
Por cá, já nem me lembro de ver os mais altos responsáveis do Governo e da oposição juntos numa cerimónia. Nem o 4 de Outubro, Dia da Paz, é celebrado em conjunto. Isto só prova que não basta haver eleições de quatro em quatro anos para um país ser considerado uma democracia. A democracia, tal como uma planta, tem de ser semeada, regada e amparada para que crie raízes fortes. Posteriormente, numa fase já bem avançada, colhem-se os seus ensinamentos.
Mas nada disto se faz de um dia para o outro. Cá, provavelmente, nem uma visita de Barack Obama faria coabitar no mesmo espaço o mais alto responsável do Estado e o líder da oposição. Azar para nós que, com atitudes destas, vamos ficando sempre para trás.
Anualmente, pelo Natal e pela Páscoa, o Papa, numa tradição secular, proclama um discurso chamado Urbi et Orbi, expressão latina que em português traduz-se: Para a Cidade – neste caso Roma – e para o Mundo. Esta cerimónia tem em vista abençoar o mundo católico. No Gana, Obama fez igualmente o seu discurso Urbi et Orbi. E se a Urbi de Obama foi Acra, a Orbi foi África.
Não foi por acaso que Obama escolheu o Gana para se estrear nas lides africanas. Ao reconhecer o sucesso da democracia neste país enviou um recado subreptício aos outros países como que a dizer: sejam mais ganenses! Isto é, sejam menos corruptos, sejam menos tribalistas, sejam menos despóticos, sejam menos mafiosos, sejam menos arrogantes, sejam menos comissionistas nos negócios com o Estado, sejam mais transparentes, mais dialogantes. Deixem de culpar o colonialismo pelo estado dos vossos países.
Não foi a Inglaterra que criou Mugabe nem al-Bashir, nem os massacres no Darfur, na Libéria ou na Serra Leoa. Não foi a Itália que criou a inexistência do estado na Somália nem a França Lansana Conté na Guiné-Conacri. O Ocidente não é responsável pelo enfileiramento de milhares de crianças em guerras sem sentido para defender ditadores e chefes tribais. São os africanos que têm de tomar em mãos o destino do seu próprio continente.
O Ocidente pode oferecer todo o tipo de ajudas mas são os africanos que as devem administrar de modo a que estas cheguem aos milhões de homens, mulheres e crianças que não têm água ou electricidade, que palmilham dezenas de quilómetros porque não têm dinheiro para pagar o transporte para ir ao hospital ou à escola, deixando os jovens na eterna ignorância. “Vocês (africanos) é que têm de fazer a vossa revolução”, disse.
Estes conselhos são transmitidos por um negro, filho de um queniano que foi pastor de cabras e que hoje é Presidente da maior potência do mundo. Desta vez talvez alguém o oiça. Nem que seja por essa razão.