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Bitonga Blues – Um taxista com AKP

Bitonga Blues - Um taxista com AKP

– Leva-me a Boane.

– A esta hora?

– Qual é o problema!

– Bom, problema não há, mas o senhor já sabe!

– Pago a dobrar, não é isso?

Meteu a chave na ingnição e eu estava sentado no banco da trás, cansado, depois do intenso banquete de jazz que acabava de ser servido no Waterfront, por personagens que não podiam ter nascido neste tempo ou, se nasceram neste tempo, então os espíritos que lhes guiam são desconhecidos. São duas horas de madrugada. Na cidade o néon impera no silêncio e, em algumas artérias por onde vamos passando, vêem-se mulheres de saias curtas reunidas em cachos e outras isoladas, outras ainda com garrafas de bebidas alcoólicas na mão, aparentemente embriagadas.

– O senhor é de Boane?

– Porquê?

– Ah, não é nada, perguntei por perguntar.

– Tem razão, perguntar não é pecado, mesmo a Deus podemos fazer perguntas, não é verdade, senhor taxista.

– É verdade, mas pode me tratar por Chico.

– Ok Chico, ok meu irmão, obrigado.

Estamos na zona da BIC e, na auto-estrada de Witbank estamos sozinhos. Não há faróis de automóveis. Não há pirilampos, nem naturais nem artificiais. O som do carro é imperceptível e eu começo a pressentir que algo de trágico pode acontecer connosco a qualquer momento. É de mau agoiro você andar dois minutos num considerável percurso e não se cruzar com ninguém, sobretudo à noite. E nós estamos agora entre Matola-Rio e Belo Horizonte, onde a paisagem, à luz do dia, arrebata.

– O senhor está a dormir?

– Não, porquê?

– Transportar alguém a dormir, dá azar, pode nos acontecer alguma desgraça.

– Quem te disse isso, Chico?

– Toda a gente sabe disso, como é que o senhor não sabe?

– Enquanto estiveres comigo não nos vai acontecer nada de mal, podes conduzir à vontade.

Daqui a dois minutos vamos transpor a passagem de nível sem guarda e entrarmos na vila de Boane, onde me espera a minha nova namorada, que acaba de atravessar o meu caminho sinuoso, onde vivo de morte em morte. São duas horas e meio da madrugada e estou extenuado, não me apetece absolutamente nada senão atirar-me à cama e não pensar.

– Conheces essa passagem de nível sem guarda aí à frente, Chico?

– Sim, senhor, venho muitas vezes para aqui.

– Ok.

O taxista frouxou, para prescrutar o movimento. Vimos, os dois, do lado direito para quem vai da cidade de Maputo, dois faróis luminosos por sobre a linha férrea. Era um carro que avançava agora para nos bloquear.

– Passe-me essa arma que está aí em baixo.

– Qual arma?

– Por baixo do meu assento.

Era uma AKP. Não cheguei a pegar na arma porque quando me curvei para o fazer, começou um tremendo tiroteio que me alvejou o corpo inteiro, matando-me debaixo de gritos de dor que na verdade não sentia.

– Meu amor, o que é que se passa?

– Estava a sonhar.

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