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O Meu Carnaval

Em tempos que vão ficando cada vez mais distantes houve, nesta cidade, festas carnavalescas que ficarão para sempre gravadas na memória colectiva pelo seu profundo simbolismo. Carnavais que seduziram gentes de outros espaços geográficos e fizeram de Moçambique um roteiro incontornável, o cais de aportagem de estrangeiros sedentos de folia sempre que chegava o mês de Fevereiro. E então esta cidade de acácias transformava-se, vibrava, enlouquecia, a música e a dança faziam-nos sentir mais próximos da vida, quer dizer, de nós próprios.

No antigamente, em Fevereiro, vindo dos lugares mais diversos da cidade, o povo saía à rua. Assistia-se a contagiante vibração dos grupos da Mafalala. A exuberância das gentes do Xiphamanine. A genialidade dos dançarinos do Alto-Maé. A inefável alegria das pessoas do chamado Bairro Indígena. Vinham trajados das cores mais folclóricas e as suas vozes deixavam escapar as cantigas aprendidas nas anónimas escolas suburbanas. Cânticos que se elevavam no ar e depois se perdiam na imensidão dos lugares, por cima das casas de caniço e madeira e zinco.

Ao longo de três dias, o povo invadia a Avenida de Angola, ensaiava passos mágicos e inimitáveis, desde a Praça Caju, agora conhecido como a Praça João Albasine, até ao Cinema Império, local de grata memória e que infelizmente permanece ainda fechado a sete chaves, para o mal da nossa cultura. E dançava-se o samba, o baião, a bossa nova e também os belos ritmos da nossa terra que a criatividade dos moçambicanos fez o favor de nos oferecer! Mais tarde, quem quisesse, podia-se deslocar ao pavilhão de Malhangalene, feito nesses tempos o epicentro da cultura urbana, para escutar os grupos musicais mais conceituados da época. Os nossos deuses gostavam. Os mais velhos batiam palmas. O povo divertia-se. Era esse o meu carnaval!

Os carnavais dos novos tempos tornaram-se outros carnavais. Com motivações e objectivos diferentes. Celebram-se nos lugares mais inacessíveis da cidade. Longe da alegria do povo, da sua magia e da força da sua cultura. São carnavais que se fazem à porta fechada. Escondidos da sua própria essência. Elitizados. O seu carácter popular, a euforia colectiva, não passam hoje de um substantivo abstracto. O carnaval do nosso tempo deixou de ser uma festa de catarse. Deixou de ser a expressão de cultura dum povo, a capacidade desse mesmo povo expressar a sua genialidade, a criatividade e de esquecer, durante esses maviosos dias, as amarguras da vida. Agora, enfim, que estamos no mês de Fevereiro, lembro-me do meu carnaval e a saudade, intensa, me assola.

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