Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Médicos mantém Greve em Moçambique pelo 8º Dia

Os médicos moçambicanos, filiados à Associação Médica de Moçambique continuam de greve, “mais forte do que nunca” afirmaram os profissionais da Saúde que nesta Segunda-feira (14), oitavo dia da paralisação laboral, reuniram-se no Instituto Superior de Ciências de Saúde, em Maputo.

Entretanto o nosso repórter constatou no local a presença de mais médicos especialistas e com longos anos de trabalho no Serviço nacional de Saúde desmentindo desta forma as informações de que apenas os médicos mais jovens é que estão a participar da greve.

No que diz respeito à retomada do diálogo entre as duas partes, AMM e Ministério da Saúde, o médicos grevistas recusaram a participação da Organização dos Trabalhadores Moçambicanos (OTM) alegadamente porque a organização sindical é influenciada pelo partido no poder, a Frelimo.

No seguimento do encontro desta Segunda-feira a direcção da AMM chamou a Imprensa para dizer que os médicos, sobretudo os da cidade e província de Maputo, estão cada vez vais mais unidos.

A referida união, segundo o porta-voz do encontro, Paulo Samo Gudo, está no facto de no encontro desta segunda-feira terem participado entre 350 a 360 médicos, contra os 241 que aderiram à concentração da semana passada na Praia da Miramar e 303 no Jardim Dona Berta.

“Os médicos estão cada vez mais unidos em prol desta causa. A greve continua e a associação tem o apoio dos médicos para continuar a negociar com o Governo. Estamos a traçar uma estratégia de modo a ver esta situação ultrapassada de uma vez por todas. Deve haver uma forma que beneficie tanto o povo como os médicos”, disse Samo Gudo.

Nas suas palavras, assim que houver um acordo entre os médicos e o Governo a greve cessará e ai “voltaremos às actividades normalmente. As negociações decorrem há muito tempo, mas não de forma favorável para os médicos. A greve foi oúltimo recurso. Agora acabe ao Governo, responsável pela providência dos cuidados de saúde aos moçambicanos, achar a solução para este problema”.

Questionado em que estágio estão as negociações entre AMM e o Executivo, Samo Gudo respondeu, sem evasivas, que nenhum detalhe sobre as referidas negociações virá a público antes de haver um acordo entre as partes.

Os antecedentes da greve

A greve dos médicos filiados à Associação Médica de Moçambique (AMM), motivada pela insatisfação da classe em virtude da deterioração das condições do seu trabalho ante a alegada despreocupação do Governo em melhorá-las, foi precipitada pela desvalorização das suas exigências por parte de quem de direito.

A insatisfação no seu seio dos terapeutas tem-se manifestado há muito tempo. Em 2008, por exemplo, teria sido agudizada pela retirada dos médicos das residências atribuídas pelo Governo nas províncias, através da circular 191/GMS/08 de 16/06/2008. Eles apelaram, insistentemente, aos governos provinciais para que esta mesma circular fosse anulada. Ninguém lhes deu ouvidos.

Por isso, a 26 de Outubro de 2012, a Ordem dos Médicos e a Associação Médica de Moçambique escreveram, sem sucesso, uma carta ao ministro da Saúde, Alexandre Manguele, na qual apelavam para que o governante mandasse revogar a circular em causa.

Face a esta situação, a 24 de Novembro do ano passado, num encontro que juntou cerca de 200 médicos na Sala Magna da Faculdade de Medicina da UEM, em Maputo, os médicos decidiram recorrer à greve como último recurso para exigir a melhoria das precárias condições a que o médico nacional está votado, numa situação em que o estrangeiro goza de mordomias.

Refira-se que nessa altura os médicos tinham como principais inquietações a aprovação de um salário justo, habitação e um Estatuto Médico que dignifique a classe. Desde 1995, ou seja, há 17 anos que os terapeutas lutam por um estatuto nesse sentido. “Mas sempre foram invocadas inconveniências socioeconómicas e políticas relacionadas com a conjuntura do país para a sua não aprovação”.

A AMM considera que o Estatuto do Médico aprovado pelo Conselho de Ministros e já submetido à Assembleia da República a 23 de Julho de 2012 para apreciação e aprovação, não reflecte os anseios dos agremiados.

No fim do encontro, produziu-se uma acta que sintetizava os vários pontos debatidos. Em relação ao estatuto, os médicos determinaram que eles deviam ser razoáveis e esperar até 31 de Março de 2013. Contudo, quanto ao salário, a aprovação deve ser imediata, “para Janeiro de 2013; podendo ser efectuado um decreto-lei para o efeito, pois há cabimento orçamental e são dois documentos diferentes”. É neste contexto, que, neste momento, a batalha dos médicos é ver os seus salários imediatamente melhorados.

Os primeiros encontros de diálogo

A AMM pressionou, várias vezes, o Governo para que este resolvesse os seus problemas. Na tentativa de “tapar o sol com a peneira”, o Executivo prometeu, por exemplo, que o Estatuto do Médico seria aprovado na última sessão da Assembleia da República, o que não aconteceu. Entretanto, aquela agremiação elaborou, a 14 de Setembro de 2012, uma carta a solicitar à Assembleia da República que discutisse este instrumento a fim de que fosse implementado nos primeiros meses de 2013. Uma vez mais, não houve resposta.

Mesmo assim, a AMM teve conhecimento de que dos vários pontos que estavam agendados para a última sessão não constava o Estatuto do Médico. No dia 19 de Novembro, o Ministério da Saúde (MISAU) reuniu com a Ordem dos Médicos e com a AMM e entregou-lhes a versão final do Estatuto do Médico e uma proposta salarial. No dia 20 do mesmo mês, a AMM reuniu o seu Conselho Geral. A explicação do MISAU fundamentava-se no facto de que o Estatuto do Médico não poderia ser aprovado sem a simultânea aprovação do estatuto de outras categorias profissionais. Temia-se uma greve dos enfermeiros.

Carta ao Primeiro-Ministro

Indignados com a sua situação laboral, a 28 de Novembro de 2012 a classe endereçou, também sem resposta, uma carta ao Primeiro-Ministro, Alberto Vaquina, na qual escrevia que a dignidade do médico está a cada dia a degradar-se. “Assistimos a um descontentamento profundo e geral dos médicos por conta destas situações (ausência de um estatuto e de um salário condigno), aliado ao facto de os médicos possuírem precárias condições de habitação e estarem a ser retiradas as residências atribuídas pelo Governo nas capitais provinciais”. A mesma carta foi igualmente enviada ao secretário-geral do partido Frelimo, Filipe Paúde.

“Com a presente situação de vida, os médicos vêem-se obrigados a efectuar outros tipos de trabalhos extras, recorrendo ao sector privado, sendo estes designados como médicos “turbo”, o que põe em causa a qualidade de serviço prestado no Serviço Nacional de Saúde Público. Outros, para melhorarem as suas condições de vida, recorrem a pedidos de licenças registadas e/ou ilimitadas para poderem sair do Estado e trabalhar no sector privado. Não podemos ignorar este cenário realístico”, lê-se na missiva.

Na mesma carta assinada pelo presidente da direcção da Associação da Médica de Moçambique, Jorge Arroz, referia-se que o sucesso do recém-lançado programa de humanização dos cuidados de saúde depende da melhoria das condições de trabalho (recursos, humanos, materiais e financeiros) e motivação dos profissionais do sector, incluindo o médico. “Os determinantes sociais influenciam de forma profunda a vida dos médicos e de outros profissionais de saúde, e não apenas as vidas das comunidades. Achamos que, após um longo período de espera, é necessário cuidar-se de quem cuida”. O Primeiro-Ministro fez ouvidos de mercador.

No fim do encontro de 24 de Novembro passado, produziu-se uma acta na qual se refere que “o médico sempre foi a única categoria profissional de nível superior que esteve nos distritos e nos locais mais recônditos, quer no período pré-independência, quer no período pós-independência, mesmo durante a guerra civil”.

Entretanto, paulatinamente, e com uma certa incúria por parte de quem de direito, “se tem assistido a uma deterioração da dignidade do médico nas províncias…”.

Apercebendo-se de que não estavam a ter interlocutor, a 17 de Dezembro passado os médicos ameaçam observar uma greve à escala nacional, caso os seus problemas não fossem atendidos até um dia antes daquela data.

O pré-aviso emitido pelo gabinete do presidente da AMM para os associados, Jorge Arroz, foi difundido por todas as instituições a quem o assunto interessava, incluindo o Ministério da Saúde.

Reunião entre a AMM e o Governo

Foi assim que, a 14 de Dezembro, o Governo decidiu dialogar com a AMM e as partes acordaram que, em relação à habitação, a circular 191/GMS/08 de 16/06/ 2008 ficava suspensa.

Os médicos voltaram a viver nas casas do Estado, com as despesas de ocupação suportadas pelo Governo, neste caso concreto o Ministério da Saúde. Esta medida teve efeitos mediatos e a classe deixou claro que não aceitava a co-habitação.

Relativamente ao estatuto, criou uma comissão técnica para revê-lo e harmonizá-lo até o dia 30 de Janeiro corrente.

Os salários da discórdia

Quanto aos salários, decidiu-se, no mesmo encontro, criar-se também uma comissão técnica conjunta, entre os médicos e o Executivo, para discutir os salários e apresentar uma proposta consensual até o dia 05 de Janeiro de 2013. Contudo, dias antes desta data, referem os médicos, o Governo apresentou-lhes uma proposta salarial de 18 mil meticais, contra os 20 mil que havia inicialmente avançado.

Refira-se que, durante as negociações, a classe rejeitou uma outra proposta salarial de 50 mil a 107 mil meticais mensais. No seu argumento, alegou que depois de deduzido o Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS) e outros, o salário ficava entre 40 e 80 mil, com renda de casa inclusa.

Segundo os cálculos dos médicos, os valores acima referidos significariam o seguinte: com a renda de casa de 13.500 por mês, o salário iria baixar para 26.500 e 66.500 meticais. Para um médico recém-formado seria apenas uma subida de quatro mil (4.000,00) meticais.

Enquanto isso, o salário base estava entre 20 e 38 mil meticais, o que significava um aumento de apenas cinco mil (5.000,00) meticais para o médico recém-formado, e uma reforma não digna para os médicos “colossos”, ou seja, mais antigos na área.

Falta de consenso leva à greve

A 7 de Janeiro em curso, o que antes era uma ameaça tornou-se real. Os médicos filiados à AMM entraram em greve arrastando consigo estagiários e pós-graduados. A mesma consistiu na não ida aos locais de trabalho, em todos os sectores, excepto os serviços de urgência dos hospitais centrais e provinciais.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!