Cortesias, Ungulani Ba Ka Khosa. Não sei se te trato por pedagogo, vidente ou escriba. Acho melhor que te trate por escriba (por sermos colegas), pois assim evito cair no erro de ofender a tua incorruptibilidade literária. Embora não me conheças como escriba (pois encontras-te numa outra galáxia literária), redijo-te esta luca como forma de fazer uma vénia ao teu percurso literário.
Primeiro, quero congratular-te pelos vinte e cinco anos de percurso literário. Eis a minha aspiração: que venham mais cabelos brancos para tornar a tua cabeça um terraço de algodão. Conheci-te, por via da tua escrita, no ensino pré-universitário quando, nessa época, finais dos anos noventa, era um imperativo categórico e pedagógico resumir a tua obra «Ualalapi». Confesso que eu e o meu amigo (Hermenegildo Chambal), no princípio, não apreciámos a ideia. Contudo, porque esse exercício assentava numa avaliação, tivemos de fazer a sinopse do teu livro. A resmungar, lemos o manual. Todavia no final fomos os teus propugnadores. Depois dessa iniciação e outras paralelas, a literatura não saiu mais de mim. Por causa do teu «Ualalapi» tive de aprender a ler outros escritores moçambicanos como, por exemplo, Mia Couto, Paulina Chiziane, Eduardo White, Carlos Cardoso, Nelson Saúte e Calane da Silva. Uma coisa sempre me intrigou, mas nunca tive a opurtunidade de perguntar: Damboia é uma invenção tua ou realmente existiu uma senhora que poluiu os peixes com o seu cataménio?
Tenho de admitir que és um escritor de romance histórico onde a preocupação de trabalhar com as fontes faz com que o teu género literário encontre uma grande receptividade, seja pelas massas da cultura média, seja por parte das elites convencionais. Sei que juntas ao real, histórico, o que é ficcional. Vejo nas tuas obras o mundo que retratas e que pode ser facilmente entendido e aceite por nós. As imagens e símbolos arquetípicos, embora perenes e universais, são vivenciados e valorizados de modos diferenciados em cada livro que escreves e, por essa razão, a tua escrita é um importante elemento de identificação cultural em Moçambique. Gosto da tua contribuição quando ela, de modo essencial, ajuda na reflexão atinente às diversas identidades culturais e aos relacionamentos multidimensionais entre culturas diferentes que fazem a moçambicanidade.
A prova do que acabo de dizer está patente nas seguintes obras: «Orgia dos Loucos» (1990), «Histórias de Amor e Espanto» (1993), «No Reino dos Abutres» (2001), «Os Sobreviventes da Noite» (2005) e «Choriro» (2009) e «Entre as Memórias Silenciosas» (2013). Apesar de muitos moçambicanos amarem a tua obra e já terem lido alguns dos livros aqui citados, há um que escapa a muitos de nós. Falo do livro editado por Niyi Afolabi que tem como título «Emerging Perspectives on Ungulani Ba Ka Khosa: Prophet, Trickster, and Provocateur». Este é um livro que, sob vários prismas, fala da tua obra literária.
Presentemente, és Secretário-Geral da AEMO (Associação dos Escritores Moçambicanos) e um dos membros seniores do INLD (Instituto Nacional do Livro e do Disco). Com estes dois domínios nas tuas mãos, muitos olham-te como uma brisa para a resolução de muitos dos problemas que entristecem os escribas, dentre eles: (i) os direitos de autor e (ii) o sistema ISBN (International Standard Book Number) moçambicano que servirá como um sistema identificador único para livros e publicações não periódicas em Moçambique. É meu desejo que Ungulani Ba Ka Khosa crie plataformas de anuência e bem-estar entre os escritores e que limpe algumas frases como: «estás a proteger a tua geração – Charrua» ou «muitos escritores não estão filiados na AEMO porque esta está politizada». Eu confio, nos teus créditos.
Ungulani, afianço que com a tua literatura e a tua postura, como agente literário mudarás o olhar extrínseco que vislumbra a Literatura Moçambicana como estando assente numa plataforma sem cronografia. Nas prateleiras do mundo literário não devemos aparecer, sempre, como uma literatura periférica e sem bases esclarecedoras. Com a tua literatura provamos que temos um lugar no mundo. Moçambique tem uma literatura frutífera e a prova disso é o Prémio Camões que foi atribuído a Mia Couto, este ano e a José Craveirinha (1999). É minha ambição que tu ganhes o Prémio Camões. Quiçá, o Nobel!
Termino afirmando que a Literatura Moçambicana deve espelhar uma ideia de Nação Moçambicana, mesmo sabendo que é composta por indivíduos e grupos que podem ser muito diferentes entre si. Apesar dessas diferenças, a partir de certo grau de generalização, a moçambicanidade congrega esses indivíduos e grupos em torno de uma identidade compartilhada, chamada identidade nacional ou mesmo civilizacional. Ao que afirmei previamente, será possível efectivar, se criares livros que espelhem o que nós – os moçambicanos – almejamos como Nação. Obviamente, que essa tarefa é de todos os escribas desta Pérola do Índico, mas é em ti que a responsabilidade, na maioria das vezes, recai pelos comprometimentos que carreteias e pela galáxia onde chegaste como literato.
Já agora: sobre o teu pseudónimo – Ungulani Ba Ka Khosa (diminuir os Khosa). Porque queres, tanto, diminuir os Khosa, se tu ostentas esse apelido? Porque tens sangue Tsonga e oscilas entre os Ndau e os Macena? Mais do que diminuir os Khosa ou outra etnia moçambicana devias, por causa da mestiçagem que transportas, mudar de nome e ostentar um que indique o alargamento das etnias moçambicanas: ‘Kuyenguesela Moçambique’.
‘Kuyenguesela Moçambique’ é pseudónimo de Francisco Esaú Cossa. Aquele abraço. Paz!