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Mulheres que desafiam a mecânica

Mulheres que desafiam a mecânica

Já se foram os tempos em que a mecânica era vista como uma actividade exercida apenas por homens. Hoje em dia, e numa altura em que a igualdade de género é (mais) notória, não é difícil encontrar mulheres que começam a ocupar posições que, em tempos remotos, tinham o rosto masculino. A mecânica não é a excepção.

Numa ronda que a nossa equipa de reportagem efectuou pela capital do país, verificámos que cresce cada vez mais o número de oficinas que contratam mulheres para preencherem os seus quadros. Esta semana trazemos a história de duas mulheres que ganham a vida lavando e consertando carros.

Esmeralda Gove, de 28 anos de idade, residente no bairro de Hulene, em Maputo, dedica-se à mecânica há sensivelmente dois anos.

Hoje encontra-se a trabalhar na oficina de lavagem de viaturas, localizada no bairro Ferroviário das Mahotas. Nascida numa família humilde, viu os seus sonhos gorados alegadamente porque morava com a madrasta e esta não a deixava estudar.

“Quando criança sonhava em fazer o ensino superior, mas não pude porque vivia com a minha madrasta e ela não permitia que a menina estudasse. Depois de algum tempo, comecei a namorar e engravidei. Tive que trabalhar para poder sustentar o meu filho e ajudar a família, naquela altura as condições de vida não eram favoráveis. O meu primeiro trabalho foi como empregada doméstica”, conta.

Porque não podia continuar a constar da lista dos desempregados, Esmeralda teve de recorrer a uma profissão um tanto ou quanto estranha para o sexo feminino.

“Quando o meu vizinho abriu uma oficina de lavagem e conserto de viaturas, aproximei-me para pedir emprego. No princípio, ele pensou que eu estivesse a brincar, mas depois que viu que a minha preocupação era séria, chamou-me para um estágio.

Fiquei lá durante um mês, ainda a apreender como pegar nas máquinas, e outras peças”, explicou. Depois do estágio, Esmeralda foi admitida como mecânica e passou a trabalhar como lavadora de carros, uma experiência que ela considera inesquecível.

“Lavar carros tornou-se a coisa mais fácil de fazer para mim, mas não no princípio. Lembro-me de que tive muitas dificuldades em apreender a usar as máquinas de pressão e o aspirador de pó. Graças a Deus consegui vencer as dificuldades e agora ensino às minhas novas colegas”, revelou.

Outra mulher que escolheu a mecânica como seu ganha-pão é Neta Matsinhe, que diz ter-se “apaixonado pelos carros” no seu antigo trabalho. “Quando trabalhava num dos postos de abastecimento da cidade comecei a ganhar gosto pelos carros.

Num belo dia, resolvi ajudar o meu primo que é mecânico. Depois de ver o meu empenho, ele resolveu falar com um amigo dele que tinha uma oficina para me arranjar uma vaga. Depois de admitida, comecei a fazer limpeza às viaturas, coisa que faço até hoje”, disse.

Para Neta Matsinhe, trabalhar como mecânica sempre foi o seu sonho, mas foi frustrado devido às limitações financeiras dos seus pais.

“Os meus pais não tinham dinheiro para me mandarem à escola. Tive a sorte de encontrar trabalhos que envolvem carros”, afirmou.

O preconceito

Questionadas acerca da opinião da sociedade em torno do seu trabalho, elas foram unânimes em afirmar que têm sofrido preconceitos por parte de outras mulheres. “Há (muitas) mulheres que criticam o nosso trabalho. Algumas chegam a chamar-nos anormais, dizem que este trabalho é para homens”, afirmam.

Esmeralda acrescentou ainda que se sente muito orgulhosa do trabalho que faz, sendo que muitas mulheres acabam por se dedicar à prostituição e ao crime como alternativa ao alto custo de vida que caracteriza a nossa sociedade.

“Faço um trabalho honesto como outro qualquer. Às vezes sinto pena daquelas mulheres que preferem prostituir- se para ganhar a vida, apesar de existirem vários caminhos a seguir, fora o da prostituição”.

Porém, elas dizem-se tristes porque o preconceito de que são alvo vem do lado das mulheres, as primeiras que as deviam defender.

“Os homens não têm nenhum problema. Há clientes que chegam aqui e preferem que sejamos nós a lavarmos as suas viaturas alegadamente porque as mulheres são mais cuidadosas e amantes da perfeição. Isso é um bom sinal, significa que a sociedade já nos olha com uma certa normalidade”.

Actividade que exige aptidão física

Como se deve imaginar, a tarefa destas mulheres não tem sido fácil, tendo em conta que trabalham com máquinas (por vezes) pesadas.

Durante a conversa, elas confessaram que a profissão por que optaram exige muito esforço, paciência, aptidão física e, acima de tudo, muitos cuidados com a saúde, apesar de o salário estar longe de responder a tais exigências.

“Não é fácil cuidar do corpo, principalmente quando o salário é pouco. Exercendo esta actividade, existe uma série de cuidados que temos que ter com a saúde.

A título de exemplo, é necessário tomar leite em dias alternados, devido às poeiras que vamos inalando ao aspirar o pó dos carros. Também é necessário praticar exercícios físicos para se manter em forma”, explicam.

Dificuldades

Como toda a profissão, há sempre obstáculos a serem ultrapassados no início. Para Esmeralda, a principal dificuldade foi trocar pneus e lavar viaturas de cores especiais, segundo diz.

“Demorei muito para aprender a trocar pneus devido ao peso. Existem carros com cores que são difíceis de lavar. Por exemplo, as cores preta, vermelha e azul-escura exigem muitos cuidados”, revelou.

Por seu turno, Neta Matsinhe diz que a sua maior dificuldade foi limpar vidros porque “nunca em toda a minha vida gostei de fazer esse trabalho”.

Sonhos

Para provar que não estão nesta profissão por mera conveniência, ambas alimentam um sonho em comum: abrir uma oficina e empregar apenas mulheres “para mostrar que a igualdade é uma realidade no país.

Acreditamos que nós (as mulheres) podemos contribuir para o desenvolvimento do país, independentemente do ramo de actividade. Já não existe trabalho exclusivamente para homens nem para mulheres. Somos todos iguais”, é assim que elas terminam.

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