Diogo Amaral, Sérgio Canaveira e Abílio Mapapá, serão os culpados de toda esta história. Decidiram juntar amigos em casa de um deles e ouvir música de outros tempos e conversar. Dois meses depois de terem tomado essa iniciativa, a casa de um desses amigos ficou pequena, porque a avalanche começava a ficar torrencial. Todos queriam rememorar – numa sociedade com tendência a ficar desmemoriada – aqueles tempos: ouvir o que se tocava sobretudo na década de ´60.
Mas se a casa particular desses que começavam a construir uma bandeira feita de retalhos sagrados se ia tornando pequena, então era necessário encontrar um lugar mais amplo, onde todos pudessem estar à vontade. Até porque o que se estava a construir – veio a notar-se mais tarde – era um movimento de figuras que queriam – querem – voltar a sonhar.
Um deles tinha um espaço – pelos vistos – que já desempenhou um papel preponderante nos princípios da década de ´90, até princípios de 2000, quando a chuva veio e destruiu as vias de acesso que nos levavam até lá: estamos a falar do Khuwana, no bairro do Xipamanine, para onde Marcelino dos Santos ia sempre relaxar, em noites de grande memória. Aliás, falar do Khuwana, é lembrar que os Kassav já foram para ali tocar, a Thsala Mwana também (Gaby Moy não encontrou acolhimento por causa da programação) e os grandes nomes moçambicanos desse tempo.
Hoje o Khuwana – espaço aberto por Rogério Amaral, irmão de Diogo Amaral – como que a querer lembrar esses tempos e valorizar a história, acolhe, desde o ano passado, os encontros destes madalas que querem voltar a sonhar.
Ainda é algo que está a começar, segundo o porta-voz do grupo, Abílio Mapapá. “Pretendemos juntar e dar espaço aos músicos que faziam música urbana naquele tempo. Não é nostalgia, mas é a recordação e valorização de um tempo”.
Naquele tempo, a cidade de Maputo tinha bandas como Monstros, Deltas, Geysers, Vénus, Ibéricos. São grupos que sofreram muitas mudanças em termos de composição, pois os seus elementos eram – sempre que chegasse a hora – chamados a cumprir o serviço militar obrigatório do tempo colonial. Muitos deles já morreram, casos de João Paulo, Tó Manjate, Abeatar, João Pais, Meque Santana, Domingos, Miguel, Abdul Tremendão, Gil Guimarães, Baltazar, Cowboy, Zezinho, Zeca Carvalho e Totojinho.
Também será – a constituição deste movimento – uma homenagem a essas figuras que abrilhantaram longas noites de Lourenço Marques, imitando sons desse tempo, que iam do jazz ao blues, ao rock and roll, passando pela marrabenta que se tocava com uma entrega sem limites. Jaimito Mahlathini faz parte desse tempo, e será sempre considerado um dos maiores guitarristas do nosso país.
Segundo Abílio Mapapá, que nos levou a visitar o lugar onde se reunirão mensalmente estes músicos, “não temos quaisquer fins lucrativos, o que queremos é conviver todos os meses, com as nossas famílias e os nossos amigos”. Mas estes convívios não visam apenas ouvir música e conversar. Pretende-se criar uma espécie de workshops, onde se falará de vários temas que passam por esse tempo, histórias interessantes que poderão ser partilhadas por todos.
Sérgio Canaveira é considerado o museu deste movimento. Pessoalmente estive em casa dele, levado por Abílio. A casa de Canaveira é um verdadeiro “arsenal” de música desse tempo. Ele vai-nos colocar diante de uma enorme pilha de discos de vinil e de cassetes que nunca mais acabam. Tem um estúdio montado (que inclui materiais já ultrapassados pela tecnologia moderna, mas que servirão de lembranças), onde trabalha os seus temas, pois Canaveira é um músico desse tempo, revoltado com a Vidisco, que lhe recusou um projecto “porque disseram-me que a minha música não tem qualidade”. Mas Canaveira não pára de trabalhar, ele é o DJ deste movimento.
De acordo com Sérgio Canaveira, a música não tem idade. “Estes madalas também precisam de espaço para exteriorizar as suas emoções e, se nós temos esta inicitiva, vamos para a frente. Quando começámos éramos poucos, mas o número vai aumentando. É importante, nota-se que desse tempo ficou a amizade”.
Canaveira referiu ainda que muitos dos seus correligionários estão a morrer, então é necessário que se faça algo pelos que ainda estão vivos.
“Nós nunca fomos ninguém. Esses músicos fizeram muito naquele tempo e nunca tiveram carinho, então, porque não, se nós temos esta possibilidade de dar o carinho que eles merecem?”.
Outro aspecto referenciado por Sérgio Canaveira é o de que este espaço não está aberto apenas aos músicos, mas a todos os da velha guarda nas diversas áreas, nomedamente jornalismo, literatura, teatro, desporto. Queremos dar carinho a todos eles”.
O lema destes encontros é: cada um traz o seu farnel, que inclui bebidas e vai juntar aos farnéis dos outros, para juntos conviverem. Há espaço para dança espontânea, conversa e reflexões.
Portanto, amanhã, s]abado, a partir das 14.00 horas, no Khuwana, no bairro do Xipamanine, realiza-se o quarto encontro deste movimento. Tudo leva a crer, por aquilo que se fala no seio deste grupo, que amanhã podemos ter algo maior.