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Moçambique não se deve agarrar ao Banco Mundial

Moçambique não se deve agarrar ao Banco Mundial

A coordenadora da Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Concertado (AMDEC), Gilda Jossias, afirma que Moçambique deve introduzir métodos inovadores de combate ao desemprego, às más condições de saneamento e visando melhoria da implementação abrangente da protecção social, pois o sucesso do país na luta contra a pobreza não passa somente pelos financiamentos do Banco Mundial ou doutras entidades congéneres. Falando numa entrevista que concedeu ao @Verdade, a activista classificou de ilusória a resposta que o Governo está a dar, neste momento, aos problemas que afectam a população.

@Verdade: Qual é a razão do nome Desenvolvimento Concertado?

AMDEC: Esta foi uma escolha que fizemos dentre as várias opções que tínhamos na altura da constituição da nossa associação. Pensámos que nos identificava melhor esse nome, devido à nossa forma de abordagem que culmina com o “concertado”. Fazemos uma intervenção a nível comunitário que parte para uma concertação com os beneficiários das nossas acções. Na comunidade, nós avaliamos as prioridades de desenvolvimento local tendo em consideração as perspectivas dos beneficiários e fazemos uma concertação com as lideranças locais, distritais e por vezes com os municípios. Daí o concertado. Achamos que a nossa abordagem é feita de forma concertada.

@Verdade: Que trabalhos concretos desenvolve a AMDEC ao nível das comunidades?

AMDEC: A AMDEC é uma organização não-governamental que nasceu em 2003 e começa a actuar no ano seguinte. Nessa altura tínhamos como foco prioritário, que continua o mesmo: a educação. Ou seja, a AMDEC intervém na área de educação pré-escolar com enfoque em crianças carenciadas com idades entre três e cinco anos. Olhamos também para o ensino básico e apostamos na melhoria de infra-estruturas escolares, formação de professores, dos conselhos de escola, dos gestores escolares e promovemos hábitos de leitura. Isto tudo na perspectiva de contribuirmos para a melhoria da qualidade de educação.

@Verdade: E no sector da Saúde?

AMDEC: Estamos igualmente a intervir na área de saúde preventiva focando-nos principalmente no VIH/SIDA, acompanhamento familiar para questões ligadas à higiene, ao planeamento familiar, entre outros assuntos. Realizamos trabalhos na área de saneamento, fazendo intervenções na educação sanitária. Já construímos valas de drenagens no interior dos bairros da Mafalala e Maxaquene. Estamos também em colaboração com o Município de Maputo na componente de ordenamento urbano em parceria com a Faculdade de Arquitectura. Estamos actualmente a fazer estes trabalhos no bairro de Chamanculo. Como consolidação da nossa abordagem, a AMDEC empodera as comunidades para que as acções possam continuar. Neste caso, apoiamos associações locais que são as implementadoras últimas das nossas iniciativas. Onde não há uma associação local, mobilizamos pessoas no sentido de se criar grupos de interesse que se possam tornar associações ou movimentos, mas na perspectiva de capitalizar o que estamos a fazer com as comunidades. Exemplo disso é a presença de centros comunitários construídos onde efectivamente trabalhamos.

@Verdade: Como funcionam esses centros comunitários que vocês criam? E a vossa relação com elas tem sido a longo prazo?

AMDEC: Criámos uma espécie de gabinete que funciona como um gabinete de apoio e formação para as chamadas Organizações Comunitárias de Base (OCB). O nível administrativo e organizacional é que tem enfraquecido bastante as organizações, mas nós fazemos o suporte, quase que contínuo. Temos, por exemplo, o escritório perto para que as organizações que não têm acesso à Internet ou ao computador ou a cópias, etc., se possam servir dos recursos desse escritório. O mesmo gabinete de apoio está também em Magude, com acções viradas para o combate à violência e outras temáticas. Através do gabinete damos apoio na criação de plataformas e fortalecimento das mesmas. Na componente de formação das organizações locais estamos em Maputo Cidade e Província, bem como na Beira.

@Verdade: O apoio a essas comunidades é feito através de disponibilização directa de fundos ou limitam-se a prestar serviços sociais?

AMDEC: Para a educação pré-escolar somos obrigados a criar infra-estruturas para desenvolver actividades, apesar de o pré-escolar ser uma prioridade nacional e sem recursos suficientes do Governo para que ela possa abranger todas as crianças de famílias que não têm condições para levarem os seus filhos para uma escolinha privada. As estatísticas dizem que menos de cinco porcento de crianças é que têm acesso ao ensino pré-escolar. Criámos infra-estruturas e formámos educadores que desenvolvem esta actividade. A nível do ensino básico, estamos a construir salas de aulas e a reabilitar algumas escolas, como é o caso da Escola Primária da Unidade 10 e da Escola Primária da Unidade 13, e garantimos a manutenção destas escolas. Ainda criámos núcleos escolares de saúde de combate ao VIH/SIDA.

@Verdade: A AMDEC tem os seus próprios formadores?

AMDEC: Temos uma equipa capacitada para as actividades de formação, mas também temos o recurso a formadores, porque uma instituição deve também funcionar com recursos humanos mínimos, e alguns são contratados quando precisamos de fazer parcerias. @Verdade: Quem são os vossos parceiros? AMDEC: Temos a União Europeia, que foi sempre o nosso parceiro principal, algumas organizações espanholas, e já tivemos financiamentos da cooperação canadiana. Nunca fomos bater as portas ao Governo…

@Verdade: Porquê?

AMDEC: Porque achamos que o Governo está muito avançado em termos de estratégias e há áreas que são cruciais, há áreas que são frágeis, como a área de protecção social, a questão da desnutrição crónica é uma estratégia nacional. O que nós esperamos que aconteça a curto prazo é que estes sectores que gerem estas estratégias a nível do Governo possam mobilizar recursos para as organizações implementadoras.

@Verdade: Há semanas foi divulgado o Relatório de Desenvolvimento Humano que indica que Moçambique tem fragilidades no âmbito de protecção social, fraca qualidade de ensino, falta de emprego para jovens, entre outros problemas. Como é que a AMDEC olha para o empenho do Governo em relação a esses assuntos apresentados no relatório?

AMDEC: O relatório toca de uma forma real aquilo que são os reais problemas do país. Existem fraquezas e há uma necessidade de o Governo agir rapidamente contra essas situações. Existem estratégias claras que definem o que deve ser feito. Achamos que o Governo devia fazer um pouco mais, como mobilizar os recursos para responder a estes problemas que não são apenas responsabilidades do Governo, mas do povo em geral. A melhoria da qualidade de educação não passa somente por o Governo investir em recursos e etc., mas passa pelos professores, que devem assumir o seu papel na transferência de conhecimentos. Então, deve-se apostar mais nas metodologias mais inovadoras de ensino e aprendizagem para concorrermos para as mudanças. A resposta que o Governo está a dar neste momento é quase ilusória. Temos o Banco Mundial a financiar o ensino pré-escolar, que visa preparar as crianças para ingressarem na escola e a dificuldade parte daí: nas zonas rurais há muitas crianças sem acesso ao pré-escolar. Estes elementos todos não vão concorrer para a melhoria do ensino; deve- se investir um pouco mais, não se olhar apenas para as estratégias financiadas pelo Banco Mundial. Há uma responsabilidade muito grande do Governo com vista a investir realmente, a nível financeiro e humano, na implementação das estratégias. Eu vejo este défice. Temos tudo bonito, mas no terreno ainda há um passo muito longo a ser dado.

@Verdade: Acha que as mulheres têm capacidade para obter 50 porcento de cargos no sector público até 2015?

AMDEC: As mulheres já têm boas experiências, mas acho que se devia fazer mais; por exemplo, nas províncias, quase que as mulheres assumem posições meramente masculinas, o que significa que elas têm capacidades. Uma coisa é aquilo que nós perspectivamos em termos estatísticos, de querermos ver tudo realizado em 2015, mas não nos esqueçamos de que é uma questão cultural e, por isso, deve haver um trabalho de bastidores ou de base que vai influir para que este resultado seja real. Não basta querermos ver os resultados, deve haver muito trabalho para a mudança de comportamento, para que os decisores também percebam que se trata de facto de um assunto sério e que não há nenhuma dificuldade em termos de capacidades. A barreira cultural não só incide em pessoas analfabetas, mas também em pessoas letradas e intelectuais. Temos muito trabalho a fazer a todos níveis.

@Verdade: Voltando às questões ligadas à associação: em relação à rapariga, o que a AMDEC faz exactamente?

AMDEC: Temos trabalhado com sectores associados à educação, saúde e acção social em áreas estratégicas de violência e género. Em relação a gravidezes precoces, acho que as estratégias estão a falhar. Olho para esta vertente do mesmo modo como olho para a questão da prevenção do VIH; os índices tendem a subir nas zonas urbanas. Temos muita publicidade em todos os órgãos de comunicação social, mas os índices continuam a aumentar. Alguma coisa está a falhar, pode ser que tenha a ver com mudanças de comportamento, questões culturais que estão muito vincadas quanto ao VIH/SIDA e mesmo às gravidezes precoces e casamentos prematuros. Não podemos generalizar afirmando que os índices estão a aumentar em todo o país, há regiões onde o mesmo não está a acontecer. Suponho que sejam estes os factores.

@Verdade: Quantas pessoas já beneficiaram do vosso apoio?

AMDEC: Fazendo uma estimativa, já apoiámos pelo menos seis mil crianças de famílias carenciadas e igual número de famílias. Ao nível de escolas, por ano trabalhamos com cerca de 10 mil crianças.

@Verdade: Que dificuldades enfrenta a associação?

AMDEC: A primeira dificuldade é o acesso ao financiamento, como várias outras organizações. Devido à crise na Europa, a nossa carteira de financiamentos reduziu muito e, neste momento, temos massificado a nossa estratégia de facturamento para angariarmos novas parcerias de modo a não pararmos. A nível de infra-estruturas, estamos felizes pois temos um local que é da AMDEC; isso ajuda-nos bastante por não termos que pagar arrendamento.

@Verdade: Quais são os projectos em curso?

AMDEC: Temos projectos na área de educação, que consistem em expandir bibliotecas escolares, criar bibliotecas móveis, e temos prevista a formação de 60 professores no distrito municipal Ka Maxaquene. Pretendemos também desenvolver um manual de leitura e escrita, desenvolvido pelo sector científico da Educação e de uso nacional. Estamos a desenvolver junto do Município e da Faculdade de Arquitectura um plano de ordenamento e já temos ideia do que seria necessário para criar ruas e ver outros assuntos relacionados. Estamos também a desenvolver a componente de saneamento e vamos financiar alguns microprojectos no Chamanculo e em Magude, que serão propostos pelas organizações dentro daquilo que é o plano de desenvolvimento que está inserido no plano de ordenamento, bem como componentes de género, violência e governação.

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