Dispondo de uma zona económica privilegiada, o município de Nacala-Porto é, presentemente, um dos principais focos de grande investimentos nacionais e estrangeiros, devido à sua localização geográfica. Porém, os projectos de vulto em curso não alteraram a qualidade de vida dos munícipes. Muito pelo contrário. A população, entregue à sua própria sorte, vive à mercê da ruptura de condutas de abastecimento de água no que toca ao acesso ao precioso líquido, e debate-se com o desemprego, o elevado custo de vida, para além de um sistema de saúde deficitário.
No coração da cidade de Nacala-Porto, na província de Nampula, encontrámos o mototaxista, Tomás Rui, de 47 anos de idade. Carpinteiro de profissão há pouco mais de duas décadas, abandonou a actividade de produção de mobiliário de quarto para ganhar a vida como taxista nas artérias da urbe. Mas antes teve de tentar a sorte para ocupar uma vaga de emprego num dos projectos implantados naquela autarquia.
“Existem, sim, oportunidades de emprego, mas não são para os locais, são para os estrangeiros e os que vêm do outro ponto do país. A desculpa mais invocada é a de que não existe pessoal qualificado nesta cidade, o que não é verdade”, desabafa, segurando firmemente o guidão do seu motociclo.
O caso de Tomás Rui não é isolado. Silva Vasto, de 26 anos de idade, interrompeu a 10ª classe para ganhar a vida nas ruas de Nacala-Porto. É como estivador que sustenta o seu agregado familiar, composto por quatro pessoas. Encontrámo-lo numa manhã de um domingo sentando no quintal da sua humilde habitação. “Não há emprego nesta cidade e temos de arranjar alternativas de sobrevivência”, afirma, acrescentando que pensa em abandonar o município para ir à procura de oportunidades noutros pontos da província, uma vez que não vislumbra dias melhores.
Na verdade, Rui e Vasto são apenas um exemplo do universo infinito de pessoas que engrossa o mercado do desemprego na Zona Económica Especial de Nacala-Porto, que, inebriado pelo propalado bem-estar – muitas vezes ilusório –, sai de casa todas as manhãs na expectativa de usufruir do desenvolvimento socioeconómico de que tanto se fala na cidade outrora conhecida por Maiaia.
Embora nos últimos anos o número de empresas tenha aumentado, o mesmo não se traduziu na redução substancial da taxa de desemprego e tão-pouco na melhoria de vida dos residentes. A título de exemplo, desde 2009 a 2011, 45 diversas unidades empresariais de pequena, média e grande dimensões entraram em funcionamento em Nacala-Porto, no âmbito do Gabinete da Zona Económica de Desenvolvimento Acelerado (GAZEDA).
Apesar disso, a falta de emprego ainda é um problema crítico para os munícipes daquela cidade portuária e, como consequência disso, a actividade informal, praticada maioritariamente por pessoas oriundas da periferia, cresce a olho nu. Diga-se, em abono da verdade, para sobreviver, os nativos contentam-se com as actividades menos qualificadas e os pequenos negócios de venda de alimentos e outros produtos ao longo dos passeios e nos mercados informais.
Diga-se de passagem, apesar do crescimento económico alcançado nos últimos tempos, resultado dos investimentos maciços, o desenvolvimento em Nacala- -Porto ainda é invisível.
Quando se circula pelas principais vias de acesso da urbe, a impressão com que se fica é a de que ainda há muito por ser feito no que respeita ao melhoramento das estradas, pois estas encontram-se esburacadas e algumas a necessitar de obras de reabilitação, além de serem bastante estreitas.
Mas, em alguns troços, decorrem trabalhos de pavimentação das vias de acesso. O lixo tem vindo a invadir algumas das principais artérias e o abastecimento de água potável à população continua a ser feito de forma deficitária. Contudo, o presidente do município, Chale Ossufo, faz uma leitura positiva sobre o seu mandato, afirmando que o nível de cumprimento das actividades planificadas está nos 95 porcento.
“O nosso manifesto eleitoral foi uma tradução fiel daquilo que eram as preocupações da população. Neste momento, falta resolver a questão de estrada, temos ainda dois troços, um de 1750m e outro 1020m. São estas duas acções que vão completar os 5 porcento em falta”, garante Ossufo.
No que respeita à arrecadação de impostos, o município alargou a sua base tributária, aumentando o número de edificações onde se concentram os principais agentes que movimentam a economia local, tendo sido construídos seis mercados, e, consequentemente, as receitas triplicaram. Ou seja, os cofres da edilidade passaram a encaixar cerca de 171 milhões de meticais por ano, contra os 56 milhões alcançados pela gestão municipal anterior. De 2009 a 2011, o Conselho Municipal da cidade de Nacala-Porto colectou mais 314 milhões meticais.
Em relação ao custo de vida, quando comparada com a capital provincial – a cidade de Nampula –, Nacala-Porto tem vindo a registar um aumento dos preços de bens de primeira necessidade como, por exemplo, o arroz, o feijão manteiga, a farinha de mandioca e de milho, o tomate e o sabão, facto que contribuiu para que o índice de preços no consumidor continue elevado. Os mais afectados continuam a ser os munícipes de baixa renda, cujos rendimentos mensais não ultrapassam os dois mil meticais.
Falta de água e erosão: os eternos problemas de Nacala-Porto
Nacala-Porto vive numa encruzilhada devido à crise de água que tem vindo a fustigar o município desde tempos remotos. Todos os dias, pela manhã, centenas de pessoas são obrigadas a percorrer longas distâncias a pé à procura do precioso líquido. A salvação de alguns moradores tem sido as condutas – rotas – de abastecimento de água que atravessam os bairros mais carenciados com destino às zonas nobres do município, como, por exemplo, onde se localizam as luxuosas moradias junto à praia Fernão Veloso.
Quase todos os dias o cenário é o mesmo: dezenas de pessoas, na sua maioria crianças, disputam um espaço para encher o seu balde de água. A qualidade de água é ignorada, até porque o que importa é ter o líquido para resolver questões básicas de higiene. Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro a cidade enfrenta uma crise severa devido à falta de chuva.
De acordo com as autoridades municipais, em termos de cobertura de água, saiu-se dos 12 para os actuais 55 porcento. Porém, as regiões de Lile, Mahelene, Djanga 1 e 2, e Chivanto são as que enfrentam grande escassez, pois o precioso líquido encontra-se em grandes profundidades e, quando é achado, não é próprio para o consumo humano.
Desde 2009, já foram feitas pouco mais de 5400 ligações domiciliárias, além de terem sido construídos 30 fontenários, até ao ano antepassado. Actualmente, existem 142 furos e foi desenvolvido um sistema de abastecimento de água canalizada em Quissimajul, que abrange mais de seis mil pessoas.
Em Nacala-Porto vive-se uma eterna crise de água e, com o início das obras de reabilitação da barragem de Nacala, a urbe começou a enfrentar uma escassez sem precedentes. Presentemente, a cidade sustenta-se de dois campos de furos, nomeadamente Npaco e Ntuzi. Graças a esses furos, o município sobrevive à época crítica. Neste momento, com uma população estimada em 208 mil habitantes, cerca de 106 mil pessoas beneficiam do sistema de fontenário e instalações domiciliares.
“A falta de água e a erosão são os maiores problemas que nos tiram o sono”, afirma Chale Ossufo. Em Nacala-Porto, apenas 75 porcento de terra é que está a ser aproveitada e os restantes 25 não oferecem condições para se erguer uma habitação. Cada vez que chove, a cidade vai perdendo espaço, uma vez que as ravinas tornam-se maiores.
No passado, a urbe contava com um projecto de contenção de corrosão de terras, porém, por falta de obras de manutenção, quase todas as zonas onde estava em extinção tornam-se focos de erosão. “Enquanto não resolvermos o problema de erosão em Nacala-Porto, os nossos sonhos vão tornar-se em quimera”, diz o edil.
Electricidade
A corrente eléctrica é também um problema que preocupa os munícipes de Nacala-Porto. Em 41 bairros, apenas 16 estão sem iluminação. Presentemente, decorrem trabalhos de renovação de cabos eléctricos nas comunidades, substituição de postes de energias e colocação de transformadores. A expansão de rede continua, embora de forma tímida, e há promessas de que, até ao final do ano, as zonas electrificadas passarão a ter melhor qualidade de energia. Actualmente, a corrente eléctrica chega num estado bastante deplorável, assemelhando-se, a sua qualidade, à de um candeeiro de querosene.
Saúde
Ao longo dos últimos quatro anos, foram reabilitados os centros de saúde, erguida uma “casa mãe espera” além de ter sido construída uma nova unidade sanitária (o terceiro maior centro de saúde da cidade) de raiz em Ntupaia, por se tratar de uma zona de expansão habitacional. Porém, à semelhança de outros cantos do país, o atendimento público ainda é caótico.
Na maior unidade sanitária, o Hospital Distrital de Nacala, localmente conhecido por Hospital da Ceta, os pacientes são obrigados a aguardar horas a fio por atendimento médico. Todos os dias, é comum ver enorme filas à porta dos diversos serviços hospitalares, principalmente nos Serviços de Urgência e Radiologia, e um amontoado de pessoas (entre pacientes e acompanhantes) deitadas no chão.
Abubacar Mussa, de 32 anos de idade, chegou àquela unidade hospitalar quando eram 5h45 da manhã acompanhando a sua esposa que se queixava de dores fortes no abdómen há dois dias. Até às 9h00 não tinha sido atendido, pois as filas eram longas. “Estamos aqui desde as primeiras horas do dia, porém, ninguém nos atende nem nos dão alguma informação”, queixa-se Mussa que acrescenta que deslocar-se até ao Hospital da Ceta é um autêntico calvário devido à falta de transporte. Segundo os residentes, não existem chapas para aquele local e a alternativa tem sido as mototaxis.
O fecalismo a céu aberto é também uma situação que ganha proporções alarmantes e sem fim à vista, facto que propicia a propagação de doenças diarreicas. Para desencorajar a prática, as autoridades municipais construíram 200 latrinas, tendo-as distribuído pelas famílias mais carenciadas. Porém, o problema parece estar longe de ser erradicado. Os moradores dos bairros localizados ao longo da costa continuam a recorrer às praias e zonas de mangais para satisfazerem as suas necessidades biológicas.
Transporte
O serviço de transporte público ainda não é satisfatório. Embora não se verifiquem enchentes nas principais paragens, a população debate-se com escassez de chapas, sobretudo no fim do dia. Para responder à preocupação dos munícipes, com fundos próprios, o município adquiriu seis autocarros, quatro de pequeno porte e dois grandes. Os veículos fazem a ligação entre a “Cidade Alta”, a zona emblemática, e a “Cidade Baixa”, onde está concentrado o comércio e outras actividades, e alguns bairros periféricos.
A actividade de mototáxi é praticada informalmente. Um distância de um quilómetro custa ao utente 15 a 25 meticais. Não obstante ser uma alternativa ao problema da falta de chapas e o garante da sobrevivência de muitos moradores, o município não atribui licenças para o exercício do serviço, alegadamente por considerar os motociclos um meio circulante bastante caro. “Embora seja útil aos munícipes, nós desencorajamos essa prática, uma vez que a cada queda de uma motorizada são vidas ceifadas”, diz o edil de Nacala-Porto, Chale Ossufo.
O que a Oposição tem a dizer?
Os delegados políticos da Renamo e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) naquele município, Beijamim Cortês e Filomena Nicocue, respectivamente, são unânimes em afirmar que a cidade de Nacala-Porto, sob gestão da Frelimo, encontra-se abandonada à sua própria sorte, acrescentando que reina a política de exclusão.
“Estamos no fim do mandato e quase nada foi feito para melhor a vida dos munícipes. A cidade anda muito suja. As estradas continuam esburacadas, os moradores vivem sem água e electricidade. E as vagas de emprego são ocupadas por membros da Frelimo”, diz o delegado político da Renamo, tendo vincado que o seu partido não vai participar nas eleições autárquicas que se avizinham.
Por seu turno, a delegada do MDM afirma que grande parte dos problemas de cidade pode ser resolvida caso haja vontade política. “A falta de água é o que mais inquieta os munícipes de Nacala-Porto, apesar de a urbe dispor de um sistema constituído por dois furos com capacidade para fornecer o precioso líquido a todos os moradores, 24 horas por dia, durante cinco anos sem chuva. Mas o que tenho constatado é que usam esse problema para fins políticos”, comenta e acrescenta que o desemprego e o lixo nos mercados, amontoado ao longo das principais artérias do município, são algumas situações negligenciadas pelas autoridades municipais.
Município de Nacala-Porto em números
Unidades empresariais em funcionamento (2009 – 2011): 45
Abastecimento de água: 55 porcento (cerca de 106 mil pessoas)
Ligações domiciliárias de água: 5400
Furos de água: 142
Receita anual: 171 milhões de meticais
Receita colectada entre 2009 e 2011: 314 milhões de meticais
Habitantes: 208 mil Bairros: 41
Bairros com iluminação pública: 25
Latrinas distribuídas para população: 200
Transporte público municipal: 6 autocarros
Unidades Sanitárias: 3
Centro de Saúde construído de raiz: 1
Estradas por pavimentar: 2770 metros
Dimensão das entradas: 73 quilómetros
Pessoas vulneráveis recrutadas pelo município: 1470