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Panfleto de Esquerda: Mukonwana, por Niosta Cossa

O mukonwana, que é o último bastião da masculinidade maputense, a última posição onde um homem aqui em Maputo ainda pode ser machista e violento para com a mulher e sair impune desse tipo de posicionamento/comportamento, anda pela hora da morte. Aquela estirpe de mukonwanas maputenses, duros, chatos, maus como as cobras e muito respeitados pelas famílias das esposas; a casta daqueles mukonwanas que só por chegarem na sograria punham todos em sentido e no respeitinho está a desaparecer de Maputo.

E, tragicamente, com o desaparecimento do mukonwana, vai surgindo, em sua substituição, uma outra raça, esta mais fonkón, mais pirata e mais desprezível; uma raça que, na verdade, é uma degeneração do mukonwana, e que em muitos círculos familiares e barracas é conhecida e reconhecida pelo nome de dzanwanwa.

O mukonwana (genro), e também o mukwaxi (genro que ainda não oficializou a sua ligação com a família da namorada), já tiveram prestígio neste Maputo. O genial velho Alberto Machavele saiu em defesa do mukonwana numa música em que apelava para que se acabasse com o lobolo, por este ser oneroso precisamente para os mukonwanas.

Fernando Chivure, no álbum Fofoqueira, de 2002, cantou sobre o mukonwana, aconselhando a filha para que não brincasse com o mukonwana, para que não fizesse sofrer o mukwaxi: Chivure dizia à filha que ir ao lar era coisa rara por aqueles dias (2002), por isso, não se podia brincar com o mukonwana. O mukonwana era, de alguma forma, garante de estabilidade social e estava moralmente legitimado.

Felizmente, nem o velho Machavele nem Fernando Chivure viveram para ver o que seria dos mukonwanas e/ou mukwaxis da década de 2010. Pois, a esta altura, estariam profundamente decepcionados. O mukonwana e/ou mukwaxi já não é o que costumava ser.

E foram duas (2) as causas que conduziram ao declínio dos mukonwanas e/ou mukwaxis nesta década: a descontinuidade do controlo da quilometragem amorosa feminina e o início, da parte dos homens, das boas relações com as famílias das namoradas/ esposas.

1. A descontinuidade do controlo da quilometragem amorosa

Se não me tenho enganado ao seguir o rastro das suas origens, a expressão quilometragem foi inicialmente empregue na indústria automóvel. Por quilometragem, entendia-se, ou seja, pretensamente referia-se à distância que um automóvel podia percorrer num dado período de tempo e também, retrospectivamente, à distância que dado automóvel percorrera no seu período de actividade.

Neste texto, a quilometragem que se está a abordar é esta última, a do tempo percorrido ou passado no exercício de uma actividade. Mas não diz respeito aos carros.

Aliás, é uma quilometragem familiar àquela dos carros, contudo, referente às mulheres de Maputo. Estabelecida a partir de indicadores como o número de camas por que rebolou, o número de muros em que foi esquinada e apertada, o número de lábios que saboreou e o número de paixões que lhe queimaram os sentimentos.

Os antigos – pelo menos, da independência para cá – costumavam basear as suas escolhas femininas, a eleição das mulheres que seriam suas inkosikasis (senhoras, rainhas, primeiras esposas), na quilometragem amorosa.

Até aos finais da década 1990, para se envolver com uma mulher, em Maputo, um homem procurava saber dos vizinhos dessa mulher sobre a sua fama, sobre o seu jeito de ser, e, principalmente, sobre o seu comportamento público. Não havia homem que se arriscava a meter-se com uma mulher sem que estivesse devidamente munido de informações sobre estes detalhes.

Não obstante, a preocupação não era com o HIV/SIDA nem com nenhum outro tipo de doença sexualmente transmissível. Era mesmo com a honra, com o seu bom nome. Poucos homens se disponibilizavam a namorar ou desposar uma mulher que ou varrera todo o seu muganga (zona), ou que conhecesse a geografia dos quartos dos rapazes do quarteirão.

E, uma vez em posse das informações, se a mulher tivesse uma quilometragem amorosa vasta, o homem cortava o seu interesse por ela. Ou, pelo menos, ficava seriamente balançado e tentado a cortar o seu interesse.

Todavia, desde que Anselmo Ralph apareceu com a música “Super Homem”, em 2006, os homens maputenses, que clandestinamente já vinham mudando sob a influência das novelas brasileiras, mudaram oficialmente. Começaram a querer ser super-homens. A dizerem às mulheres que não se importavam com o passado delas, que o que interessava era o agora. A prometerem que morreriam por elas, etc. E puseram de lado a quilometragem amorosa.

De um momento para o outro, se a mulher havia dormido com todo o bairro, já não lhes importava. Se ela passara a vida aldrabando homens, já não lhes importava. Se ela era uma meretriz sem conserto, já não lhes importava. O que importava era o amor.

Por outro lado, a estilização do sexo – vincada pela introdução assumida do anal, do oral, do doggystyle e de dildos no vocabulário sexual maputense – e a, de alguma forma, revolução da prática do sexo – marcada pela mudança da concepção da prática sexual, nos anos 2000, deixando de ser mero meio de reprodução para passar a ser (também) uma forma de prazer – também abalaram e abafaram a importância da quilometragem amorosa.

Pois, os homens, do mesmo modo, começaram a dizer que não se importavam com a quilometragem amorosa de uma mulher desde que ela fosse boa de cama. A crescente emancipação social e política da mulher só veio piorar as coisas: os super-homens encontraram aí uma boa oportunidade para se venderem totalmente ao inimigo.

De boa vontade e preocupantemente com um sorriso nos rostos, os super-homens de Maputo enterraram o machado de guerra forjado pelos seus antepassados machos para decapitar as mulheres e retiraram das suas paredes os chicotes com que os pais domavam as esposas.

Ora, os nossos pais haviam escolhido as nossas mães e construído os seus lares com base na quilometragem amorosa. Aos nossos pais não importava, ou não era muito relevante, se amavam ou não as mulheres, nem se elas eram boas de cama ou não. Acima de tudo, eles queriam mulheres firmes, que segurassem o lar com todas as forças e não o deixassem cair mesmo que fizesse um terramoto.

E queriam mulheres com espírito de abnegação, respeitadoras, disciplinadas, determinadas, cumpridoras do dever, (queriam piladoras do lar e não pilhadoras do lar), mulheres que não dissessem “Vou para casa do meu pai” logo na terceira briga ou desentendimento conjugal.

O rompimento com esta tradição de escolha concreta de mulheres – a quilometragem amorosa –, para se adoptar uma nova escolha subjectiva de mulheres – o amor –, veio abrir precedentes que conduziriam à segunda causa do declínio do mukonwana: o início das boas relações com as famílias das namoradas/esposas.

2. Boas relações com as famílias das namoradas/esposas

Entre os machistas e cultores de respeito e aqueles que não gostam de ser tolovelados (habituados) em Maputo, sempre se soube que nunca, nunca mesmo, se deveria brincar na sograria e que jamais se deveria construir amizades com os sogros e os cunhados.

Que a regra básica para se ser um mukonwana de verdade sempre fora criar inimizade e distância com os familiares da namorada e/ou esposa, ainda que não estivesse escrito e que ninguém o reconhecesse oficialmente, sempre se soube entre os machos maputenses.

Os machos deste Maputo sempre souberam disto e trataram de viver longe das sograrias enquanto fingiam que estavam perto. Eles mantinham-se longe, tão longe que não davam espaço para que se fizesse uso e abuso das suas pessoas, mas fingiam estar perto, para que não quebrassem os vínculos totalmente e, assim, se arriscassem a perder as eleitas.

Jamais e jamais e jamais se deveria dormir na sograria. Jamais! Ainda que se insistisse muito ou que se alegasse que já era muito noite para que o mukonwana fosse para sua casa, estes sabiam que era preferível que se enfrentasse os bandidos, sob o risco de se ser espancado e assaltado, do que dormir na sograria. Porque após dormir na sograria, com os sogros e cunhados, se começaria a descer pela rua da falta de respeito e não haveria mais volta.

Não dever nada na sograria, nem dinheiros nem favores, e cortar todo o tipo de intimidades com a família da namorada/esposa sempre foi a melhor maneira de conservar o respeito e a durabilidade dentro de uma relação.

Quando se brinca na sograria, nos primeiros dias é o próprio sogro quem recebe e fala com o mukonwana. Dias depois, é a sogra quem atende ao mukonwana e vai buscar pessoalmente a cadeira para servi-la a ele. Nos dias seguintes, manda a filha ir buscar a cadeira. Nos dias consequentes, ambas mandam uma criança ir buscar a cadeira. E, no fim, elas dizem ao mukonwana para puxar o ralador ou bidão e sentar-se. Afinal, já estão habituadas ao mukonwana, já lhe tolovelaram. Já não lhe devem tanta estima. E a desculpa é de que “Você já é da casa”.

E não mentem elas. Esse mukonwana já é da casa. É como se fosse um filho ou sobrinho ou netinho dos sogros, por isso, perde-se toda a pompa e cerimónia que se lhe costumava dispensar, afinal, nenhum pai trata o seu filho ou sobrinho ou neto com cerimónias. E neste momento, este mukonwana baixa para o nível de dzanwanwa (parvo, panhonho, fraco).

Os dzanwanwas são a estirpe de mukonwanas que existem no Maputo actual. Dormem em casa dos sogros. Bebem até cair em casa dos sogros. São amigos íntimos dos cunhados. Não se dão ao respeito perante a família da namorada e/ou esposa. Querem agradar as famílias das namoradas e/ou esposas. Frequentam a casa dos sogros como se da casa dos seus próprios pais se tratasse, etc.

Ora, os sogros e cunhados, por muito modernos ou novos que possam ser, serão sempre sogros e cunhados, e, com esta gente, se não se quiser ter o relacionamento e/ou casamento minado, não se pode amigar nem brincar.

As mulheres podem ser amigas dos sogros e dos cunhados que não há problema. Mas o mukonwana não pode, de maneira nenhuma, se dar a estas relações nem brincar deste jeito. Ao pronunciar-se o nome do mukonwana na sograria, é necessário que as pessoas estremeçam ou que, no mínimo, não haja motivos para ninguém dizer “Ah, aquele ali…”. E que ninguém se atreva a tratar o mukonwana por tu.

Entretanto, por este Maputo dentro, o que se encontra são exércitos de mukonwanas-dzanwanwas prontos a capitular e a colaborar com as famílias das namoradas/esposas. Sempre prontos a ajudar, sempre servis, sempre carinhosos, sempre modernos.

Porquê tudo isto? Por conta do primeiro ponto que apontava: por causa do amor. Eles amam e querem “fazer parte da vida da mulher”. Querem estar em “tudo que ela faz”. Querem assumi-las perante “todo o mundo”, por isso, estão sempre abertos a cooperar e operar, a ajudar e a mudar-se para a família da esposa. Estes homens, super-homens, assumem tudo que diz respeito às suas namoradas/esposas. Assumem que estão apaixonados. Assumem que as amam. Assumem as famílias delas. E tudo publicamente.

Durante muito tempo, eu fui enganado pelos super-homens e pelos mukonwanas-dzanwanwas e apoiei a equipa deles. Andei com bandeiras do amor e da paz. A promover o amor com as mulheres e a pregar a aproximação para com as famílias delas. Até que os velhos me alertaram sobre a verdadeira maneira de agir dos mukonwanas. E eu rompi definitivamente com os super- -homens e mukonwanas-dzanwanwas. E fiquei atento.

Pelas ruas e pelas redes sociais, o que oiço e leio é “cunha” para cá, “cunha” para lá; “cunha, comé que ficou aquela cena?”; “cunha, completo anos e o meu presente?”; “cunha, tu és o maior cunhado do mundo”; “cunha, cuida bem da minha irmã”; e eu vou pensando para comigo “estes cunhas vão dançar depois, por conta destas brincadeiras”.

Quando alerto aos homens sobre estas brincadeiras, que para mim são de mau gosto, eles reagem dizendo ou que eu quero roubar-lhes as mulheres ou que devo deixar-lhes demonstrar o quanto estão felizes. E terminam acusando-me de não perceber nada do assunto porque não tenho namorada. E pedem que eu lhes deixe amar em paz. E eu deixo-lhes.

De qualquer das maneiras, essa estirpe de mukonwanas- -dzanwanwas, com uma ou outra excepção, não tem cura. Convém deixar-se-lhes mesmo. Mas não posso deixar o mukonwana, o último depositário da masculinidade maputense morrer.

Por isso, para aqueles mukonwanas da linha pura, herdeiros e continuadores dos mukonwanas do passado, faço um sério apelo para que continuem assim. Talvez até se devesse constituir uma Associação Clandestina dos Mukonwanas da Cidade de Maputo – clandestina porque, contrariamente ao que acreditam os super- -homens e os mukonwanas-dzanwanwas, a arte de se conduzir um relacionamento tem que se manter na clandestinidade, entre os mukonwanas, e nunca deve ser revelado às mulheres, muito menos aos sogros e cunhados.

Àqueles que já estão comprometidos com os sogros e cunhados e famílias das namoradas/esposas mas que, com este texto, notam que é um erro e, por conseguinte, desejam livrar-se disso, tenho a dizer que apenas uma saída lhes resta: partir os vidros das janelas da sograria ou furar os pneus do carro dos sogros, ou espancar os cunhados, ou, ainda, pisar nos dedinhos dos sobrinhos das namoradas e netinhos dos sogros… enfim, fazer maldades na sograria de maneira que cessem as relações com esta. Têm que fazer qualquer coisa que inicie uma inimizade pelas bandas da sograria. Qualquer coisa mesmo… E têm que fazê-lo com urgência!

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