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“Não podemos deixar que a nossa memória se apague”

A sala magna do Centro de Conferências Joaquim Chissano encheu-se esta segunda-feira (08/03) para o lançamento do livro “Participei, por isso Testemunho” da autoria de Sérgio Vieira. Entre a assistência contava-se gente ilustre, entre eles muitos dos camaradas de primeira hora.

Da obra retêm-se fundamentalmente dois aspectos: a insistência para que não se reescreva a História, isto é, que os traidores não passem a heróis – como refere o próprio autor – e o pouco ou nenhum esclarecimento em relação a alguns acontecimentos ocorridos nos primeiros anos da independência. Porém, todos concordamos numa coisa: livros deste teor são sempre bem-vindos. “Está aqui o Chipande, um maconde; está aqui o Aires Aly, um anjaua; está aqui o Chissano do sul, dos Ngungunhanes; estou aqui eu, um mulato de Tete; está aqui o Fernando Couto que é branco. Para quem não saiba fomos nós que fizemos tudo isto. Nós a Frelimo!” Foi deste forma emocionada que Sérgio Vieira iniciou a sua intervenção esta segunda- feira (08/03), no Centro de Conferências Joaquim Chissano, na cerimónia de lançamento da sua obra intitulada “Participei, por isso Testemunho.”

Debate Precisa-se

O livro, composto por 751 páginas, possui a singularidade de ter dois prefácios: um de Luís Bernardo Honwana e outro do português e amigo do autor, António Almeida Santos, que residiu em Moçambique quase 20 anos no período anterior à independência. Aliás, coube a Honwana apresentar a obra. “Por este livro desfilam inúmeros dossiers insuficientemente conhecidos ou nunca publicamente discutidos entre nós. Desde a incidência do conflito sino-soviético e as suas implicações nos movimentos de libertação, passando pelas redes de solidariedade com os movimentos de libertação nos países ocidentais, pelo nó górdio, pela abertura da frente de Tete, pelos contactos pré-negociais de Lusaca, pelas hesitações soviéticas no apoio à Frelimo, pelas agressões de Ian Smith e da África do Sul, pelo envolvimento das potências ocidentais e até ao isolamento do país”, referiu o antigo ministro da Cultura, para depois acrescentar:

“Tudo isto num relato vivo, salpicado de humor e com muitas hipérboles como é seu apanágio.” Mais adiante, prosseguiu: “O debate é preciso. É preciso debate académico, debate nas esplanadas, debate nos chapas, debate nos convívios, debate nas televisões.” No final, deixou um apelo aos jornalistas: “Não cedam à tendência de afunilar estas setecentas e tal páginas de informação importante a duas ou três questões que sempre lhes ocorre perguntar tratando-se de Sérgio Vieira. Que se faça um debate sério, sem sensacionalismo, nos jornais e não um debate dos jornais.”

Façam o Favor de Escrever

Depois o autor, Sérgio Vieira, pegou na palavra para exortar os seus companheiros de luta a escreverem as suas memórias. “É preciso que a nossa voz não seja sufocada para que amanhã os nossos filhos, os nossos netos saibam a verdade.” Num tom quase imperativo lançou o repto aos seus camaradas: “Chissano faz favor de escrever, Chipande, Guebuza façam o favor de escrever, Marcelino, Rebelo façam favor de escrever, Óscar, Mariano, façam favor de escrever. Isto é só uma geração! A geração que fez a independência.” Mais adiante, justificou a escolha do dia. “Escolhi o 8 de Março não só por ser o Dia Internacional da Mulher mas também porque foi neste dia que o presidente Samora disse:

– A Pátria chama por vós. Não são só os da geração 25 de Setembro que devem escrever, mas também aqueles que já se tornaram a coluna vertebral deste país e que hoje estão no Governo, nas empresas e em tantos outros sítios. Que tragam as memórias do que fizeram. Fizeram a batalha da Educação, da Justiça, das FA. Esta é a Geração do 8 de Março que tem também de tomar a palavra. Há pouco o presidente Guebuza falou de viragem. A viragem é hoje feita por aqueles que nasceram depois da independência e que hoje têm 35 anos e que irão suceder aos do 8 de Março”. Noutro desenvolvimento referiu: “Não escrevi uma bíblia. Não escrevi a verdade absoluta. Não escrevi para encerrar um debate. É preciso que muitos mais escrevam, porque quando há um acidente de automóvel e há 10 testemunhas, há 10 interpretações diferentes. Cada um, da mesma situação, tem a percepção daquele ângulo em que se posiciona e não de todos os ângulos.”

Traidores Transformados em Heróis

O ex-ministro da Informação mostrou-se também agastado com o que tem sido publicado sobre a luta armada e a causa da independência nacional nos últimos tempos. “Não quero entrar em alguns debates falsos como assisto hoje. Descriminalizar a PIDE pelo assassinato de Mondlane é uma infâmia! Agora dizem que houve uns italianos e a OAS francesa envolvidos. Mas quem é que preparou a bomba? Não foi o celebérrimo Casimiro Monteiro, não estava lá o Rosa Casaco? Porquê acusar outros figurantes para esquecermos os principais?”, atirou indignado. Para depois prosseguir: “Lembro-me de que há tempos apareceu um artigo a dizer que em Mueda não houve nenhum massacre. Aquilo mais ou menos era uma quermesse onde distribuíram rebuçados. Se calhar houve umas pessoas que se precipitaram e se magoaram ao apanhar os rebuçados! É Mentira. É preciso saber que houve um massacre.

Hoje quando se denunciam genocídios, quando se denunciam crimes contra a humanidade, por favor, cometeram-se aqui nesta terra, o colonialismo fez isso. Ninguém foi preso ou julgado. A Rodésia fez isso. Ninguém foi preso ou julgado. O Apartheid fez isso. Ninguém foi preso ou julgado. Este livro não é para encerrar um debate, é para estimular outros debates. Não podemos deixar que a nossa memória se apague e nos esqueçamos o que o colonialismo nos quis fazer e o que hoje somos.” Recorde-se que Sérgio Vieira foi membro fundador da Frelimo e após a independência do país, em 1975, ocupou diversas pastas ministeriais como a da Agricultura e da Segurança tendo sido ainda vice-ministro da Defesa, governador da província do Niassa, governador do Banco de Moçambique e deputado à Assembleia da República. Presentemente é directorgeral do Gabinete do Plano de Desenvolvimento do Vale do Zambeze.

À saída, @ VERDADE quis saber de viva voz a quem é que Sérgio Vieira se referia quando dizia que os traidores agora estão a ser tratados como heróis e os heróis como traidores. O ex-ministro foi evasivo limitando-se a afirmar: “É ver o que estão a publicar alguns autores portugueses, sul-africanos e alguns moçambicanos que sempre estiveram do outro lado.” Perguntámos então quem eram os moçambicanos que sempre estiveram do outro lado ao que Sérgio Vieira respondeu que era gente que tinha colaborado com o 7 de Setembro.

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