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O grande Freitas

Veneno contra a monotonia

Há muitos, muitos anos e fruto de razões que agora não interessam para esta conversa, os jogadores do FC Porto tinham algum receio de ir jogar ao estádio da Luz.

Numa semana em que o Porto tinha de vir jogar contra o Benfica, o maior treinador português de todos os tempos, José Maria Pedroto, resumiu a situação que, na sua opinião, levava a que o Benfica fosse muitas vezes campeão: no estádio desse clube lisboeta havia sempre “erros” de arbitragem e eram tão flagrantes que o Zé do Boné lhes chamou “roubos de catedral”.

Estava montado o banzé. O jornal A Bola, fez daqueles desabafos escândalo nacional colocando-os na primeira página. Apelos foram feitos para que o povo benfiquista exibisse o seu descontentamento e revolta perante tão “escandalosas” afirmações.

Reza a lenda que o presidente do FC Porto, Américo de Sá, preocupado com a mais que provável má recepção aos jogadores e sabendo da tremedeira que dava a alguns, chamou o chefe de departamento de futebol, Pinto da Costa, e o Pedroto para ver como é que havia de lidar com a situação. Ali mesmo, o treinador disse-lhe para não se preocupar, que quando a equipa saísse para o jogo só se iria ouvir meia dúzia de assobios.

Chegou o dia do jogo. A Luz rebentava pelas costuras: cento e vinte mil lampiões em fúria esperavam o aquecimento dos azuis e brancos.

Deu-se a táctica mais cedo que o habitual e, quando os jogadores, meio assustados com aquele clima, se preparavam para subir ao relvado o Pedroto chama o Freitas e diz-lhe: “Ó Rapaz, vais sozinho aquecer. Pões-te de frente para o Terceiro Anel e passas o tempo a mostrar-lhes os dedos do meio e bem apontados para os gajos. Ouviste?”

O Freitas, negro de Angola, ficou branco como a cal. É que apesar de ser um daqueles centrais que vêm o espaço entre os pés e o pescoço uma canela só, era um rapaz tímido e meio medroso. Mas o respeitinho é muito bonito e o grande José Maria não era, propriamente, um treinador dialogante. Benzeu-se, despediu-se dos colegas e lá foi o bom do Freitas.

A Luz esteve para desabar. De cada vez que o jogador do Porto levantava o braço havia síncopes entre os adeptos do Benfica. Os assobios eram tantos que os otorrinos alfacinhas não tiveram mãos a medir durante um mês. A pobre da mãe do Freitas, em Cabinda, foi tão insultada que teria de durar 4000 anos para ter feito um milésimo das coisas de que a lampionagem a acusava.

Passados vinte minutos, entrou o resto da equipa. Nessa altura, já a turba estava tão cansada que já não houve grandes reacções: Meia dúzia de assobios afónicos e uns insultos sussurrados.

O Freitas ficou praticamente surdo mas a equipa portou-se bem.

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