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O escafandro que transforma homens em peixes

O homem foi à Lua e subiu ao Evereste, mas ainda não consegue respirar a grandes profundidades. Um inventor americano quer dar este importante salto tecnológico com a “ventilação líquida”, capaz de extrair o oxigénio da água.

Os humanos já provaram serem bons a imitar o que os outros animais fazem. Aprendemos a voar como os pássaros, trepar como os macacos e perfurar como as toupeiras. Os únicos que ainda não conseguimos imitar são os peixes. A invenção das botijas de ar comprimido permitiu-nos respirar debaixo de água, mas não a grandes profundidades.

Por causa da nossa incapacidade em resolver alguns problemas técnicos, mergulhar abaixo dos 70 metros ainda é, quase sempre, extremamente perigoso. O mergulho de grande profundidade é tão potencialmente letal que são mais os que caminharam na superfície da Lua do que os que desceram a mais de 240 metros, utilizando equipamento de mergulho.

Um inventor norte-americano, de St. Louis, no Missouri, acredita ter solucionado o problema, permitindo aos seres humanos aventurar- se a grandes profundidades: propõe-se fazer-nos respirar em ambientes líquidos como os peixes.

Arnold Lande, de 79 anos, cirurgião cardiopulmonar reformado, patenteou um fato de mergulho que deverá permitir aos seres humanos respirar “ar líquido”, uma solução especial enriquecida com moléculas de oxigénio.

A ideia faz logo pensar no terrível espectro do afogamento, mas os nossos pulmões são mais do que capazes de retirar oxigénio de uma solução como a descrita.

“A primeira coisa que teremos de aprender é a superar o refl exo do vómito”, explica Lande. “Mas uma vez os líquidos oxigenados dentro dos pulmões, parece que estamos a respirar ar comum.”

Lande imaginou um fato de mergulho que permite aos mergulhadores inalar perfl uorocarbonetos altamente oxigenados (PFC) – um tipo de líquido que consegue dissolver grandes quantidades de gás. O líquido estaria contido num capacete fechado e substituiria todo o ar dos pulmões, nariz e cavidades auditivas.

O CO2 que, em circunstâncias normais, sai do nosso corpo quando expiramos seria removido do sangue através de um mecanismo ligado à veia femoral da perna.

Ao utilizar oxigénio suspenso num líquido, os mergulhadores já não teriam de se preocupar com a doença da descompressão – muitas vezes fatal – que ocorre quando o azoto dissolvido no sangue forma bolhas à medida que subimos. Deste modo, os mergulhadores poderiam descer muito mais fundo.

A ventilação líquida pode soar a ficção científica – teve um papel importante no filme O Abismo, de James Cameron, em 1989 –, mas já é usada em alguns hospitais de ponta nos Estados Unidos para tratar bebés muito prematuros.

Crianças nascidas antes das 28 semanas de gestação têm enormes dificuldades em respirar, muitas vezes porque os seus pulmões não estão suficientemente desenvolvidos para fazerem a transição do ambiente líquido do ventre materno para a respiração de ar gasoso.

Se os alvéolos (cavidades irrigadas no interior dos pulmões onde se dão as trocas gasosas com o sangue) estiverem imaturos poderão ter falta de surfactantes, substâncias vitais para impedir que as pequenas cavidades se colem durante a expiração.

Foi para responder a esta dificuldade que os médicos começaram a fazer experiências com PFC altamente oxigenados, com algum sucesso.

O professor Th omas Shaffer, especialista pediátrico no Estado do Delaware, faz experiências com líquidos respiráveis desde os finais da década de 1970. Passou grande parte do início da sua carreira a fazer testes de PFC oxigenados em animais de laboratório.

Respirar “água”

Se colocarmos um rato dentro de um líquido oxigenado, imediatamente os seus instintos entram em acção, enquanto esperneia desesperadamente. Tudo o que o rato sempre aprendeu fá-lo tentar não inalar a solução porque pensa que o vai matar.

No entanto, à medida que a sensação de afogamento se acentua, há um momento em que o instinto de não respirar líquido é sobreposto por um mais forte, o de respirar pela última vez. É a tentativa final de tentar enviar oxigénio para o sangue.

Se o líquido onde estivermos submersos contiver moléculas de oxigénio que passem facilmente para a nossa corrente sanguínea, regressamos à vida. Ao fim e ao cabo, não é a água que nos mata quando nos afogamos.

O que nos condena é a nossa incapacidade de retirar dela o oxigénio que contém. Em meados da década de 1990, Shaffer e um grupo de médicos começaram a utilizar a ventilação líquida em bebés prematuros e ficaram surpreendidos com os resultados.

“Muitas das crianças chegavam aqui com uma taxa de sobrevivência inferior a 5%”, explica. “Mas quando as colocávamos em ventilação líquida, esta taxa subia até aos 60%, abrindo caminho a uma vida prolongada e saudável.”

No entanto, por falta de fundos, esta técnica ainda é pouco utilizada. “A ventilação líquida não é usada em larga escala porque não existe financiamento por parte das empresas farmacêuticas”, afirma Shaffer.

“Infelizmente, os bebés prematuros não têm voz. Não geram receitas, e ninguém está verdadeiramente interessado neles. Mas a verdade é que a ideia funciona. Fisiologicamente, a ventilação líquida é uma possibilidade.”

O recente derrame de crude no Golfo do México pode ter alterado esta falta de interesse. Embora as empresas farmacêuticas estejam relutantes em explorar o potencial da ventilação líquida, o desastre da plataforma petrolífera Deepwater Horizon relançou o debate de como fazer chegar em segurança os mergulhadores a águas profundas.

Actualmente, a única forma de o Homem trabalhar longos períodos a grande profundidade é operando à distância veículos robotizados, ou deslocando-se em submarinos, ou, ainda, praticando o mergulho saturado, uma técnica incrivelmente complicada em que os mergulhadores têm de ser trazidos para a superfície dentro de um contentor pressurizado, onde fi cam várias semanas.

Recorde de profundidade nos 701 metros

No mergulho saturado, a maior profundidade atingida foi 701 metros. Com equipamento de mergulho tradicional o recorde de 318 metros, alcançado em 2005, pertence ao mergulhador sul-africano Nuno Gomes. Levou 14 minutos a descer e… 12 horas a voltar à superfície.

A razão da lentidão das subidas prende-se com a nossa dependência de gases comprimidos para respirar na água. Debaixo de pressões incríveis exercidas por milhões de toneladas de água, gases como o azoto e o hélio dissolvem-se na nossa corrente sanguínea, tal como o CO2 está dissolvido numa garrafa de água com gás.

Quando começamos a subir, o efeito no sangue é como abrir uma garrafa de refrigerante – o gás expande-se subitamente. Se não dermos ao corpo tempo suficiente para expelir os gases, subindo lentamente, morreremos de embolia (causada pela obstrução da corrente sanguínea pelas bolhas que, com cada vez menos pressão, vão aumentando de volume à medida que o mergulhador sobe).

“A beleza de poder fazer tudo isto a partir de um líquido é que não temos de utilizar gases altamente comprimidos nos pulmões que se irão dissolver no sangue”, afirma o dr. Lande, que fez recentemente uma palestra sobre a sua patente na Conferência Internacional de Biónica e Biomecânica Aplicadas, em Veneza. “Temos um líquido onde podemos dissolver todo o oxigénio de que necessitamos.”

Shaffer já fez experiências com animais e PFC em profundidade e percebeu que a técnica funciona. “Coloquei pessoalmente mamíferos a uma profundidade simulada de 1000 pés (300 m). Depois, descomprimi- os em meio segundo e não foram afectados pela descompressão.”

Os fuzileiros da Marinha norte-americana também poderão ter efectuado experiências com ventilação líquida no início da década de 1980, conta Shaffer, que diz ter conhecido um antigo “marine”, mais tarde médico pediatra, que participou nesses testes.

“Este pediatra nunca me revelou realmente porque o fizeram”, explica Shaffer. “Além de mergulhar mais fundo, não sei qual era o objectivo. Mas tentaram. A Marinha chegou ao ponto de repetir testes várias vezes na mesma semana.” Por serem muito mais viscosos do que o ar é difícil respirar líquidos.

Alguns fuzileiros desenvolveram fracturas nas costelas por causa da força que fizeram para introduzir e retirar o líquido dos pulmões. Por isso, Lande quer usar uma couraça, um dispositivo de ventilação inspirado nas armaduras medievais, que comprime o diafragma e facilita a respiração do líquido.

De tudo o que necessita é de investidores e de um novo conjunto de cobaias humanas dispostas a testar as suas ideias. “Tenho a certeza de que existe alguém disposto a experimentar”, afirma Lande.

“Subimos às montanhas mais altas, enviámos pessoas para o espaço. Está na altura de descobrir formas de explorar as profundezas dos oceanos.”

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