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Morte põe cobro a 17 anos de coma

Morte põe cobro a 17 anos de coma

Morreu Eluana Englaro, após 17 anos de coma e no meio de uma tempestade política. A longa agonia serviu de pretexto para uma batalha campal que impossibilitou uma discussão séria sobre a eutanásia e os limites do encarniçamento médico.

A italiana Eluana Englaro, de 38 anos, em coma profundo desde um acidente de automóvel em Maio de 1992, morreu segunda-feira à noite, quatro dias depois de lhe ter sido interrompida a alimentação artificial. A notícia foi dada pela clínica La Quiete, na cidade de Friul (Noroeste), onde estava há anos. A sua morte ocorre no meio de uma tempestade política que fracturou a Itália.

O pai, Beppino Englaro, que durante anos se bateu para que a deixassem morrer, apenas disse: “Sim, ela deixou-nos. Mas não quero dizer nada. Quero apenas estar só”. O Senado italiano, que discutia o caso, observou um minuto de silêncio.

Segundo a edição on-line de ‘La Repubblica’, as primeiras complicações clínicas começaram a surgir à tarde. Os médicos consideravam que o estado vegetativo em que se encontrava era irreversível, mas frisavam que ela não tinha lesões físicas, respirava por si e, portanto, poderia resistir talvez dez dias. Apenas lhe estavam a ser administrados sedativos. Aguarda-se a autópsia.

Durante anos, a sua agonia comoveu a Itália. A crispação estalou quando, em Novembro, a pedido da família, e ao fim de uma longa batalha judicial, o Supremo Tribunal autorizou a interrupção da alimentação.

A hierarquia católica lançou uma campanha. O jornal do Vaticano, o Observatore Romano, denunciou “o relativismo dos valores” sobre a vida e o risco de “uma orientação fatal para a eutanásia”. Um cardeal argumentou que há sempre a possibilidade de um milagre. “É o primeiro homicídio de Estado”, declarou um deputado católico. Pediram que a tutela de Eluana fosse retirada à família.

Beppino Englaro respondeu que a Igreja não lhe podia impor os seus valores porque a Itália “é um Estado laico”.

A politização

A interrupção da alimentação apenas começou sexta-feira. Nesse dia, o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, abriu um confronto. Fez aprovar um decreto que suspendia a aplicação do acórdão do Supremo. O Presidente da República, Giorgio Napolitano, recusou a promulgação, argumentando que o decreto era inconstitucional por violar a separação dos poderes e a independência da Justiça.

Para contornar o “veto”, raríssimo no sistema político italiano, Berlusconi recorreu a uma lei de emergência, que o Senado deveria votar hoje. Segundo o diário La Stampa, Berlusconi estaria inicialmente alheado do caso, até porque a maioria da opinião pública apoiava os pais de Eluana. Pressões do Vaticano terão sido decisivas na sua viragem de última hora. A Santa Sé desmentiu.

Napolitano encontrou um inesperado aliado: o veterano senador Giulio Andreotti, um “político do Vaticano” e símbolo do “antigo regime”.

Numa entrevista a La Stampa, confirmou a inconstitucionalidade do decreto e apelou à decência: “O calvário de Eluana não deve ser transformado num caso político, sob pena de o desnaturar culposamente. Há assuntos em que a política deve parar à porta da casa das pessoas”. Pediu uma lei ponderada e apelou à contenção do Vaticano.

O mais violento libelo contra a lei foi lançado pelo antigo juiz António Di Pietro. Berlusconi disse que não queria ser acusado de abandonar uma pessoa em perigo. “Por amor de Deus, Berlusconi caminha sobre o corpo de Eluana”, respondeu Di Pietro. Eticamente, dizia-se dividido.

A gravidade do caso, frisou, era política: Berlusconi “aproveitou a ocasião para partir o país, torná-lo ingovernável e instável, a fim de poder dizer que a Constituição não funciona e deve ser mudada”.

Sintomaticamente, a questão também abalou a esquerda. Walter Veltroni, líder do Partido Democrático e da oposição, declarou que votaria contra a lei mas deixou liberdade de voto aos seus deputados. A sua ala católica, encabeçada pelo antigo presidente de Roma Francesco Rutelli, inclinava-se para votar “sim”.

Se a esquerda se dividiu, também na direita uma escassa minoria defendeu que o caso fosse tratado como “problema de consciência”.

A opinião pública acabou por se partir ao meio. A virulência do confronto impossibilitou um debate sobre a eutanásia e os limites do “encarniçamento médico”. O diário Corriere della Sera lamentava ontem em editorial: “O conflito entre os ‘defensores da liberdade de escolha’ e os defensores da ‘sacralidade da vida’ degenerou em “militarização das consciências”. Concluía: “A politização da morte é a mais grave falta que uma democracia pode cometer”. Que se seguirá?

É semelhante ao coma, mas, por vezes, o paciente não parece estar a dormir. Os olhos podem abrir-se, e dão-se movimentos espontâneos dos olhos. Este estado é provavelmente o resultado da recuperação de algumas funções que governam os ciclos de sono e vigília, mas sem que o córtex cerebral esteja a funcionar. São apenas sinais do tronco cerebral e talvez algumas ilhas de córtex disfuncional que recuperam alguma função, dizia a revista Nature em 2007.

 

 

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