Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

O Poder Paralelo

Nos dias 1 e 2 de Setembro de 2010, Maputo e Matola reviveram o trágico 5 de Fevereiro de 2008, na revolta popular contra a subida do custo de vida. No que o músico Azagaia cantou em 2008 como “Povo no Poder”, o Governo reagiu de forma pavloviana (estímulo-resposta): adjectivou os revoltosos de vândalos, aventureiros, agitadores, manipulados e mandou todo o mundo trabalhar. A 7 de Setembro, o Executivo recuou e decidiu congelar a subida do custo vida. O Dia dos Acordos de Lusaka pode reentrar na história como Dia da Vitória…do Poder Paralelo.

Há um poder à solta em Moçambique, tão ilegal quanto legítimo. Um poder que se manifesta através daquilo que os especialistas de Marketing chamam internacionalmente de Marketing Viral.

Um poder sem rosto, capaz de mobilizar via sms (mensagens de texto) e email (correio electrónico) cidadãos a revoltarem-se, a amotinarem-se, a vandalizarem e saquearem instituições públicas e privadas…protestando contra o aumento do custo de vida.

É um poder que poderia ser considerado como a Vuvuzela Nacional daquilo que Bob Marley um dia cantou: “o custo de vida está muito alto, ricos e pobres estão a começar a chorar, eles dizem ó que aflição”.

Mas, como em Moçambique, os ricos e não-ricos choram na clandestinidade, os pobres esses, Filhos de Um Deus Menor e bastardos da Pobreza Urbana, decidiram sair dos seus subúrbios e sublevaram-se…dando rosto a esse poder cujos porta-vozes se salientaram entre os oportunistas, agitadores, vândalos, aventureiros, conforme o Governo de Moçambique identificou no discurso oficial dos dias 1 e 2 de Setembro.

Segundo estimativas do Governo, reunido de emergência em Conselho de Ministros sem o Primeiro-Ministro (que visitava o Vietname do “milagre do arroz”), no dia 1 de Setembro, esse poder que paralisou o Grande Maputo durante quase três dias na semana passada prejudicou a economia nacional em 122 milhões de meticais. Dito de outro modo, pelo mesmo Poder Executivo, esse poder provocou o equivalente à perda de 3910 postos de trabalho.

Queimar e Pilhar, cantou Bob Marley

Tratou-se daquilo que Bob Marley cantou como Burnin’ And Lootin (Queimar e Pilhar). Diz a letra de Bob Marley:

Esta manhã acordei num toque de recolher

Oh Deus, eu era um prisioneiro também, yeah

Não pude reconhecer os rostos sobre mim

Eles todos estavam vestidos com uniformes de brutalidade. É!

Quantos rios nós devemos atravessar

Antes que possamos falar com o chefe? É!

Tudo o que nós temos parece que perdemos

Nós devemos ter realmente pago o preço.

(É por isso que nós vamos ser)

Queimando e Pilhando

(Diga que nós vamos queimar e pilhar)

Queimando e pilhando hoje à noite

(Mais uma coisa)

Queimando toda a poluição hoje à noite;

(Oh, é, é)

Queimando toda ilusão hoje à noite.

Oh, parem eles!

Dê-me comida e deixe-me crescer;

Deixe os homens enraizados darem um sopro.

Todos eles e AS suas drogas vão fazer você ficar lento agora;

Não é a música do gueto. É!

Lamento e um gemido hoje à noite;

(Quem pode parar as lágrimas?)

Lamento e um gemido hoje à noite;

(Andamos a sofrer por muito, muitos anos!)

Lamento e um gemido hoje à noite (Você dirá alegria?)

Lamento e um gemido hoje à noite

(Mas onde?)

Dê-me comida e deixe-me crescer;

Deixe os homens enraizados darem um sopro

Eu devo dizer: todos eles – todos eles e as suas drogas vão fazer você ficar lento;

Não é a música do gueto.

Estaremos a queimar e a pilhar hoje à noite;

(Sobreviver, é!)

Queimando e pilhando hoje à noite;

(Salve as vidas dos seus bebés)

Queimando toda a poluição hoje à noite

(Poluição, é, é!)

Queimando toda ilusão hoje à noite

(Senhor, Senhor, Senhor, Senhor)

Queimando e pilhando hoje à noite;

Queimando e pilhando hoje à noite;

Queimando toda poluição hoje à noite.

Dia da Vitória do poder paralelo

Esse poder provocou a resposta autorizada da polícia, através dos seus esquadrões de segurança pública e militar, conduzindo a tumultos entre a PRM e os revoltosos que resultaram em pelo menos 13 mortes confirmadas oficialmente e cerca de 300 feridos.

De acordo com informações que circularam boca-a-boca no País e nas redes sociais de comunicação (Facebook e Twitter), este poder forçou o Governo a mandar bloquear o serviço de mensagens de texto da operadora de telefonia móvel semi-pública mCel e, supostamente, da privada Vodacom.

Tal, segundo as mesmas informações desmentidas oficialmente pela Vodacom e pelo Ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, terá acontecido desde a tarde do dia 6 de Setembro até a noite do dia 7 de Setembro.

Num assunto sob investigação d’@Verdade, este poder não reconhecido fez crescer no conceito de alguns cidadãos moçambicanos presentes nas redes sociais de comunicação globais a teoria da conspiração segundo a qual o Governo pretendia evitar a revolta durante o feriado de 7 de Setembro.

Esse poder paralelo, desprezado pelo Governo e metralhado por uma opinião pública e publicada pró-regime armada de vocabulário rico em adjectivações pejorativas, forçou o Governo a reunir-se em novo Conselho de Ministros no feriado de 7 de Setembro.

Na efeméride dos 36 anos da Assinatura dos Acordos de Cessar-Fogo entre o Governo de Portugal saído do 25 de Abril e a FRELIMO libertadora do país do jugo colonial, esse poder viu a sua causa ser reconhecida pelo Governo Moçambicano, o qual, no geral, anunciou o congelamento da subida do custo de vida.

O 7 de Setembro, celebrado pela historiografia oficial como Dia da Vitória, ganha assim um duplo significado: o poder paralelo pode proclamar a sua Vitória sobre o poder eleito, instituído e legal.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!