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“Os jornalistas não percebem de arbitragem”

“Os jornalistas não percebem de arbitragem”

Sereno, perspicaz e muito determinado, Asselam Khan explica os seus projectos para a arbitragem. Mas também fala de si e das saudades que tem da televisão, uma paixão antiga.

Na primeira entrevista concedida ao @Verdade por um árbitro de futebol, Asselam Khan aceitou falar de si e do seu percurso de vida. Pela distância que separa Maputo de Nampula, a entrevista foi feita via e-mail. Aquele que foi o melhor árbitro do Africano 2008 de Futsal é casado com Koreicha Abdul Gani, com quem teve quatro filhos (três raparigas e um rapaz).

Diz que os jornalistas desportivos pouco ou nada compreendem de arbitragem. Mas o seu discurso fluente e organizado, mas contido em tudo o que diz respeito ao foro pessoal e mais solto na matéria desportiva, não deixa de ondular entre o chefe de família discreto e um profissional comprometido com o trabalho. A determinação marca-o.

(@Verdade) – Qual é o nível de arbitragem no país?

(Asslam Khan) – Não é fácil responder a esta questão, mas eu diria que o nível da nossa arbitragem não foge muito ao nível do futebol que se joga no país, assim muito ao alto e falando no geral. Mas como técnico de arbitragem posso dizer que tal como noutras áreas, na arbitragem também temos os melhores e esses existem no nosso futebol e são reconhecidos pela Comissão de Arbitragem da CAF.

(@V) – Esse nível é fruto de alguma evolução?

(AK) – Esse nivelamento por baixo é fruto da falta de trabalho sério com a maioria dos juízes nacionais, dentro dos padrões actualizados de formação e reciclagem. Há um grupo que tem tido esse privilégio (árbitros da 1ª categoria nacional) pois são os que assumem maior responsabilidade dado que são os mais capacitados – os que merecem mais atenção.

Agora, sendo este o cenário, há que investir mais na área, usando correctamente os técnicos nacionais, e mesmo estes, na qualidade de instrutores, devem ser alvo de actualizações regulares, etc.

(@V) – Os conteúdos para a formação de árbitros em Moçambique têm qualidade? Até que ponto?

(AK) – Não tenho dúvidas quanto a isso. Reparem que temos instrutores espalhados pelo país e alguns deles participam anualmente em cursos da CNAF e da FIFA. Agora, um instrutor não pode ficar à espera de cursos pois, hoje em dia, a tecnologia está ao nosso dispor para nos ajudar. Porém, usando uma escada podemos dizer que os árbitros estão na parte de baixo e os instrutores na de cima.

(@V) – O que pensa das acusações de corrupção envolvendo árbitros de futebol?

(AK) – Penso o mesmo que pensa um indivíduo inteligente. Se ela existe deve ser denunciada, mas entre nós ficamos pelas acusações. A pergunta que devemos fazer é: PORQUÊ? Nós não vivemos numa ilha. Estamos dentro de um mundo que deu exemplos de vários casos de corrupção e já vimos clubes de renome metidos nisto… Já diz o outro, não há bela sem senão, mas a justiça exige provas e essas parece que “NÃO ANDAM AÍ”….

(@V) – Já foi aliciado para desvirtuar uma partida? É comum no nosso futebol que isso aconteça?

Fui. A minha recusa fez-me perder a única final internacional que poderia ter apitado. O meu pai ensinou-me que não devo apostar, mas sim discutir.

Neste caso veio-me muita coisa à cabeça. Tremi como se estivesse com uma febre alta. Investi forte na minha própria carreira e não seria por dinheiro que iria perder tudo o que havia conseguido. Fui afastado da final, mas curiosamente fui considerado o melhor árbitro da competição.

(@V) – No seu entender é possível que uma equipa seja campeã com um empurrão cúmplice da arbitragem?

(AK) – Disto temos variadíssimos exemplos a nível mundial. Mas mesmo esses levaram muito tempo a serem desvendados. Não podemos colocar a questão só quando se trata do 1olugar. Mesmo para a despromoção ou outros lugares na tabela geral classifi cativa, podemos ter casos e exemplos…

(@V) – O que é melhor: a arbitragem ou o espectáculo apresentado pelos atletas?

(AK) – Uma péssima arbitragem pode estragar um grande jogo. Mas uma grande arbitragem pode não evitar um péssimo jogo de futebol. A grande questão é se o fair play pode ou não ajudar. É curioso que fiz um trabalho em 2011 sobre este assunto e cheguei a esta conclusão: TODOS ACHAM QUE ENTENDEM DE ARBITRAGEM.

Neste trabalho, disponibilizei os meus conhecimentos para dar palestras sobre as leis do jogo. CONCLUSÃO FINAL: Ninguém domina esta área senão os técnicos e os árbitros. Hoje os espectadores, os dirigentes, os atletas e os jornalistas falam das leis como se as conhecessem mas na verdade pouco sabem e vão lançando coisas para criar mais confusão.

(@V) – Alguns praticantes de futsal dizem que a modalidade clama por socorro. Em Nampula pratica-se futsal? Qual é o nível?

(AK) – Como se diz por cá: bem mesmo. Sim, joga-se e a um nível muito bom. Nampula organizou o melhor Nacional de que há memória em 2007. Em 2011 fomos os únicos a cumprir os prazos estipulados pela FMF para a entrega dos representantes para o Nacional que não teve lugar.

Apenas Nampula e Manica movimentaram a modalidade mas a nossa selecção não parou. Esteve no Brasil e entre os convocados esteve um jogador de Nampula. A única forma de melhorar o nível dos jogadores de Nampula é haver contactos com jogadores de outras províncias. O último campeonato foi jogado em 2009…

(@V) – Os jogos de futebol de 11 em Nampula são bastante concorridos ou isso só acontece quando se trata de um Ben ca-Sporting?

(AK) – Não só. Nacala respira futebol por todos os poros. Monapo tem o seu campo sempre lotado. Há muita fome de futebol mas o calcanhar de Aquiles é a segurança. É muito complicado segurar este flagelo. Em Nampula há zonas em que o árbitro não pode marcar um pontapé-livre indirecto dentro da área a favor de quem ataca. Falta a beneficiar quem ataca dentro da área, para eles, é uma grande penalidade…

(@V) – Viveu durante muito tempo em Maputo. O que o levou a Nampula?

(AK) – Uma proposta de trabalho irrecusável. Isso fez-me deixar muita coisa de que eu gostava mas ter vindo para Nampula não fez abrandar o meu sonho de ser instrutor FIFA (1o no país desde que Moçambique existe). Deixei todos os meus familiares e o “bicho” da TV.

A Televisão foi o meu primeiro emprego desde 1985 (TVE, hoje TVM). E o bicho ainda cá mora… Lembro- me de que estava na STV a comentar os jogos do Mundial da Alemanha quando surgiu a proposta de vir trabalhar para Nampula.

(@V) – Como perspectiva o futuro da arbitragem no país?

(AK) – Bom. Muito bom. Mas só se forem implementados todos os projectos que estão engavetados e cheios de poeira (passe o exagero). Se o projecto nacional para a arbitragem que existe na CNAF for seguido muita coisa vai mudar. Neste momento vamos usando uma bicicleta… Quando chegar o dia em que passaremos da bicicleta de duas rodas para uma de três (txopela) teremos um futuro risonho… mas há muito trabalho por fazer para que possamos elevar o nível actual.

Como tudo começou

Chegou à arbitragem pela mão de um homem do apito: Arão Júnior (Matekana). Isso lá para os idos de ’94. Apitou partidas de futebol até 1997, altura em que contraiu uma lesão grave. Em 1998 fez parte da comissão instaladora de futsal em Moçambique.

Ajuizou alguns jogos e o “bichinho”do futsal entranhou em si, pelo que de lá para cá nunca mais largou o apito. Em 2000 passou a ser árbitro internacional. Um percurso que se estendeu até 2011 pela força do regulamento que dita que aos 45 anos já não se pode apitar.

Esteve em grandes palcos. Fez-se presente em dois torneios Grand Prix no Brasil (2007 e 2008), onde sempre apitou os jogos da final. Em 2008 foi considerado igualmente melhor árbitro do Africano de futsal.

Nesse mesmo ano participou no Mundial da modalidade no Rio de Janeiro e esteve na final. Intramuros foi cinco vezes considerado o melhor árbitro.

Em 2012 a FIFA convida-opara um curso de instrutores, realizado na capital da Jordânia – Amã. Foi aprovado e conta no seu currículo com dois cursos ministrados na África Austral (Suazilândia e Zimbabwe).

Sente-se, diga-se, triste porque o país não usa os seus conhecimentos e “nem reconhece os feitos e as conquistas”. Contudo, já se conformou…

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