana, no Cairo e outras cidades, com membros da oposição liberal secular. O palácio presidencial, o foco das manifestações, está cercado por tanques e enormes barricadas de concreto.
DIREITOS DAS MINORIAS
A televisão estatal mostrou nesta quinta-feira as tropas a receberem ordens de proteger locais de votação e outros edifícios governamentais.
A oposição diz que a Constituição não reflete as aspirações de todos os 83 milhões de egípcios porque é muito islâmica e esmaga os direitos das minorias, incluindo os da comunidade cristã. Partidários de Mursi dizem que a Constituição é necessária para a continuidade da transição para a democracia.
Esta semana, a oposição organizou grandes manifestações nas ruas para convencer Mursi de adiar o referendo, mas não obteve sucesso. Como contraponto, os islamistas promoveram manifestações ainda maiores em apoio ao referendo.
A oposição agora está a pedir que seus partidários votem “não”, embora tenha ameaçado boicotar o processo se certas garantias de uma votação justa não fossem cumpridas. Mas se ficar longe do processo corre o risco de perda de credibilidade, dizem os especialistas políticos.
Para a oposição, qualquer margem de vitória pode ser crucial. “Há uma chance real de que o resultado possa desmoralizar a oposição. Se a Constituição for capaz de obter 70 por cento (de apoio) ou mais, pode ser difícil recuperar isso e Mursi vai se sentir vingado”, disse Shadi Hamid, do Brookings Doha Center.