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Mussiro (não) perdeu os seus valores culturais

Mussiro (não) perdeu os seus valores culturais

Antigamente, o mussiro era usado na preparação da rapariga para o matrimónio. Nos dias actuais, a mítica loção adquiriu outras aplicações. No entanto, a realidade está a gerar diversas opiniões entre as gerações. Saiba as razões…

No passado, feliz era o homem que tinha ao seu lado uma mulher que preservava a sua tradição. Naquela altura, era fundamental manter a estética e a boa aparência. Para as mulheres, ter a pele macia e bem cuidada era um dado muito importante. Para o tratamento da pele, as mulheres macuas, com mais destaque para as da zona costeira, recorriam a um pequeno arbusto cientificamente denominado Olax dissitiflora, do qual se produz um creme, localmente conhecido por m’siro ou mussiro, que é aplicado no corpo para o posterior rejuvenescimento da pelagem.

Na época em alusão, o mussiro era usado por moças consideradas prontas para o casamento. As donzelas usavam o produto e ficavam escondidas dentro de casa, por um período que variava de família para família.

Elas podiam permanecer até três meses e só saíam caso aparecesse um homem disposto a casar-se. Suaha Sumaila, de 50 anos de idade, uma das poucas mulheres que (ainda) cultiva os hábitos dos seus antepassados na íntegra, revelou ao @Verdade que contraiu o seu matrimónio nos moldes acima descritos. Natural do distrito de Angoche, ela salientou que, na época da sua mocidade, as senhoras competiam entre si.

Suaha explicou que era, também, um dos principais objectivos daquele costume atrair os rapazes que procuravam raparigas com o fim de constituírem família. Acreditava-se, naquele tempo, que a mulher que usasse, frequentemente, o mussiro agradava o seu marido durante as relações sexuais, ao contrário daquelas que não aplicavam o referido creme, razão pela qual as moças do litoral tinham mais probabilidade de contrair o matrimónio.

A nossa entrevistada salientou ainda que as jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos de idade, na segunda etapa da menstruação, eram ensinadas a manter o corpo pintado com o creme tradicional. Consta que, de acordo com a nossa interlocutora, naquele período às adolescentes era permitido conviver somente com crianças entre sete e os 14 anos de idade, com vista a manterem-se intactas.

“A acção visava impedir que a moça mantivesse algum tipo de relação com indivíduos adultos, salvaguardar a virgindade até ao dia do seu casamento e manter a pele livre de borbulhas”, explicou. Suaha Sumila acredita que a sua beleza resulta do uso daquele produto. Porém, a mesma é da opinião de que a nova geração já não tem para usar o m’siro tal como acontecia no seu tempo.

“Já não existem mulheres bonitas como no antigamente”, disse a cinquentenária. Josefina Omar, de 35 anos de idade, natural da cidade da Ilha de Moçambique, diz ser macua de raiz por causa do m’siro. Ela comunga os mesmos ideais de Suaha Sumaila, mas acrescenta que o uso daquele produto por parte dos mais novos tornou-se algo ocasional. Só é usado em tempo de festa.

“Usamos o mussiro mas não como os mais velhos”

Se por um lado, usar m’siro fazia parte de um ritual dos avós e tinha como principal objectivo atrair os homens, por outro, as mais jovens defendem que o mesmo é usado ocasionalmente e há pouca promoção do produto. Júlia Fernandes e Sara António, de 18 e 20 anos de idade, respectivamente, são duas raparigas que confirmam o acima citado, tendo, ambas, dito o seguinte: “Usamos o mussiro, mas não como os mais velhos”.

Para elas, o uso daquele produto nos dias correntes faz parte de um princípio segundo o qual só podem fazê-lo em dias festivos. Aliás, as duas raparigas sublinharam que as mulheres que cresceram num meio tradicional tendem a tirar proveito de tal facto, ao invés de incutirem nos mais novos os benefícios daquele hábito.

“Mesmo nos dias festivos para alguém usar o creme em alusão deve pagar um valor simbólico para que lhe seja aplicado o mussiro e alguns desenhos na face. Deste modo, dificilmente cresceremos com valores culturais sólidos e com base neles”, disse Sara António.

Mussiro: uma fonte de renda

Sempre que chega algum feriado nacional, mulheres oriundas de diferentes zonas residências fazem-se à Praça dos Heróis Moçambicanos com o objectivo de ganhar dinheiro pintando a cara das outras senhoras e jovens usando o mussiro. No dia 22 de Agosto, aquando das festividades do 58º aniversário do município de Nampula, vestida a rigor, com um recipiente nas mãos, contendo mussiro, encontrámos a cidadã Ancha Remane, natural do distrito Angoche. Ancha viu no mussiro uma oportunidade para ganhar dinheiro.

Por cada face pintada, ela cobra 20 meticais. Segundo a nossa interlocutora, dependendo do movimento, ela chega a ter mais de 10 clientes. Para si, cobrar por aplicar o mussiro noutras mulheres é uma das formas de fazer frente à pobreza e à falta de emprego, garantindo, assim, o seu sustento e da sua família. De acordo com a nossa interlocutora, aquele creme é altamente benéfico e aconselha- se o seu uso. Mas, na sua opinião, poucas mulheres usam-no para tratar das imperfeições da pele, com mais destaque para borbulhas, entre outras.

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