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Miriam Makeba – Longe como os elefantes

Miriam Makeba - Longe como os elefantes

Ela não sabia que a morte desabaria sobre o seu corpo possante no local mais sagrado da sua vida: o palco. Nem o podia saber. Para além de que nunca se preocupou com a última fasquia dos lugares que lhe estavam destinados.

Makeba tinha jurado várias vezes não voltar aos estrados da música, – depois de muitas décadas, ou melhor, depois de entregar toda a sua vida ao canto – mas é a efervescência vulcânica que ela traz em todo o seu ser, que vai desmentir esta mulher que será lembrada em todo o mundo pelas sementes de liberdade e amor que espalhou ao longo do tempo. A tloza mais amada em toda a África do Sul, idolatrada na África e respeitada no planeta inteiro, oscilou por sobre a calçada e tombou a caminho dos oitenta anos (tinha 76), longe dos seus, como os elefantes que abandonam a manada quando pressentem a chegada da morte.

 

Makeba já tinha ultrapassado os limites da nacionalidade, e será imensa estupidez exigir o passaporte nas fronteiras e nos aeroportos àquela que será o próprio passaporte para as pessoas passarem das grades à liberdade. Ela será também – depois de Nelson Mandela – a segunda lamparina, no mesmo campo daqueles todos que tinham como missão na terra, acabar com os algozes. Miriam Makeba era mais do que tudo isso: mais do que uma tloza e ex-mulher do baixinho Hugh Masekela. Esta mulher será também o oásis nas desumanas celas do apartheid.

Harry Belafonte, cantor e actor americano-negro, terá recebido a tarefa divina de atravessar o caminho de Miriam, em Londres, onde encontrou a sul-africana no auge do sucesso e prestígio. Então Belafonte não resistiu a pujança artística de Makeba, levando-a para os Estados Unidos da América. Na terra do Tio SaM gravou vários discos de grande popularidade naquele país. A sua canção Pata Pata tornou-se um enorme sucesso mundial. Em 1966, os dois ganharam o Prémio Grammy, na categoria de música folk pelo disco An Evening with Belafonte/ Makeba.

É nos Estados Unidos – em 1968 – onde começam os problemas de Makeba, quando se casou com o activista político Stokely Carmichael, um dos idealizadores do chamado Black Power, por-voz dos Panteras Negras, levando ao cancelamento dos seus contratos de gravação e das suas digressões artísticas. Por este motivo, o casal mudou-se para a Guiné, onde se tornaram amigos do presidente Ahmed Sékou Touré. Nos anos 80, Makeba chegou a servir como delegada da Guiné junto da ONU que lhe atribuiu o Prémio da Paz Dag Hammarskjold . Separada de Carmichael em 1973, continuou a vender discos e a fazer espetáculos em África, América do Sul e Europa.

A morte da sua fi lha única em 1985 levou-a a mudar-se para a Bélgica, onde se estabeleceu. Dois anos depois, voltaria triunfalmente ao mercado norte-americano, participando no disco de Paul Simon: Gracelan e na digressão que se lhe seguiu.

Com o fim do apartheid e a revogação das respectivas leis, Miriam Makeba regressou fi nalmente à sua pátria em 1990, a pedido do presidente Nelson Mandela que a recebeu pessoalmente à chegada. Na África do Sul, participou em dois fi lmes de sucesso sobre a época do apartheid e do levantamento de Soweto ocorrido em 1976.

Agraciada em 2001 com a Medalha de Ouro da Paz Otto, outorgada pela Associação da Alemanha nas Nações Unidas “por relevantes serviços pela paz e pelo entendimento mundial”, Miriam continuou a fazer shows em todo o mundo e anunciou uma digressão de despedida, com dezoito meses de duração.

Em 9 de novembro de 2008, apresentou-se num concerto a favor de Roberto Saviano, em Castel Volturno (Itália). No palco, sofreu um ataque cardíaco e morreu no hospital na madrugada do dia 10 de novembro. “Uma das nossas maiores cantoras de todos os tempos parou de cantar”, declarou em nota ofi cial Nkosazana Dlamini Zuma, ministro da Cultura sul-africano acerca de morte de Mirian Makeba, um dos símbolos das lutas contra a opressão dos negros na África. “Ao longo da sua vida, Mama Makeba comunicou uma mensagem positiva ao mundo sobre a luta das pessoas na África do Sul e a certeza das vitórias sobre as forças malignas do apartheid e do colonialismo através da arte de cantar”, concluiu ele no seu discurso.

O elogio é merecido, embora venha daqueles que justamente traíram esta luta que custou, o exílio, a tortura e a morte de incontáveis militantes negros.

Ela morreu na madrugada do dia 10 deste mês, poucas horas após ter desmaiado ao final de um show em defesa do escritor Roberto Saviano que atualmente está ameaçado de morte pela máfia italiana.

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