Transformar em exemplo de urbanização uma “cidade” agrícola, com 17 bairros que vivem basicamente do que a terra dá, parece uma tarefa hercúlea até para as pessoas mais determinadas. Mas é o que as autoridades municipais tentam fazer desde 2009, para torná-la o motor do progresso para os seus 45.542 cidadãos…
No mercado de Ulónguè, autarquia na sede do distrito de Angónia, em Tete, quase não se vê o piso térreo. O sol chega ao chão apenas por minutos, isso quando os produtos saem do solo para os camiões de homens de negócio que vêm de todas partes do país e encontram, nesta pequena vila, um lugar onde arrematar mercadoria para ganhar dinheiro nas cidade de Tete, de Maputo, de Chimoio, de Inhambane e de Xai-Xai.
Bancas improvisadas conectadas à economia de todo o país demonstram que estamos diante de uma pedaço do território que se diz autarquia, mas que respira por todos os poros as riquezas da agro-pecuária. De Ulónguè saem batatas, tomate, cebola, repolho, couve, alface, e para os fornecedores das multi-nacionais em Tete, feijão, cabritos, gado bovino, alho e folhas de louro.
Um ventre de alimentos que pare sobrevivência para os de cá e também para os de lá, como diria o poeta Hélder Faife. É como estar no paraíso, no meio de odores e sabores que trazem à memória um período de abundância que os mais velhos contam, mas que que nós, os mais novos, não testemunhámos.
A palha de caniço, usada para coberturas de luxo nos restaurantes de Maputo e nos lodges das zonas costeiras, onde as praias paradisíacas de Moçambique atraem turistas, estende-se por toda a largura da zona frontal do mercado. Porém, aqui a mercadoria serve para cobrir residências de bloco cru que o cidadão comum de Ulónguè habita.
Pilhas de sacos de batata encontram abrigo onde der. Em Ulónguè, com os seus 45.542 habitantes, a terra significa trabalho, dignidade e, sobretudo, dinheiro. As suas 400 mil toneladas de milho geram 3. 200. 000 meticais por ano. Nesta vila nunca houve dificuldades para se produzir. Os agricultores, regra geral, produziam o suficiente para viver e um pouco para vender.Mas agora a realidade é outra e os campos de produção tendem a crescer.
A generalidade do território nacional é uma espécie de fotografia desfocada do celeiro que é Ulónguè, só nítida no centro da vila onde o betão é o senhor e dono do espaço. Esses lugares áridos que se encontram em todo o país são a antítese da vila de Ulónguè, o lugar onde a terra dá dinheiro e muda vidas.
O maior problema actual – sem menosprezar o acesso a água – com o qual o município se debate, prende-se com o conflito entre o crescimento da mancha urbana e o espaço geográfico onde a agro-pecuária se realiza. A excepção é formada pelos que ganham o pão fabricando tijolos de barro. João Dengo, de 24 anos de idade, faz tijolos com o barro extraído ao fundo do quintal da sua casa de cobertura de palha.
É um trabalho rotineiro, cansativo e maçante. Ele e a mulher, Aurélia, incluindo os pais, irmãos e cunhados moldam com as mãos as peças desde as primeiras horas do dia até ao entardecer. João aprendeu com o pai, que aprendeu com o avô, mas ele tem feito de tudo para interromper esse ciclo. “Os meus dois filhos estão na escola, quero que sejam alguém melhor do que eu”, sonha.
Em Ulónguè, a história de Dengo repete-se. As hipóteses de emprego na vila escasseiam e os jovens vivem de inventar formas de aumentar a renda. Trabalham por conta própria, vagueiam pelas ruas à procura de trocados, recolhem o que vêem pela frente, estendem a mão pelas esmolas de turistas.
Um idoso julga que o comportamento libertino dos jovens veio com a instalação do ensino superior. “A escola trouxe novas possibilidades, mas também trouxe vícios de longe. No meu tempo não andávamos nas casas de pasto a mendigar álcool. A culpa é dos hábitos da cidade”, sentencia. E isso explica a taxa de desemprego explícita de 60 porcento.
Portanto, mas do que um espaço urbano, Ulónguè é a negação disso. É um município rural que vive basicamente da agricultura. Recolhe, anualmente, de impostos, 4.2 milhões de meticais. Ou seja, 11. 506 meticais por dia. A capacidade de gerar receitas fica muito aquém dos desafios da vila. O maior, diga-se, é levar água aos munícipes. O centro da urbe conta com quatro bairros e em todos há água e luz.
A periferia, essa, foi preterida pelo pequeno e obsoleto sistema de distribuição do tempo colonial. Uma situação que a edilidade pretende relegar para a história. Para o efeito, será reabilitado o pequeno sistema para servir mais bairros. O valor para tal já existe. Quatro milhões de dólares poderão, asseguram fontes municipais, resolver o problema. No entanto, não é seguro que a obra de reparação tenha lugar este ano.
Em junho de 2012, o município anunciou um plano de expansão da cidade. Chamou-o de alargamento da mancha urbana, o que na prática representará um contentor de problemas para resolver. Os talhões já foram parcelados e as construções de novas moradias já arrancaram.
O que significa que a necessidade de água será maior numa vila onde o precioso líquido só chega a 30 porcento da população. Falando em água é preciso lembrar que mais de metade da população não tem acesso a corrente eléctrica. A situação é mais grave nos bairros mais distantes do centro da vila onde a percentagem de casas sem iluminação chega aos 98 porcento nos casos mais graves.
Os números indicam que apenas 38.2 porcento da população é que se podem dar ao luxo de acender uma lâmpada dentro de casa. 18.9, na sua maior parte concentrados na cintura da vila usam vela para iluminação. 40.5 porcento recorrem ao petróleo, parafina ou querosene. Nos primeiros dois anos de mandato foram beneficiados 508 consumidores com ligação à rede da Electricidade de Moçambique.
Na verdade, Ulónguè é um paraíso se a análise das suas potencialidades estiver virada exclusivamente para a agro-pecuária. As mazelas, essas, ressaltam aos olhos quando a vila tenta de abraçar a urbanização. Com excepção das vias de acesso herdadas do período colonial Ulónguè não sabe o que é asfalto. Para os bairros periféricos foram abertas vias de acesso, mas as mesmas carecem de manutenção todos os anos. Um autêntico bico-de- -obra para o município.
Actividade económica e emprego
Efectivamente, existem em funcionamento 156 barracas, 10 estabelecimentos comercias, uma agência funerária privada, três restaurantes, uma fábrica de farinação, 20 carpintarias de pequeno porte, uma olaria, duas padarias e 17 oficinas de pequeno porte. Estas actividades asseguram 2.789 postos de trabalho. O município emprega apenas 100 cidadãos. De todos os modos, o número representa um crescimento enorme para uma edilidade que em 2009 contava com cinco funcionários. O sector privado emprega praticamente muito mais: 1.344 funcionários.
Na verdade, 14.889 cidadãos estão em idade de trabalho. Portanto, excluindo os que procuram emprego pela primeira vez, a população economicamente activa é de 9.383 pessoas o que, de acordo com dados municipais.
O grosso dessa população que não encontra emprego é absorvida pela actividade agrícola. A vila possui cerca de 800 hectares de terra arável. Grande parte dos produtos que são comercializados nos mercados da cidade de Tete e Moatize sai de Ulónguè. “Produzimos 400 mil toneladas de milho. Este milho vai para Tete, Manica, Sofala, Zambézia, Nampula e Maputo. Isso significa que os nossos produtos têm sido comercializados em diversos pontos do país”, diz alegre uma fonte municipal o que confirma, sem o saber, que o Ulónguè não é propriamente uma vila. A agricultura e a ruralidade, apesar do betão no centro da urbe, sempre se irão impor à urbanidade.
Desporto e cultura
Numa vila sem grandes hipóteses de diversão, a autarquia desdobra-se, nos últimos tempos, na realização de actividades culturais e torneios de futebol entre os 17 bairros de Ulónguè. Durante o ano, os bairros organizam-se e disputam um torneio que apura quatro equipas para uma finalíssima que se disputa no centro da autarquia. A ideia, assegura o edil local, “não só é benéfica para a saúde dos jovens de Ulónguè como também garante que os mesmos se mantenham afastados de vícios”.
O mesmo acontece na vertente cultural. Cerca de 50 grupos de todos os bairros da autarquia são incentivados a competirem entre si para garantirem a preservação da diversidade cultural.
A vantagem de ter as multinacionais na capital da província
A presença das multinacionais está a contribuir para o aumento das áreas de produção. Actualmente a população é detentora de dinheiro para a satisfação das suas necessidades básicas. É notória a qualidade das residências que começaram a surgir depois de a produção agrícola ter deixado de apodrecer nos celeiros e Malawi deixou de ser a única alternativa para os produtores. Numa cidade sem meios de transporte formais, os camponeses prosperam como nunca imaginaram. O número de viaturas aumentou radicalmente.
Hoje, diz-se, a grande preocupação é expandir a energia para a periferia. Dentro da vila os bairros estão electrificados. Nas zonas em expansão de Xindeque, Tembeza, Matewere e Ntchoncolo são as mais críticas nesse aspecto.
Receitas da edilidade
As receitas próprias da autarquia continuam muito aquém do desejado. Contudo, a edilidade gaba-se de ter aumentado, em quatro anos, noves vezes o valor que o governo distrital cobrava no espaço que hoje é vila municipal. Em 2008, um ano antes de Ulónguè se tornar autarquia, o governo local arrecadou 500 mil meticais de receitas próprias. Portanto, a meta em 2009 foi estabelecida de acordo com os números da governação distrital.
A ideia, de acordo com uma fonte municipal, era duplicar as receitas. Porém, no final do ano económico o balanço mostrou uma receita de 1.5 milhão de meticais. Esse número, asseguram, nunca parou de crescer de ano para ano. Os últimos dados disponíveis dizem respeito ao exercício económico de 2012 e dão conta de uma colecta de 4.2 milhões de meticais. Município
Vila de Ulónguè em números
Vereações 4
Agentes económicos 10
Escolas secundárias 1
Funcionários do município 100
Fontes de abastecimento de água 15
Fontes de abastecimento de água criadas pelo município 10
Vias de acesso terraplanadas 11.900 metros
Habitantes 45.542
Salas de aulas construídas 30