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Onde todos se abastecem

Onde todos se abastecem

Pela sua dimensão, vocação e localização, o mercado grossista do Zimpeto é muito mais do que um simples mercado. O Zimpeto funciona como uma espécie de leite materno onde, todos os dias, os diferentes actores do mundo do comércio vão beber. As mulheres, sobretudo, ganham a vida revendendo a retalho, dentro e nas imediações daquele espaço. Multifacetado e o único em todo o país que acolhe no seu interior uma instituição bancária (nas épocas de grande produção nacional chega a receber cerca de 200 camiões/dia,) o Zimpeto gera receitas mensais para a autarquia na ordem dos 300 mil meticais.

São 3h 30 da madrugada. A cidade ainda dorme. Na estrada nacional número um, em pleno miolo do Grande Maputo, um camião carregado de tomate circula em direcção ao mercado grossista do Zimpeto. Apesar da hora, este não é o primeiro a fazer aquele trajecto. Mais à frente, uma frota de 35 camiões a transbordar de produtos de primeira necessidade como batata, alho, cebola e frutas já estão há muito tempo aguardando por clientes.

Os ponteiros cruzam as 5 horas da manhã. A poucos metros da entrada principal, regista-se um movimento desusado. Como se de uma peregrinação se tratasse, pouco mais de uma centena de ‘mamanas’ irrompe pelo mercado porta adentro, carregadas de cestos, plásticos ou ainda de sacos de todos os tamanhos. É assim que mulheres, homens, velhos e crianças se acotovelam na luta quotidiana, em busca do pão.

Entre a turba, de quando em vez, nota-se um vaivém de automóveis de supermercados numa azáfama para adquirirem os melhores produtos para posterior revenda com selo de qualidade nos seus estabelecimentos. Há também empregados e proprietários de restaurantes que diariamente aqui se deslocam em busca do melhor preço.

Mercado rentável e concorrido

Flávio Jonas Monjane, de 31 anos de idade, vende batata e cebola importadas da vizinha África do Sul. Jonas é um defensor do novo espaço. Para ele, contrariamente a Malanga, o Zimpeto possui um espaço amplo o que permite o estacionamento de um maior número de viaturas e um trabalho mais livre e coordenado entre os diversos operadores. Lamenta, contudo, o facto de as suas receitas registarem, desde que está no novo mercado, uma descida considerável, situação que justifica com “a saturação do mercado”, apesar de reconhecer que as condições de trabalho “são melhores”. No entanto, “devido à grandeza do espaço o mercado regista uma grande enchente de operadores, o que contribui, de certa forma, para a liberalização dos preços, o que não acontecia e nem era possível na Malanga pela exiguidade do espaço”, explica.

Monjane revelou ainda que perto do dia 20 de cada mês, chega a comercializar pouco mais de 300 sacos de batata por dia. Sabendo que o saco da batata oscila dos 130 aos 150 meticais e o de cebola dos 120 aos 170, feitas as contas, por alto, Monjane arrecada cerca de 100 mil meticais por dia nesses períodos.

Apesar dos números risonhos, o nosso interlocutor referiu que nem tudo é um mar de rosas naquela unidade comercial. Nos dias de chuva e de elevadas temperaturas, por exemplo, “os alimentos deterioram-se facilmente”. Monjane conta ainda que nessas alturas perdem-se camiões inteiros, como aconteceu em Fevereiro passado. “Veja que o mercado reclama uma cobertura na sua totalidade, já falámos com a direcção do mercado e até aqui só há promessas.”

Todos contra a taxa

Regra geral, os operadores não concordam com a taxa cobrada pelo Concelho Municipal para exercerem a sua actividade naquele recinto, principalmente quando comparada com a que pagavam na Malanga. “É um absurdo o que pagamos aqui. Em relação à Malanga é dez vezes mais! Na Malanga pagávamos 10 meticais e aqui pagamos 100! Não se justifica”, protesta Monjane.

Por seu turno, Isabel Zandamela, de 48 anos de idade, operadora de comércio grossista há 10 anos, na venda de tomate, secunda o posicionamento de Monjane no que tange ao lucro do negócio. Isabel não tem pejo em afirmar que “o negócio é um puro exercício de sobrevivência”. No seu entender, não é a concorrência que torna o negócio pouco rentável mas a falta de um regulamento na aplicação dos preços: “Este negócio é um jogo de azar, é um totobola. Alugo um camião, compro os produtos em Pitersburg, na África do Sul, e, devido aos custos adicionais, os meus preços são um pouco elevados e a procura é fraca e, como se sabe, o tomate só tem um ciclo que não ultrapassa os três dias. Contudo, há dias em que consigo transaccionar toda a mercadoria.”

Isabel aponta igualmente a ausência de cobertura como um dos calcanhares de Aquiles, acusando o Concelho Municipal de obrigar os operadores a pagarem uma taxa de 100 meticais para esse efeito. Contudo, até hoje não honrou o compromisso.

O destino dos produtos do Zimpeto

À semelhança do mercado misto da Malanga, o grossista de Zimpeto recebe compradores dos mais diversos cantos do país, entre revendedores e consumidores domésticos, com maior enfoque para a cidade capital do país.

Cátia Rungo, residente na cidade de Xai-Xai, província de Gaza, vendedeira no mercado local, aluga, em conjunto com algumas amigas, semanalmente, um camião para adquirir tomate, cebola e batata uma vez que a produção nacional é escassa e cara. “Nós preferimos este mercado devido aos preços baixos e à qualidade dos produtos, mesmo com as despesas do transporte, conseguimos ficar com qualquer coisa que nos ajuda a progredir”, concluiu.

Outro grupo de senhoras abordado pela nossa reportagem respondeu com prontidão que pertence ao Mercado Central de Maputo. A luta pela sobrevivência faz com que as mulheres ignorem os riscos que correm ao serem transportadas como cabritos. Numa carrinha com capacidade para duas toneladas, é frequente ver dez ou 15 mulheres apinhadas entre sacos de batata, cebola, tomate, alho, etc.

Porquê Zimpeto?

Fizemos uma visita pelos mercados do Zimpeto, Xipamanine e Central e constatámos que a diferença dos preços aplicados nestes mercados situa-se, no mínimo, 20% acima dos que vigoram no Zimpeto. Por exemplo, no Mercado Central, que pratica os preços mais elevados de todos eles, o saco de batata adquirido no Zimpeto está fixado em 200 meticais.

O sector das barracas

O mercado grossista do Zimpeto possui um espaço com 112 stands reservados aos operadores grossistas permanentes, designado por ‘sector das barracas’ no qual se comercializam produtos alimentares a grosso e a retalho. Actualmente, é ocupado por 87 operadores que desembolsam 1500 meticais mensais por aquele espaço. Regra geral, os operadores reclamam o facto de não poderem vender produtos de higiene e limpeza.

Conversámos com Hortênsia Patrício Mabasso, de 30 anos, que vende naquele espaço há um ano, e considera o negócio compensador, dado que adquire no recinto os produtos que comercializa. Aos olhos de Hortênsia, o único constrangimento do negócio é a taxa mensal fixada em 1500 meticais que a administração do mercado cobra. Apesar disso, explica que no mercado se trabalha bem e no final de semana chega a auferir pouco mais de 2500 meticais.

Outra vendedora, de nome Júlia Tcato, de 39 anos, no Zimpeto desde que o mercado existe, referiu que o que a preocupa é não poder vender produtos de limpeza. “Podia ajudar a aumentar as nossas receitas.”

Ao contrário de Hortênsia, Júlia tem uma diferente forma de estar no negócio. Vende a crédito e acrescenta um valor relativamente ao preço dos produtos que entrega de imediato. Assim, dos 23 clientes que tem para esse efeito, explica que “levantam os produtos ao longo do mês e pagam com uma pequena taxa bonificada, por exemplo, o ovo, actualmente, custa 40 meticais a dúzia e eu vendo a 50 e no final do mês consigo alguma coisa.”

A hilariante situação do ambulante

Um contraste com a designação e a vocação do mercado é o elevado número de ambulantes no recinto ou nas imediações do Zimpeto. A permanência de um ambulante no seio do mercado pode ser descrito como uma acto de coragem, porque, se, por um lado, tem de atrair os clientes, por outro, tem de estar alerta à rusga policial que não tem hora marcada. Para os que caem nas garras da polícia é a lei do chamboco que impera.

Conversámos com Sandra Ernesto, de 36 anos, acabada de escapar ilesa de uma perseguição movida pela Polícia Municipal. Carrega um saco com aproximadamente 12 quilos de feijão manteiga e quatro limões. “Como vê este é o pão-nosso de cada dia, não levaram os produtos mas levaram os meus chinelos”, disse, entre soluços.

Sandra sabe que é proibido vender no recinto, mas justifica: “Não quero roubar por isso estou aqui”. E acrescenta: “Às vezes os produtos apreendidos são recuperados mediante o pagamento de 20 ou 50 meticais de acordo com a quantidade e a qualidade dos mesmos.” Natália Ngomane, de 42 anos, é outra ambulante que não vê alternativa senão correr os riscos de vender naquele recinto. Comercializa cenoura, tomate, pepino e limão. Natália, que tem quatro filhos maiores debaixo da sua asa protectora, diz que pratica a venda ambulante no mercado porque não possui dinheiro para comprar produtos e instalar-se num mercado convencional. À pergunta sobre como então adquire os produtos que vende no Zimpeto, a resposta veio pronta: “Os operadores grossistas é que dão os produtos, no final do dia ficámos com a diferença.” E questiona: “Como podemos vender fora do mercado se eles exigem garantia?” Ngomane refere, no entanto, que com o negócio amealha cerca de 150 a 200 meticais com os quais leva o pão à boca dos filhos.

Caixas e sacos na berlinda

No mercado grossista do Zimpeto vende-se quase tudo. Quando dávamos por concluída a nossa reportagem, eis que na entrada principal, para quem vem da cidade, deparámo-nos com um contingente de jovens que se dedicam à venda de caixas dobradas e plásticos obsoletos. As caixas podem ser adquiridas por cinco meticais e os plásticos a partir de um metical. Os primeiros objectos são usados no interior dos plásticos para proteger o tomate, os segundos para amortecer o peso da carga que as ‘mamanas’ transportam à cabeça.

 

A voz da Direcção

Moisés Covane, administrador do maior mercado grossista do país, referiu que os objectivos preconizados estão a ser cumpridos, dado que a mudança do mercado da Malanga para o Zimpeto tinha como objectivo aliviar o bairro residencial com o mesmo nome como “criar um espaço amplo para um mercado com a especificidade de grossista e infra-estruturas adequadas para um são desenvolvimento da actividade”, esclarece Covane. Contudo, no seu entender, o maior constrangimento é a intromissão dos vendedores ambulantes que, apesar de sensibilizados para desenvolverem as suas actividades em locais apropriados, “teimam em baralhar o normal desenvolvimento da actividade”. Aliás, segundo Covane, a Polícia Camarária age de acordo com orientações superiores, dado que “depois dos constantes apelos nada resta senão usar a força”, refere.

Em relação à segurança no período nocturno, Covane esclareceu que a mesma é garantida por três forças: PRM, Polícia Municipal e a Guarda Civil contratada pelo mercado.

Num outro desenvolvimento, a nossa fonte referiu que o estabelecimento conta com 29 trabalhadores e recebe em média nesta época de fraca produção nacional 10 a 15 camiões que reforçam os 60 que, regra geral, se encontram todos os dias no recinto. Relativamente à taxa de 100 meticais/dia que os operadores consideram absurda, Covane minimiza: “O valor foi deliberado pelo Município e responde àquilo que são as condições existentes no recinto, nomeadamente o espaço, a segurança e a comodidade.”

No que diz respeito à cobertura do recinto, uma promessa com barbas brancas, Covane assegurou que “se está a tratar disso.”

O impacto do banco

No interior do mercado está instalada uma agência bancária com o propósito de prover os seus serviços aos utentes do mercado e às populações circunvizinhas. A nossa reportagem ouviu a este respeito alguns operadores os quais se mostraram bastante satisfeitos com a presença daquela agência. Flávio Jonas disse-nos que aquele empreendimento veio responder às suas aspirações: “Foram muitas as vezes que colegas nossos foram assaltados, perdendo elevadas somas de dinheiro quando saíam para casa, com o banco até aceitamos que clientes façam o depósito nas nossas contas e, muitas vezes, nós próprios depositamos os valores.”

A nossa reportagem tentou, sem sucesso, ouvir o gerente da agência BIM do Zimpeto, com o intuito de recolher a sua opinião em relação à procura daqueles serviços pelos operadores e outros intervenientes que dia-a-dia cruzam aquele “santuário” comercial de Maputo. Apesar de, amavelmente, nos ter afiançado que não está autorizado a falar à Imprensa e de ter insistentemente ligado aos superiores a pedir, sem sucesso, a devida autorização, foi peremptório ao afirmar: “A enchente fala por si” concluiu, apontando para a bicha de clientes.

 

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