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O negócio dos símbolos nacionais

O negócio dos símbolos nacionais

Em 2008, quando o jovem Fabrício Sabat transformou uma bandeira de Moçambique em camisa, o resultado não foi o esperado. Aliás, o uso de vestuário com as cores do símbolo do país tornou-se uma febre nacional e algumas pessoas e empresas (sobretudo as serigrafias) viram uma oportunidade de fazer dinheiro.

Os símbolos nacionais tornaram- se uma marca de sucesso nacional. É, sem dúvidas, um case-study. Mas antes de tudo, é preciso primeiro contar-se uma história.

Já fazia muito tempo que Fabrício Sabat, de 38 anos de idade, assistia a um alfaiate a reaproveitar os restos de pano para fazer peças de vestuário. Por volta de 1998, o jovem moçambicano teve, por assim dizer, uma ideia luminosa: transformar a bandeira nacional em camisa. E, com efeito, recorreu aos préstimos daquele profissional de esquina para materializar o seu sonho.

Qual génio da lâmpada maravilhosa, o alfaiate responde que “o seu desejo é uma ordem” aprontando a peça de roupa. No dia em que vestiu a sua nova camisa e saiu para dar uma volta, o resultado não foi o esperado. Sabat foi interpelado por um agente de polícia em serviço e, de seguida, preso.

O agente via a bandeira como algo sagrado, que deveria ser respeitada, e não devia servir de vestuário. No entender do polícia, o lugar deste símbolo é içado numa haste. Alias, “o polícia acreditava que a bandeira pertencia ao partido Frelimo. Não só ele, a maior parte das pessoas tinham a mesma percepção”, comenta o jovem que, além de proprietário de um salão de cabeleireiro, é também fotógrafo, escritor e músico.

Duas horas depois, Sabat foi libertado com a condição de nunca voltar a vestir aquela camisa. Ficou com receio de usar a peça de roupa. Mas a experiência vivida durante aquele tempo na esquadra da polícia do bairro do Alto-Maé fez com que o jovem olhasse o lado positivo da situação. “Vi a necessidade de promover a bandeira de Moçambique, uma vez que muita gente dizia ser da Frelimo”, conta.

Começou por substituir as bandeiras rotas içadas em algumas instituições de Estado – incluindo algumas esquadras da polícia – e chegou a produzir bandeiras por solicitação de algumas congregações religiosas. Mais tarde, criou uma academia de moda denominada Mbuzini Modas com o objectivo de despertar consciências no que respeita ao valor dos símbolos nacionais. Na sua campanha, chegou a mobilizar mais de 25 jovens.

Ofereceu camisas e camisetas ostentando as cores da bandeira nacional e a emblema da República de Moçambique aos políticos, músicos e apresentadores de televisão. Impulsionou os símbolos em videoclips. “Eu só aceitava participar nos vídeos com a condição de apresentar-me com a camisa”, diz. Divulgou a “marca” alémfronteiras, através de moçambicanos que se encontram na diáspora e amigos que fez na (quase extinta) rede social Hi5. “As pessoas desconheciam a bandeira de Moçambique. Por onde eu passava, elas perguntavam se era a da Jamaica”.

Numa época em que se discutia a revisão dos símbolos nacionais, Fabrício distribuiu entre os deputados camisetas, bonés e camisas por si desenhadas. Depois fez a maior bandeira do país (com 14 metros de comprimento e 7 de largura), de todos os tempos que foi colocada no estádio da Machava. Neste momento, encontra-se a fazer outra que terá cerca de 35 metros.

“Não fazia para ganhar dinheiro”

Se a ideia inicial era sensibilizar sobre o valor dos símbolos nacionais, o jovem moçambicano teve um resultado duplo e patrioticamente impressionante, pois não só despertou o espírito nacionalista dos seus compatriotas como também a iniciativa transformou-se num negócio bem sucedido, pelos menos antes de existir a concorrência.

Fabrício Sabat vendeu mais 50 camisas, além de milhares de camisetas. Em 2009, por semana, em média, chegava a comercializar mais de 10 camisas e recebia grandes encomendas quase todos os dias. Presentemente, as solicitações baixaram, visto que o mercado ficou inundado de indivíduos e de pequenas empresas que se dedicam ao mesmo negócio.

Além daquelas peças, também apostou na produção de vestidos, bonés, almofadas e lençóis. Os acessórios eram desenhados por Fabrício e contava com a ajuda da sua mãe e uma outra pessoa para confeccionar o vestuário, na sua maioria sacrificando algumas bandeiras nacionais. Com meios próprios, criou uma serigrafia. Diga-se, suportava os custos de produção com outros negócios, tais como o salão de cabeleireiro, estúdio de gravação e captação de voz e venda dos seus livros.

Sabat recusa-se a falar de custos e lucros, até porque, segundo ele, “nunca olhei para esta iniciativa como um negócio, e falar de despesas e ganhos é complicado porque não fazia para ganhar dinheiro”. A sua preocupação estava em mudar a consciência dos moçambicanos e, hoje, o sentimento é de “dever cumprido” e a certeza de que “cada um pode ser empreendedor, dependendo apenas de força de vontade e espírito criativo”.

Mas o que mais o orgulha é o facto de ter despertado nas pessoas que é possível ganhar dinheiro com os símbolos nacionais. “Este é o meu contributo no combate à pobreza. E fi-lo sem esperar reconhecimento nem da sociedade e tãopouco do Governo”, diz.

O “boom” do negócio

Quando Fabrício iniciou a campanha de promoção da “marca”, não imaginava o impacto que causaria. O negócio de símbolos nacionais disparou. Nos últimos anos, o reflexo da explosão são os inúmeros lugares que surgiram nos quais se comercializam, além de peças de roupa com a bandeira e emblema nacional, camisetas com a imagem de Samora Machel.

O negócio que começou num pequeno circuito transformou- se em “galinha de ovos de ouro”, alastrando-se para as feiras, serigrafias, lojas e ao longo de algumas avenidas da cidade de Maputo. A título de exemplo, para quem circula nas principais artérias da capital sobressaem aos olhos camisas e camisetas de diversos modelos com as cores da bandeira de Moçambique.

Na onda de valorização dos símbolos nacionais, houve quem lucrou – e muito – graças aos moçambicanos patrioticamente empolgados. O apelo ao apoio da selecção nacional de futebol ajudou a prosperar o negócio de camisetas de algumas lojas e serigrafias.

Numa das lojas na baixa da cidade, um indivíduo de nacionalidade nigeriana diz ter vendido mais de 15 mil camisetas entre os meados de 2009 e princípios do ano passado 2010. “Quando há jogos dos Mambas, as pessoas tendem a comprar mais as camisetas”, diz Paul Aka, um dos proprietários de uma loja ao longo da Avenida Guerra Popular.

Nas feiras de artesanatos e ao longo das ruas, o comércio já não é lucrativo. “Por dia vendo apenas duas camisetas. Antigamente vendia mais”, comenta o feirante Moisés Nhantumbo. Outros vendedores lamentam o facto de estar a reduzir o número de moçambicanos que adquirem as peças de roupa. Segundo os mesmos, apenas os turistas estrangeiros têm salvado os seus negócios.

Em algumas serigrafias, a procura por camisetas caiu e, consequentemente, os preços também desceram. As peças com a bandeira, emblema nacional ou um retrato de Samora Machel que eram comercializadas entre 300 e 450 meticais – e em alguns casos chegou a 600 meticais, actualmente rondam em 200 e 300 meticais, dependendo do modelo e da qualidade do pano.

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