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O dia em que o Acordo Ortográfico nos pregará partidas!

O dia em que o Acordo Ortográfico nos pregará partidas!

O uso da “língua em sociedade” é um tema complexo. Por isso exige maturidade suficiente – o que nos tem faltado – para tratá-lo. No entanto, caso o país não adira, agora, ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa nada mais nos restará senão sermos perseguidos e açoitados, eternamente, por crises económicas. Na verdade “será um caos”, alerta o Professor Doutor Nobre Santos.

Em Moçambique, como acontece em todas as sociedades, determinadas manifestações artísticas e socioculturais têm promovido uma migração de termos e expressões de uma realidade para outra. Por exemplo, inúmeras vezes esbarramo- nos com expressões como “juba” e/ou “crista” deslocadas da realidade animal – leão e galo, respectivamente – para o âmbito Homem.

Aliás, do referido facto não faltam exemplos. A crista do Zico é vermelha; Jorge Ribeiro refez a sua juba, são algumas dentre tantas construções frásicas que se ouvem em conversas dos jovens, em Maputo.

“A língua é dinâmica. E, nesse dinamismo, o processo de empréstimos linguísticos é natural. Muitas vezes, quando os falantes estão insatisfeitos – com determinada expressão e/ ou na inexistência de uma palavra adequada para exprimir os seus sentimentos – buscam termos de outros contextos e realidades para o efeito”, comenta Nobre Santos, Professor Doutor em Linguística.

Por exemplo, esclarece o docente, “se o falante não encontra, na língua que usa, um termo semelhante a juba, ele vai buscar esse termo (de uma outra área) para fazer a representação daquilo que lhe interessa. Isso resulta da insatisfação”. Afi nal, “nalgumas vezes, o termo adequado pode existir, no entanto não traduzindo cabalmente o fenómeno aludido”.

De qualquer modo, se tal conjugação frásica, esta migração de termos – de um contexto para o outro – supostamente anormal não tem sido motivo de alarme (entre as pessoas) é outro assunto. O facto é que esta combinação de vocábulos, em si, denuncia alguma insatisfação entre os usuários de uma língua.

A nossa realidade, pelo menos em Maputo, impele-nos a reconhecer que nalgumas discussões interpessoais mormente as iniciadas na língua portuguesa, bastas vezes, terminam com a aplicação de palavras provenientes da língua materna do falante aborrecido.

Noutras palavras, “se a referida língua for o xi-changana, por exemplo, o falante recorre a determinadas palavras que melhor exprimem o seu desagrado para maldizer o outro”. Do contrário, como é que se explicaria o abandono que o falante faz a algumas expressões existentes – na língua portuguesa, com significado sinónimo – para emitir a mesma mensagem? “Elas revelam-se inefi cazes para o falante. Por isso pede emprestado expressões da língua em que se sente mais confortável ou em que os seus intentos são, facilmente, alcançados”.

Línguas nacionais, oficial e de sinais

Um outro tema adjacente à fala – aliás que originou esta matéria – não menos importante é a Língua de Sinais. A língua maioritariamente empregue por pessoas com defi ciência auditiva. Aqui, interessa a discussão que se instala devido a uma série de construções sociais, de ideias feitas e de estereótipos com que as pessoas sem a referida deficiência interpretam os primeiros.

Aliás, a matéria sobre a Língua Moçambicana de Sinais – apesar de que, neste artigo, é desenvolvida de forma superfi cial – merecerá um tratacontinua mento exaustivo em edições futuras deste jornal.

“Dizem que mudo não é gente boa. Há vezes que dá medo”, afirmou Deavila que é surda ao mesmo tempo que Armando Mafanhana esclarece: “A palavra mudo já não se usa no dicionário da Deficiência Auditiva ao nível internacional. Emprega-se apenas a palavra surdo ou, simplesmente, deficiente auditivo”.

Como tal, continua, “em Moçambique não existe a Associação dos Surdos-mudos, mas a Associação dos Surdos, da mesma forma que existe a Federação Mundial dos Surdos e não dos Surdos e Mudos”.

O Estado moçambicano “valoriza as línguas nacionais como património cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade”, considera a Constituição da República que, no artigo 9, se debruça sobre o assunto.

A dúvida que prevalece é se o referido instrumento legal, quando se referir às línguas nacionais (já que o português é oficial, a língua da unidade nacional) estará a incluir a Língua Moçambicana de Sinais.

De qualquer modo, o nosso linguista tratou, imediatamente, de esclarecer essa dúvida. Para si “o ponto de partida seria reconhecermos que a Constituição da República, de forma muito clara, não toca na questão da Língua dos Sinais.

Se nós inventarmos uma situação do tipo “quando se fala de línguas nacionais se está (também) a referir à Língua de Sinais, julgo que não estaríamos a ser rigorosos. Sobretudo porque, a Língua de Sinais possui a sua estrutura, gramática, dicionário e códigos diferentes dos que se usam no xi-changana, no português, por exemplo. Está-se diante de um idioma diferente”.

E mais, para Nobre Santos – o autor do blogue Educatopias por meio do qual reflecte acerca do processo educativo em Moçambique entre outros mundos – num futuro breve a questão da Língua (em Moçambique) deverá ser revista e sofrer (inclusive) algumas alterações.

Afinal, neste momento “o português tem um estatuto especial, o de língua oficial e da unidade nacional. A língua que de certa forma projecta os moçambicanos para a vida”. Ou seja, “quem quiser ser bem sucedido, progredir em termos profissionais, deve saber falar, ler e escrever na língua portuguesa, senão dominá-la.

Ora, quando nos colocarmos a pergunta: “as outras línguas – as nacionais – que estatuto têm, segundo a constituição?”, perceberemos o quanto estamos diante de um tema complexo. De qualquer modo, isso não nos impede de engendrar uma resposta à luz da Lei Mãe.

“Elas são valorizadas. Apenas isso!” Ou seja, “é reconhecida a sua existência. Não são marginalizadas – já que a Constituição diz que devem ser valorizadas. São veiculares e, de certa forma, estruturantes para as famílias moçambicanas”, considera o docente de que estamos a falar.

khanimambo, maningue e bué

Em certa ocasião, o autor destas linhas, em discussão com Rui Guerra, professor de História de Arte, com grau de mestrado em Gestão do Património Cultural, discutia a necessidade da inclusão de termos como “Khanimambo e maningue”, por exemplo, no linguagem formal do português moçambicano (?) com o segundo a anuir.

Até porque, há quem convive com o facto com (muita) naturalidade. “Mas como os docentes, em Moçambique, convivem com esta realidade sobretudo nos estabelecimentos de ensino superior?” Esta é uma pergunta que, mais adiante, merecerá o comentário de Nobre Santos.

O facto é que, na existência da palavra “obrigado”, nós os moçambicanos empregamos, vezes sem conta, o termo “khanimambo” para agradecer; temos a expressão “maningue” que substitui“muito”. No mesmo contexto, os angolanos empregam o termo “bué” que não é originário da língua portuguesa. E, consequentemente, em Portugal utiliza-se muito o termo incluindo os meios formais como a Televisão Pública Portuguesa – RTP.

Será que as expressões equivalentes – obrigado e muito – em português não servem? A resposta é sim, mas preferimos as nossas “Khanimambo” e “maningue” que a custo do emprego contínuo acabaram por ser dicionarizadas.

Então, muitas vezes, este fenómeno relaciona-se com as necessidades dos falantes. Com aquilo que se pretende exprimir no preciso momento. Na busca das palavras mais adequadas para o efeito. Com a necessidade de tais expressões exprimirem e traduzirem cabalmente os sentimentos do usuário da língua.

“Nesse aspecto a língua favorece e evolui. Mas em contra-censo a isso, os puristas da língua não concordam. Mas eles não têm nada que estar de acordo ou não. Está- -se diante de um processo natural evolutivo da língua”, justifica o docente.

Estamos em crise

A questão de admitir ou não o uso de alguns termos de que antes falámos – “khanimambo” e “maningue” – em estabelecimentos de ensino no país entra em contradição, muitas vezes, com a norma.

“O ensino aceita aquilo que está regulado. Em sentido contrário não funciona, refuta. O que o professor deve fazer é compreender. Afinal não basta, por exemplo, que o docente pegue na gramática e no dicionário e defenda somente a norma. Ou seja, defender só e somente só aquilo que é correcto e o que estiver em sentido contrário rejeitar”, diz Nobre Santos.

Para descrever o cenário hodierno – o da questão linguística no ensino no país – Nobre Santos, autor de inúmeras comunicações, dissertações e publicações, dentre as quais o Manual de Didáctica do Português, não encontra palavra melhor do que “crise”.

E fundamenta: “Trata-se de uma situação crítica porque nós, os professores, temos de um lado a norma portuguesa que é o que se tem estado a usar, mas em constante processo de actualizações para questões inerentes ao Português de Moçambique. Passamos a vida a fazer adaptações porque não temos a nossa gramática”.

Não existem a gramática e o dicionário do português de Moçambique. O que se tem estado a usar tem a ver com o português falado em Portugal e no Brasil. Ora, tais materiais são utilizados de acordo com a possibilidade habitual do acesso dos professores.

Então “se eu, Nobre Santos, por exemplo, tiver maior afinidade com Portugal – refira-se que é formado naquele país pela Universidade de Aveiro – vou buscar mais o material didáctico português”.

“O mesmo acontece com o meu colega de disciplina. Mas as nossas afinidades nem sempre são comuns. Ele, o meu colega, pode buscar o material do Brasil. Ambos os materiais, mesclados, são ensinados aos mesmos estudantes. Sucede, no entanto, que estes acabam por ser confrontados com duas normas, a portuguesa e a brasileira – já estabelecidas – e uma terceira, a moçambicana, ainda em processo de formação.

…e é aí que se instala o caos!

Segundo o interlocutor, que temos estado a citar, esta miscelânea de normas linguísticas estabelecidas com outra não causa – nos seus receptores – uma confusão, uma crise. Mas o verdadeiro caos instala-se no nosso sistema de ensino, ao mais alto nível.

Depois de agravada a situação “nós vivemos nela”, diz o professor catedrático acrescentando por isso que “penso que não vale a pena questionarmo-nos porque é que não usamos algumas palavras de origem Bantu na língua portuguesa. Elas já se encontram inseridas no português”.

Basta que, “qualquer pessoa, pegue no gravador e saia à rua para gravar as conversas das pessoas que perceberá a realidade”.

O português oral é bastante flexível e nós falamos como bem entendemos com os nossos amigos, colegas e profissionais. Não se segue a norma. Isto faz com que mesmo a pessoa que possui a mais elevada formação poderá (a dado momento) se comunicar no nível mais baixo”, realça.

Para o docente, o que sucede é que os angolanos, já que os invocámos, entendem que devem utilizar as palavras das suas línguas nacionais no português. Ao passo que nós, os moçambicanos, temos a nossa característica. “Somos mais contidos. Gostamos de ser os mais correctos”. Não obstante, Nobre Santos diz critica o facto de – no seu entender – “ao procurarmos ser correctos, muitas vezes, tornámo-nos ridículos”.

Acordo Ortográfico

Sobre o tema, Nobre Santos engendra e endossa uma questão profunda digna da atenção de todos. Sobretudo porque, caso não seja acautelada a tempo, não lhe restam dúvidas de que o seu impacto será catastrófico.

“Porque é que ainda não aderimos, de forma explícita, ao Acordo Ortográfico, se está claro que o processo é irredutível? Porque é que atrasamos e não respondemos ao chamamento, se o processo indica que todos vamos para lá?”

No dia em que despertaremos sobre a importância de aderir ao acordo “será muito tarde”. E porque a questão da língua também concorre para o desenvolvimento sociocultural, político e económico do país, “retardaremos a nossa preparação para os desafios do desenvolvimento”.

“Vamos agravar a nossa situação financeira. Mais uma vez estaremos em crise. A palavra crise irá acompanhar- -nos eternamente porque teremos que fazer as coisas à última hora. Teremos que modificar os manuais, para não dizer, produzir novos livros escolares e dicionários”. Ou seja, “a produção de todo o material importante para o processo do ensino e aprendizagem deverá ser feito em muito pouco tempo, o que nos exigirá grande velocidade”.

Mais agravante ainda é que “não teremos dinheiro numa situação em que precisaremos do mesmo para contornar as consequências de um atraso que estamos a provocar agora”.

De qualquer modo, o pior, o mais agravante – em tudo isso – é que “todos nós temos a consciência das consequência que o país incorre”. “Penso que todos os colegas que estão a lidar com o processo – estão a fazer bem o seu trabalho – têm a consciência dos problemas que iremos enfrentar no futuro”. Ora, “que não se duvide de que estamos atrasados”, acrescenta.

O penoso cenário da educação

Talvez, porque bastante problemático – ainda temos falta de materiais didácticos, sobretudo as infra-estruturas – o sector da educação é o que tem suscitado polémicas no espaço social. Há anos que se converteram os debates sobre o sector numa fábula sem nenhuma lição de moral.

Digladiamo-nos, vezes sem conta, com palavrões incisivos, procurando os culpados de uma realidade – a fraca qualidade de ensino no país – em que todos somos responsáveis ao mesmo tempo que ninguém se assume culpado. O problema é nosso, e todos devemos trabalhar para a sua transformação.

É com esta postura, de gente responsável, que Nobre Santos encara e nos propõe colmatarmos as dificuldades que se instalaram na educação dos cidadãos moçambicanos.

Por exemplo, “está-se numa sala de aulas. O aluno escreveu: Na minha aldeia há maningue tihomo – o que equivale a dizer na minha aldeia há muito gado – por não conhecer o termo correspondente a gado. O aluno está nas classes iniciais, a ser iniciado nas aulas da língua”.

Até porque, “é normal – sobretudo nas zonas rurais – que os professores encontrem alunos, na 3ª classe, que não falam português”.

Ora, o professor, “no lugar de procurar perceber a intenção do aluno, pura e simplesmente, risca sobre a redacção e não explica o aluno o porquê de tal acção. Consequentemente, o aluno, sem explicação, convive com o erro repetindo- o em composições seguintes”.

É em relação a isso que Nobre Santos opina: “O professor, no lugar de estar muito preocupado em dizer que está errado, ao verificar a falha, deve corrigi-lo. Substituir o termo “Tihomo” e “maningue” – caso não assuma que está dicionarizado – e, por fim, conversar com o petiz explicando-lhe como preceder nas aulas seguintes. Afinal, pode-se dar o caso de o aluno não saber”.

E mais, “penso que este procedimento tem faltado na classe dos professores. Podemos até questionarmo-nos sobre como fazer, numa situação em que as turmas são numerosas. A resposta é fazendo! É verdade que é difícil”.

Por isso, na educação, a questão da língua – ainda que não pareça – “é muito complicada. E nós (em Moçambique), ao nível do sector da educação não estamos a discuti-la de forma madura. Com a maturidade que se nos impõe. Estamos a despachar, como se diz em gíria”.

O problema

Em ocasião oportuna Nobre Santos fez uma denúncia sobre o pelouro da educação. Temos tido debates sobre todos os problemas relacionados com a educação, todavia “os mesmos (sempre) têm sido muito superficiais, a despachar. Ninguém quer ofender o outro. Nós pensamos que se dissermos a verdade, descrever o que está a acontecer no terreno, estaríamos a ofender alguém”.

E mais, “se nós quisermos resolver o problema do fracasso da Educação, devemos dizer – em público – o que está a acontecer na escola”.

Nobre Santos faz da luta pela melhoria da qualidade do ensino no país uma receita, para a qual a cozedura depende unicamente do envolvimento de todos os ingredientes, ou seja, toda a sociedade.

Numa fase inicial, “o professor deve conversar com o seu grupo de disciplina – uma prática que ficou para a história na actualidade – sobre as peripécias que ocorrem na sua turma. Isto é salutar porque lhe possibilita trocar impressões com o grupo”.

“Houve tempo em que nós, os docentes, partilhávamos os êxitos e as dificuldades da escola”, diz lamentando o facto de actualmente sempre que se instaura um debate na escola a atenção ser a ridicularização do aluno. “Ele não sabe nada. E nunca tentamos ver se o problema não está do nosso lado. Quer dizer, o outro (sempre) é que tem problemas”.

Em segundo plano, “devemos dedicar- -nos mais ao trabalho e menos a polémicas. Pois nós sabemos que as coisas estão más. Sabemos que as crianças não sabem ler e escrever. Então, que soluções encontrar?”

Por fim, recomenda que “todos os intervenientes no processo de ensino e aprendizagem – professor, aluno, pais e encarregados de educação, bibliotecários, enfim, toda a sociedade – devem empenhar-se nesse desejo”.

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