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“O governo distrital está apenas preocupado com pessoas ligadas ao partido no poder”

Grande parte dos jovens do distrito de Murrupula, província de Nampula, queixa-se da falta de oportunidades na sua própria terra. Arlindo Manuel José, presidente da Associação dos Artesãos de Murrupula (AAM), uma agremiação constituída por 12 jovens de ambos os sexos e que promove actividades de desenvolvimento comunitário, diz que esta camada da população é votada ao esquecimento. E, acrescenta, que não há vontade política para desenvolver aquele distrito, por sinal onde nasceu o Presidente da República.

@Verdade – Quando é que foi fundada a AAM?

Arlindo José (AJ) – A Associação dos Artesãos de Murrupula surgiu em 2008, logo após a formação de alguns jovens do distrito em matérias de construção civil, associativismo e empreendedorismo. O objectivo era formar artesãos capazes de ajudar a população a construir as suas habitações e a reparar estradas terciárias e várias outras actividades a nível do distrito. E depois da capacitação, num total de 50 jovens, um grupo acabou por criar a Associação dos Artesãos de Murrupula.

No princípio, éramos muitos, cerca de 20, mas com o andar de tempo grande parte acabou por desistir porque não tinha o espírito de associativismo e outros até desviaram alguns bens da agremiação. Actualmente, contamos com seis mulheres e igual número de homens.

@Verdade – Qual era o objectivo quando criaram a vossa associação num distrito como este?

AJ – De princípio criámos a associação com a intenção de fabricar lajes de latrinas melhoradas, pois naquele tempo, em 2008, não havia ninguém que tivesse uma latrina melhorada a nível local e, depois de fazermos o estudo, com fundos próprios, começámos a nossa actividade. No início, não era tão fácil porque não tínhamos clientes para comprar as nossas lajes e porque muitos não entendiam o que era aquilo, daí que tenhamos optado por criar a componente de água e saneamento. Começámos a ensinar a população a tratar a água. Demos, também, palestras sobre o tratamento de fezes, e uma das formas era construir latrinas utilizando as nossas lajes e, assim, as coisas foram acontecendo.

@Verdade – Na componente de água e saneamento como era feito o vosso trabalho nas comunidades?

AJ – Tivemos a sorte de desenhar um projecto que foi um dos beneficiários da formação da Direcção Provincial das Obras Públicas e da ASSNANE, uma associação que esteve ligada à construção de furos de água. Estas duas instituições deram-nos todo o apoio necessário para ajudar a população a melhorar as suas vidas através do tratamento de água e uso de latrinas.

Depois daquelas formações, sentimos que tínhamos que aumentar o nosso trabalho, daí que tenhamos reforçado a nossa equipa e expandido o raio de acção para os dois postos administrativos do distrito. Afectámos dois artesãos para cada posto administrativo, nomeadamente Nihessiwe e Chinga. E a nível da vila sede estamos com oito membros.

@Verdade – O que melhorou com a vossa presença no distrito?

AJ – O distrito melhorou no que diz respeito ao abastecimento de água e saneamento de todos os postos administrativos, com destaque para a vila sede de Murrupula. No princípio não éramos entendidos porque falar de saneamento numa comunidade onde a maioria é analfabeta não era fácil, e, por outro lado, algumas pessoas pensavam que queríamos trazer cólera, mas a nossa sorte é que nunca trabalhávamos com nenhum detergente desconhecido pela população, muito menos produtos de limpeza.

Usávamos muito mais sabão e água, para a sensibilização da população. Por isso fomos bem recebidos e apoiados pela população. Um dos resultados que tivemos é que desde o ano da nossa fundação nunca no distrito de Murrupula houve registos de cólera ou diarreias. Lutámos e criámos grupos de gestão de água que têm trabalhado junto à população para que haja limpeza e cuidado ao manusear-se as fontes de água.

@Verdade – E como tem sido nos últimos tempos? Ainda continuam a sensibilizar a população?

AJ – Sim, mas não tem sido fácil porque não temos financiamento para continuar a trabalhar. A única coisa que continuamos a fazer é a reparação das fontes de água, e vivemos através disso, além da criação de gado caprino e suíno e da venda de peças de motorizadas e bicicletas a nível da vila sede. Hoje temos trabalhado apenas na vila sede na divulgação das palestras sobre o saneamento e tratamento de água, quer para cozinha, quer como para beber.

Nos postos administrativos já não temos como fazê-lo porque não é tão fácil trabalhar assim em locais distantes, sem transporte ou meios financeiros. Por isso optámos por desenvolver as nossas actividades apenas na vila sede do distrito, e também reduzimos os dias de actividade.

@Verdade – Quanto custa uma laje?

AJ – Na verdade, uma laje custa 600 meticais. Muitos já vieram reclamar o preço mas esquecem-se de que o material e como são feitas (as lajes) custam muito dinheiro. Comprar um saco de cimento, pedra, areia e o próprio material para o fabrico é muito oneroso, muitas vezes acabamos por não ter retorno nem do dinheiro com a matéria-prima porque na cidade de Nampula há vendedores de cimento que têm diminuído a quantidade. Muitos cidadãos pedem para que baixemos o valor. Por isso a maioria não compra, e prefere recorrer à prática de fecalismo a céu aberto.

@Verdade – Desde o ano de 2008 quantas lajes foram construídas e vendidas?

AJ – É muito difícil responder, mas, na verdade, conseguimos vender somente 90 lajes. Mas, de 2008 ao ano passado, tínhamos vendido apenas 30. Refira-se que em 2012 tivemos um contrato com a Visão Mundial, através do projecto de latrinas para o posto administrativo de Nihessiwe onde chegámos a fabricar 60 lajes para as escolas e algumas comunidades.

Não é fácil construir e vender porque os únicos compradores são os professores, funcionários afectos em diferentes sectores de actividades ou ainda algumas pessoas que vêm para fazer negócio e acabam por residir em Murrupula, mas também não são todos.

O fecalismo a céu aberto é uma realidade e a população precisa de ser consciencializada para mudar de atitude e de hábito. Veja que o tratamento de água melhorou muito devido à nossa sensibilização. Se tivéssemos dinheiro continuaríamos com as nossas campanhas de educação cívica. A população tem de fazer as suas necessidades biológicas nas casas de banho e não na mata, como tem acontecido.

O grande problema é que o governo do distrito não trabalha muito na sensibilização do uso de lajes ou latrinas melhoradas nas comunidades rurais, e se trabalhasse nessa componente estaríamos a vender muito e a questão de saneamento teria melhorado bastante. Aliás, gostaríamos que o secretário permanente e a administradora distrital estivessem focados na sensibilização da população. Todos os residentes e os funcionários públicos deviam ter latrinas melhoradas.

@Verdade – Há ONG’s que trabalham na área de água e saneamento aqui no distrito de Murrupula?

AJ – Há sim, a Visão Mundial é uma delas. Mas as suas actividades estão a ser desenvolvidas no posto administrativo de Nihessiwe, e noutros postos ninguém olha por eles, senão nós, Associação dos Artesãos de Murrupula. Muitos projectos não são direccionados para este distrito, não sei porquê, mas esquecem- -se de que há muitos problemas como a exploração desenfreada de madeira, recursos minerais, a prostituição, o trabalho infantil, a falta de conhecimento na componente de associativismo juvenil, a falta de conhecimento sobre o empreendedorismo e boas práticas em agricultura. Seria bom que muitos projectos incluíssem também o distrito de Murrupula, porque há muita pobreza no seio das comunidades.

@Verdade – Os projectos de criação de gado caprino e suíno estarão ligados ao objectivo da criação da AAM?

AJ – Quando criámos a associação o principal objectivo era construir somente lajes, mas com o andar do tempo colocámos a componente de água e saneamento. E como não é tão fácil as pessoas aderirem, optámos por criar mais oportunidades e mais espaço para novos desafios com o objectivo de melhorar as nossas vidas, daí que tenhamos desenhado um projecto de criação de porcos e cabritos. Já contámos com 10 porcos. Os cabritos morreram.

@Verdade – Onde conseguiram dinheiro para a criação de animais e venda de peças ou acessórios de motorizadas e bicicletas?

AJ – Primeiro, desenhámos o projecto e de seguida ouvimos dizer que havia fundos de apoio na Direcção Provincial da Juventude e Desportos em Nampula, através do projecto Faísca. Concorremos e o nosso projecto foi aprovado, tendo beneficiado de um total de 23.700 meticais e com este dinheiro construímos o nosso escritório, comprámos animais para criar e peças de motorizadas e bicicletas para revender.

Temos vivido graças a essas actividades. Só que tivemos um problema. Um dos nossos membros, a quem tínhamos confiado a área de venda de peças de motorizadas, depois de um tempo, fugiu com 10 mil meticais e hoje encontra-se em lugar incerto. Mas a nossa maior satisfação é o facto de termos conseguido liquidar 60 porcento da dívida e acreditamos que poderemos, a curto prazo, finalizar os pagamentos.

@Verdade – Para além destas actividades, a associação tem outros projectos?

AJ – Temos o de reparação de bombas de água. Os furos de água, construídos a nível do distrito, quem repara são os membros da Associação de Artesão de Murrupula (AAM), e cada vez que fazemos a reparação sempre temos consciencializado a população local no sentido de manter limpos os locais onde tira a água. O nosso maior ganho nesta actividade tem sido a adopção de bons hábitos de vida na comunidade.

@Verdade – O que esperam nos próximos tempos?

AJ – Pensamos em criar um fórum de assistência às comunidades mais afectadas pela pobreza, queremos que elas aumentem as suas áreas de produção, levem os seus filhos à escola, deixem de fomentar casamentos prematuros e de levar os seus filhos à pastorícia. Queremos acabar com o trabalho infantil, visto que o distrito é muito conhecido nesse aspecto. Nós queremos que muitas crianças tenham uma formação académica. Queremos inverter o actual cenário e educar pessoas que possam olhar por este distrito no futuro.

O que nos levou a apostar mais nas componentes acima mencionadas tem a ver com o facto de, no processo de divulgação das nossas palestras e actividades, termos descoberto uma família no povoado de Marrocane, a 25 quilómetros da vila sede do distrito de Murrupula, que tinha obrigado o seu filho a deixar de estudar alegadamente porque deveria apostar na pastorícia, por ser uma actividade de rendimento. Mas, depois da nossa intervenção, a criança continuou a estudar e quem apascenta o gado durante o período lectivo é o pai.

O outro projecto passa pela transformação da nossa associação numa empresa de construção civil, e neste momento já estamos a lutar para tal. Queremos que as obras que são executadas a nível do distrito sejam executadas por nós, pois já provámos que temos capacidade.

@Verdade – Já tiveram o apoio do Presidente da República, por sinal nascido neste distrito?

AJ – Desde o primeiro mandato a única coisa que vimos foi a energia eléctrica, os famosos “sete milhões”, a sua casa em construção e mais pobreza, trabalho infantil, falta de emprego, falta de projectos de desenvolvimento e falta de fábricas ou indústrias.

Não quero dizer que ele devia direccionar todos os seus projectos para o distrito de Murrupula, mas, sendo um distrito no qual diz ter nascido, merecia ainda mais do que está a acontecer. Aqui o sistema de abastecimento de água não funciona, e a barragem ficou assoreada, a exploração de madeira não traz nenhum benefício à população, muito menos a exploração de recursos minerais, como turmalinas e ouro.

Os nossos recursos são explorados por garimpeiros e de uma maneira desordenada e sem sustentabilidade. O Presidente da República devia vir aqui mais uma vez viver os problemas da população e passar de banca em banca nos mercados, ou de casa em casa nas comunidades mais pobres, para ver o quanto a população está a sofrer.

@Verdade – Como é que olha para o nível de escolarização da população no distrito de Murrupula?

AJ – A escolarização no distrito de Murrupula está a caminhar aos poucos, mas precisa de mais consciencialização dos pais e encarregados de educação, principalmente as crianças órfãs que vivem com famílias adoptivas ou de acolhimento. Elas são relegadas à pastorícia, à actividade de campo e venda de produtos de consumo imediato como massaroca, amendoim, entre outros.

A maioria de jovens que já tem a décima segunda classe feita está estagnada, pois, devido à pobreza, não tem oportunidades para concorrer às universidades. A maioria tem apostado em alguns negócios ou na prática da agricultura de sustentabilidade. Aqui há muitas mulheres analfabetas, apesar de muitas já estarem a estudar.

@Verdade – Qual é o nível do associativismo no distrito de Murrupula?

AJ – Muitos desconhecem esta componente, embora já se fale do associativismo há bastante tempo, e porque a nível do distrito sempre que se cria uma associação pensa-se que a vida é só ganhar dinheiro, e de forma imediata. Não sabem que é no associativismo que se adquire conhecimento e experiência.

É por isso que quando a pessoa cria uma associação muitos começam a pensar que o presidente ou mesmo os responsáveis eleitos estão a beneficiar de algum fundo ou que está a desviar dinheiro, ao invés de implementar projectos.

A título de exemplo, aqui no distrito existiam muitas associações e muitas delas já desapareceram devido à desistência dos seus membros. A meta do distrito era a criação de 50 associações, tendo sido criadas 30. Porém, actualmente, Murrupula conta apenas com 12 porque falta o espírito de associativismo na juventude. A outra questão que se coloca é a falta de incentivos por parte do governo distrital.

Muitos jovens concorreram ao Fundo de Desenvolvimento Distrital mas os seus projectos nunca foram seleccionados. Não sei quais são os motivos, isso talvez esteja ligado ao número de projectos que são remetidos por ano, mas o mais preocupante é que são poucos os jovens que beneficiam dos fundos.

@Verdade – Existem jovens que promovem actividades de desenvolvimento com recurso a meios próprios em Murrupula?

AJ – Sim, existem. Há aqueles que abandonam a vila-sede e vão ao Marringué, como é conhecido o local de extracção de recursos minerais ou florestais, à procura do seu pão. Não tem sido uma vida fácil, porque muitos morrem. Mas acredito que se o governo distrital prestasse atenção aos jovens ou financiasse as actividades dessa camada a situação seria bem diferente.

@Verdade – Fala-se da instalação de uma Rádio Comunitária co-financiada pelo governo do distrito e pelo Instituto Vahocha. Em que estágio se encontra o projecto?

AJ – Quando isso foi anunciado parecia um projecto promissor, mas depois acabámos por descobrir que era uma burla perpetrada pelo Instituto Vahocha, que veio e pediu dinheiro em nome dos jovens de Murrupula. Apareceu um indivíduo conhecido por Milagre Zacarias, por sinal director ou coordenador do Instituto Vahocha, e disse que tinha muitos emissores e queria instalar uma rádio comunitária.

Ele conversou com os jovens do distrito de Murrupula para juntos desenharem um projecto e lançarem peditórios junto ao governo local para ser financiado. As autoridades responderam positivamente, tendo disponibilizado um total de 250 mil meticais, além de um edifício que seria reabilitado para a montagem do emissor. Mas, mal recebeu o fundo, convidou um grupo de 10 jovens para o seu instituto onde beneficiaram de alguns cursos e nunca mais voltou ao distrito.

E, devido a esta situação, o governo do distrito tem vindo a pressionar o Conselho Distrital da Juventude e outras associações, incluindo Associação de Artesão de Murrupula, para juntos promoverem acções no sentido de se recuperar os fundos desviados pelo Instituto Vahocha representado pelo seu respectivo coordenador, Milagre Zacarias. Caso não, nenhum jovem beneficiará de mais fundos ou de iniciativas promovidos pelas autoridades locais.

@Verdade – E o que é que os jovens estão a fazer para recuperar o dinheiro?

AJ – Estamos a pensar em processar judicialmente o senhor Milagre Zacarias, porque também já ouvimos dizer que tem vindo a promover cursos no seu instituto, financiado pelo Centro Regional Norte de Ciência e Tecnologia de Nampula. Na verdade, ele está a comprometer os demais jovens que deveriam beneficiar de fundos do distrito e não podem devido à sua atitude de má-fé. Mas nós, jovens do distrito, estamos a negociar junto do governo distrital para que sejam as autoridades distritais a processá-lo.

@Verdade – Quantas ONG’s trabalham no distrito, sobretudo as ligadas à promoção da cidadania, boa governação, protecção da mulher e da criança?

AJ – Disse que este era um distrito esquecido, somente temos a Visão Mundial que trabalha na área de protecção da criança. Existia esse projecto de construção de latrinas para várias escolas e algumas casas e nunca mais tivemos mais projectos.

@Verdade – Que avaliação faz da gestão do governo do distrito de Murrupula?

AJ – Há coisas que acontecem que não agradam aos jovens e, muito menos, à população. O governo distrital está apenas preocupado com pessoas ligadas ao partido no poder, e esquece que devia incentivar os que não estão ligados à Frelimo. O fundo de “sete milhões” só recebe quem pertence à Frelimo, mas a política era para todos os moçambicanos.

Antigamente, no mandato do administrador cessante, as coisas estavam melhores neste distrito. A população fazia limpeza na via pública e recebia comida em troca, principalmente as viúvas e pessoas sem capacidade de fazer trabalhos que exigem muito esforço. Mas, com o actual, nada disso acontece.

Queremos que a nível da província haja um dirigente com coragem de dizer que no distrito os “sete milhões” melhoraram a vida de fulano X ou Y. Na minha óptica, aquele dinheiro continua a ser usado de uma maneira duvidosa e não há inquéritos para saber se está ou não a ser bem gerido.

@Verdade – Como olha para o funcionamento dos serviços básicos no distrito?

AJ – No princípio, quando passámos a ter energia eléctrica de Cahora Bassa, estávamos muito alegres, mas foi sol de pouca dura porque desde o mês de Dezembro do ano passado ficámos por vezes uma semana sem corrente eléctrica devido a avarias, que só são reparadas quando a população se “rebela”. Só sabem cobrar dinheiro e taxas.

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