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Xïkwembo: Mestre Índia

– Tomaste banho? Dormiste a que horas? O que comeste ao jantar? Usaste muito o laptop? O mestre decide o que acontece, o que eu como, quando como, o que visto, quando visto.

O mestre decide como penteio o meu cabelo – apanhado; como são as minhas roupas – largas e longas; como caminho na rua – de sombrinha, olhos no chão e sempre acompanhada… na Índia o mestre decide.

Vamos às compras, porque obviamente que a roupa que trago “is not allowed” nas ruas de Kerala, o mestre discute com o vendedor de tecidos o cumprimento da minha túnica, já para não falar das calças enormes que eu vestirei com ela.

Eu tenho de novo 13 anos! É o que sinto aqui.

Eu viajo para aprender, para experimentar, para sair das minhas rotinas, dos meus hábitos, dos vícios do “eu”, pelo menos durante algum tempo.

Por isso eu, embora não entenda as razões, aceito.

É bom exercício para o ego aceitar. Apenas, assim mesmo, sem engelhar a testa ou levantar a voz, apenas aceitar.

Estou na Índia a aprender, vim para estudar uma forma de arte muito antiga, das mais antigas do mundo. Estudo Kathakali, uma dança que conta as estórias dos livros sagrados da índia.

Uma forma de teatro onde o actor mostra por gestos, por expressões faciais, por intrincados movimentos rítmicos de pés e com a ajuda de complexos figurinos e magnífica maquilhagem, as estórias das invejas dos homens e das protecções dos deuses. Esta forma de arte é originária de Kerala, Estado na costa ocidental do Sul da Índia.

Esta costa olha um mar, o mar que encontra Moçambique. E, na minha primeira ida à praia eu tenho vontade de chorar.

– Joana, you do not take swim! Not with that dress!!! – eu não vou explicar ao mestre que não tinha intenção de tomar banho com o meu vestido de algodão bordado de brilhantes, não, porque para mim, lá de onde venho, o banho de mar é coisa especial, sagrada e despida de tudo o que o homem inventou. Mas vim aqui para aprender, para experimentar não ser eu, aceito.

De pés mergulhados na água morna do Índico, de calças XXL pesadas pela água, eu fecho os olhos e sinto Moçambique, láaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, na outra margem.

– Are you praying? – eu não sou religiosa, mas sim, talvez o mestre tenha razão, é quase isso o que me faz pôr as mãos no coração, fechar os olhos e sentir Moçambique.

– I like that. Tourists do not do that. There are many tourists here, but I think you are not one.

– Me? No…

– Promise?

Não ser turista é caminhar no conforto desse outro povo que visitamos, mesmo que seja o nosso desconforto.

Aqui é sentar no chão, invariavelmente sujo, e comer, com a mão, ainda desajeitada. É beber água quente e amarela (jeera gum) quando nos apetece água mineral com gele.

É mudar no corpo as vestes, vestir punjab exagerado ou saree complicado, quando nos apetecia um bikini. É na boca mudar os gostos, incendiar no estômago os apetites. É talvez mesmo mudar os desejos da mente. Sim, isso principalmente.

E eu? Prometo que vou conseguir?

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