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Monstros que discutem a paz!

Quando Arcanjo Gabriel, que é artista plástico moçambicano e nenhum anjo, começa a esculpir a madeira para gerar arte, inaugura-se um trabalho através do qual, uma vez concluído, se instaura a paz. Dessa experiência, o curso da sua vida é uma metáfora; afinal, durante os anos da guerra dos 16 anos, em Moçambique, o criador escapuliu-se do conflito, refugiando-se na Swazilândia. Que importância tem a guerra? Apreciemos os seus “monstros” a travarem a sábia discussão. Quem sabe restauremos o sossego.

Quando entre 1985 e 1986, o escultor moçambicano, Arcanjo Gabriel Mazive, começou a relaciona-se com a arte, Moçambique – que já era independente desde 1975 – vivia um novo conflito militar, desta vez, entre a Renamo e o Governo moçambicano. Em resultado disso, enquanto decorria o fenómeno, estando em qualquer lugar sem se ter em consideração a actividade que estivessem a realizar, os jovens eram recrutados para a guerra.

“É que naqueles anos, quando se fosse jovem, devia-se ir ao conflito armado. Por isso, em certo sentido, a minha estada na Swazilândia representava uma fuga à situação”, recorda-se o artista que descobriu a sua afeição pela escultura na terra do Rei Mswati. Segundo o seu relato, na Swazilândia dos anos de 1980, havia muitos moçambicanos. Basta que se tenha em mente que a maior parte das galerias, em que se expunham as esculturas em espaço público, pertenciam aos moçambicanos.

“Quando questionei a algumas pessoas sobre os produtores das obras, disseram-me que eram os machangana de Moçambique. Fiquei intrigado, mas, ao mesmo tempo, também estimulado a visitar com maior frequência as galerias até que comecei a ganhar uma paixão por essa expressão artística”, recorda-se.

Sucede, porém, que nos finais de 1986 (quando desiludido com as más condições laborais na Swazilândia) Arcanjo Gabriel retorna a Moçambique, onde se reencontra com o seu amigo André Filipe Massango que, na altura – em resultado do seu contacto com o músico Gabar Mabote – já se dedicava à escultura.

“O cantor é que desenhava as nossas esculturas”. O autor da escultura “Os Cinco Globalizados Pelo Ozono”, que argumenta que não se pode ensinar alguém a apreciar arte sem manter contacto com ela, explica que – por causa do amor que nutre por ela – a sua aprendizagem artística não foi difícil. Estudou Serralharia Civil na Escola Industrial da Matola, onde vive, mas não se dedica ao ofício.

Uma eterna busca pela paz

Arcanjo Gabriel Mazize, de 48 anos, refere que, muitas vezes, a sua inspiração advém dos valores da africanidade com particular destaque para o movimento da negritude. “Quando viajo para as zonas rurais, sobretudo, para a terra do meu pai, em Inhazilo, no distrito de Manjacaze, fico muito inspirado”.

Desde sempre, como relata, a sua criação se focalizou na preservação da tranquilidade. Por exemplo, a escultura “Anjo da Paz” foi exposta numa mostra colectiva, em 2003, no entanto, com a instabilidade política em Muxúnguè, esta criação – que está exposta na Mediateca do BCI – Espaço Joaquim Chissano – acaba por ganhar enquadramento na discussão. Mazive explora o tema paz – ou a sua ausência – com base em fragmentos e signos do quotidiano.

“Na Escola Primária de Inhazilo, onde o meu pai estudou, existe o ‘Ndhindhassi’ que – nos recorda a máquina de terraplanagem – é um instrumento muito pesado. O meu pai explicou- me que, no tempo colonial, a ferramenta era arrastada por homens que construíam as estradas. As pessoas trabalhavam forçadas – o que significa que nessa época clamavam pela paz”. Nas palavras que se seguem, a exposição do artista não difere de um clamor colectivo do povo pelo calar das armas.

“No nosso país, logo depois da independência, tivemos a guerra dos 16 anos. Durante esse tempo, ao longo da minha juventude, sofri muito. Infelizmente, estou a perceber que se o conflito eclodir, novamente, o meu filho – que está em idade militar – também irá prantear. Quando é que iremos descansar? Quando é que teremos paz? Como é que eu posso transmitir esse sentido sem estar em tranquilidade comigo? No nosso país, é quase impossível ter o sossego do ego”.

Em 2012, Mazive encontrou outro ‘Ndhindhasse’ muito maior que, na sua opinião, devia ser conservado num espaço museológico. “Há muitos anos que está ao relento e devia ser conservada porque esta ferramenta explica partes da nossa história”.

Lutar pela arte

Nos anos da sua iniciação artística, na cidade de Maputo era muito fácil encontrar emprego. E os seus pais não queriam que ele se dedicasse à arte porque não é comprada. “Diziam que eu estava a perder tempo, fazendo-me passar por um velhote a esculpir a madeira. Para eles a escultura era uma actividade reservada aos idosos. A minha família colocou muitos impasses na minha relação com a arte”.

No entanto, porque quando uma pessoa gosta de algo que lhe dá satisfação e felicidade (até porque não basta ter dinheiro) deve persistir. “Eu fui renitente e travei uma batalha muito grande pela arte”.

O resultado da sua luta tardou, mas – finalmente, em 2008, quando ganhou o Prémio FUNDAC Alberto Chissano na secção de Escultura – chegou. “Fiquei muito feliz”. De uma ou de outra forma, de acordo com Mazive – cuja maior parte das suas mais de 50 obras que constituem a sua colecção artística é inédita – não tem sido fácil viver de arte no país.

“Felizmente, eu tenho algum suporte que me garante a sobrevivência. Muitas vezes, nós, os artistas, ficamos frustrados. É que quando não se tem o pão de cada dia, é possível vendermos uma obra avaliada em 20 mil meticais por apenas dois”, revela reiterando que “isso acontece e deve acontecer porque, para sobreviver, o artista depende da sua criação”.

Ainda na temática da paz, o escultor Mazive possui a obra “Dois Pólos” que, além da ideia do choque ou conflito, explica que os opostos podem conviver, pacificamente, e contribuir para o equilíbrio, desde que respeitem os limites da liberdade de cada um.

No entanto, em “Os Cinco Globalizados Pelo Ozono”, o artista desenvolve uma discussão ambientalista em que apesar de a região do Pólo Norte dominar o resto do mundo – em quase todos os aspectos, incluindo a emissão do gás carbónico – a verdade é que os impactos que daí resultam, mormente, o desequilíbrio ecológico, prejudicam a humanidade. “Enquanto os Homens não reajustarem a sua actuação, o nosso planeta continuará a degradar-se”.

Porque é que as pessoas devem visitar a mostra PAZ (do escultor Arcanjo Gabriel Mazive) patente na Mediateca do BCI – Fomento, Espaço Joaquim Chissano, em Maputo? O facto é que “quando começo a produzir uma obra de arte, enfrento um desafio grande. No entanto, no fim, fico em paz. Creio que os apreciadores das minhas criações devem viver esta experiência”. Foi também por isso que nós visitámos a mostra que encerra no dia 07 de Julho.

 

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