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NO DIA MUNDIAL DO TEATRO – O que pensam os actores!

Nós quisemos juntar duas áreas da nossa Cultura: o Teatro e a Poesia. No passado dia 21 comemorou-se o Dia Mundial da Poesia e hoje (27 de Março) é o Dia Mundial do Teatro. Conversámos com alguns dos mais representativos fazedores destas vertentes e o que se pode depreender é que a poesia está bem viva no nosso país. O teatro navega em velas enfunadas. E o que resta é não ter em consideração que a crise de que se fala estará nas mãos dos actores, pois, segundo eles, essa crise identifica-se nas políticas que gerem o trabalho dos artistas.

Para o escritor Aurélio Furdela, em Moçambique existem dois tipos de poesia e teatro. “Temos a poesia dos que apenas falam e não conseguem formular um único verso, ou declamar um poema. Depois temos o teatro dos que só e somente nas suas línguas escrevem, encenam e representam as melhores peças, as jamais sonhadas. É o teatro dos que encaram o presente como um vácuo e o futuro afigura-se-lhes como uma miragem, sempre fugidia. É gente que até quando vê luz no fundo do túnel, tenta-nos fazer crer que se trata de um pirilampo, logo vai passar. Este vazio interessa-lhes, pois acreditam que assim tudo fica como que numa espécie de tábua rasa, onde a pequenez dos seus actos e obras fica invisível aos olhos da sociedade. A crise de que nos tentam convencer, não vem dos artistas, concretamente poetas, actores, encenadores, etc. A crise identifica-se nas políticas que gerem o trabalho destes artistas.

Felizmente, a poesia está sempre viva e jovem para crescer. Quanto ao teatro, pergunta, por exemplo, a alguém da Cultura de Cabo Delgado, aonde fica o Tambo Tambulane Tambo, espaço no qual Victor Raposo desenvolve um trabalho de se lhe tirar o chapéu em prol das artes cénicas. Também me interrogo: como é que se deixou morrer um festival como o d’Agosto ou Festival Regional de Teatro Amador? O programa de teatro radiofónico da RM, Cena Aberta, está letargo, tudo por causa de políticas. Embora já se ensine teatro na UEM, mostra-me uma sala de espectáculos onde um grupo amador ou de simples entusiastas pode trabalhar sem despender suor desnecessário… É neste pretenso vazio artístico que os actores e encenadores não deixam de se afirmar no contexto nacional e internacional. Gente medíocre sempre existiu e existirá em todas as épocas e lugares. Finalizando, eu diria que o problema é que vivemos num país também tomado pelo espírito do deita tudo abaixo, onde nada deve estar bem”.

Jorge Vaz é um dos maiores actores de teatro que Moçambique tem, encontrando-se ligado ao Mutumbela Gogo e ao seu crescimento. Segundo o próprio, o teatro moçambicano está de vento em popa. “Hoje nós fazemos monólogos ou diálogos, damos assistência a muitos grupos que nos procuram, então, isso de per si, significa que atingimos um nível de crescimento digno de ser registado”.

Vaz enaltece ainda, por exemplo, o trabalho feito pelo Teatro do Oprimido, onde o motor principal se encontra à responsabilidade de Alvim Cossa. “É algo bastante interessante o que eles estão a fazer, porque quando interagem com o público, então estão a fazer algo muito bom. Temos muitos outros grupos, muitos deles não têm acesso às grandes salas, mas que estão a desenvolver um trabalho bastante interessante. Acho que estamos no bom caminho, cada um encarando o teatro à sua maneira. Para mim, hoje, mais do que nunca, devíamos ultrapassar as nossas divergências e trabalharmos em prol das Artes Cénicas”.

Para Armando Artur, a poesia é a essencialidade da pessoa humana. “A poesia diferencia o homem das restantes coisas, incluindo os animais. A poesia torna-nos humanos. No nosso país ela – a poesia – continua a desempenhar o papel que sempre desempenhou. A poesia continua com as suas fagulhas, iluminando os nossos caminhos”. Ainda segundo este poeta, a poesia em Moçambique – se todas as luzes um dia se apagarem – será a última a apagar-se. “A poesia esteve sempre certa e continuará a estar sempre certa”.

Quanto ao teatro, Armando Artur diz-nos: “Temos em Moçambique dois grupos, que são os mais badalados, nomeadamente o Gungu e o Mutumbela Gogo. Penso que cada uma destas agremiações faz um bom teatro. Aprecio bastante a grande capacidade de improviso dos actores do Gungu, mas também gosto do classicismo do Muthumbela Gogo. Já ouvi falar também do grupo de Victor Raposo, em Cabo Delgado e do Teatro do Oprimido. Mas não são só estes grupos. O nosso país é bastante rico em Artes, particularmente em Artes Cénicas. Estamos a caminhar para a frente”.

Outro poeta por nós contactado é Sangare Okapi, para nos dizer o que pensa da poesia e do teatro no nosso país.

“No caro neologismo de Wehrli, poeta suíço, domina o intelicídio. Justifico-me. Os vários actores socioculturais que têm por obrigação a divulgação e promoção destas actividades continuam, permita-me, a comportar-se como múmias. Colaborando, sobremaneira, para o que hoje se designaria morte da plateia cultural, utilizando a vossa sugestiva epígrafe. Tanto na poesia, assim como no teatro, sempre houve bons valores. Mas peca-se na gestão dos mesmos.

Há que repensar em novas estratégias com vista a suprir e melhor gerir esta situação penosa. Só para exemplificar: no 5? Festival Nacional da Cultura, a literatura, a poesia, foi a reboque, os escritores tiveram que implorar para serem inseridos no programa. E isto passa pela construção de pontes entre as instituições superiores de tutela e a sociedade. Como ter estas áreas sãs se não educamos? O que quero dizer é que deve-se reforçar estas actividades nos currículos. Repare: uma sociedade pobre como a nossa, com um índice de analfabetismo e desconhecimento cultural gritante, é sintomático ver nascer, crescer e morrer-se sem se folhear uma ínfima folhagem de livro ou visitar uma sala de teatro, ou algo que se assemelhe. Mas, mesmo a minoria com dinheiro, como disse a Maria de Lurdes Torcato, não lê, não se cultiva. Podem ter sofisticadas aparelhagens de audio e vídeo, mas não têm uma estante com livros. Prefiro parar por aqui, celebremos a poesia e o teatro. Embora marginalizados, continuam essenciais na representação do drama quotidiano da nossa sociedade”.

Segundo o poeta Filimone Meigos, a poesia é uma maneira de as pessoas captarem o mirandum. “É uma parte que a vida quotidiana não capta: o prosaico. Só os poetas, ou melhor, só os artistas é que têm essa capacidade”.

Meigos considera ainda que Moçambique é um país de grandes poetas. “Mas também como é que o nosso país não havia de ser um país de grandes poetas, se Moçambique em si é um poema?”.

Casa Velha

Aqui forjou-se uma das grandes companhias de teatro do nosso país: o Tchova Xita Duma. Marcou profundamente uma época, tendo depois degenerado e morrido com o tempo. A Casa Velha, localizada no centro da cidade de Maputo, é a primeira associação cultural em Moçambique. Realizaram-se ali temporadas de teatro inesquecíveis. Mas hoje, só resta a fé daqueles que acreditam que um dia poder-se-á voltar a esses tempos auríferos.

Eusébio Daniel ainda mantém o facho. É ele que nos diz que o estágio do teatro em Moçambique está bom. “O teatro no nosso país existe pela vontade dos seus fazedores, do que pela força do Ministério da Educação e Cultura, não pela força da política”.

Este actor, quando olha para o panorama no geral, chega à conclusão de que existem um pouco por todo o lado em Maputo, muitas formações na área do Teatro. “Isso significa vitalidade, estamos no bom caminho”.

A Casa Velha vai protagonizar este ano três comemorações, nomeadamente o aniversário da fundação, o Ano da Cultura e o Dia Mundial da Cultura. “Teremos muitas actividades com a presença de alguns grupos de teatro e de dança, incluindo um grupo de mapico.

Mas o que apoquenta os responsáveis da Casa Velha é a degradação das instalações. “O estado em que as nossas instalações se encontram é deplorável. Já fizemos muitos apelos, porém, até hoje ainda não obtivemos qualquer resposta para restaurar um dos símbolos do teatro moçambicano”.

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