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Matilde Muocha enfeitiça Maputo!

Matilde Muocha enfeitiça Maputo!

No dia em que as obras de arte “abandonarem” o seu padrão comum, provavelmente muitos cidadãos que inviabilizam a sua evolução irão render-se perante o impacto que a imaginação artística possui na sociedade. No entanto, enquanto isso não acontece plenamente, pelo menos em Maputo, a Toyota Spacio Matilde Muocha – uma viatura em que o artista plástico moçambicano Walter Zand realizou a aplicação de técnicas de artes plásticas – não passa despercebida.

Duas pessoas – Walter Zand e Matilde Muocha – com profundas relações em relação ao mundo das artes encontram- se, convivem, partilham experiências, criam parcerias, torna-se cúmplices e consorciam- -se para conduzir os seus pontos de vista, as suas crenças em relação ao seu campo de acção e representação (as artes e manifestações artístico-culturais) ao extremo. São audazes.

Foi nesse prisma que, conscientes de todos os riscos que derivando das compreensões e incompreensões que a sua obra podia provocar no espaço social nacional, os artistas realizaram a primeira aplicação de técnicas de artes plásticas numa viatura que, nos dias que correm, é um dos principais atractivos turísticos na cidade.

Walter Zand Artemóvel, como o artista chama a aplicação da sua arte em veículos automóveis, iniciada em Maio último, pode ser uma forma simplista de resumir um trabalho profundo que, conquistando a adesão de mais cidadãos moçambicanos, pode ser um novo marco na história das artes plásticas moçambicanas.

A viatura em que Zand aplicou a sua arte, uma Toyota Spacio, que agora se chama Matilde Muocha, sofreu uma acção artística do jovem pintor moçambicano e, tornou-se uma obra de arte móvel, em constante movimento. Nas diversas artérias da cidade de Maputo e Matola, o autocarro não passa despercebido perante os cidadãos. Igual a uma tela de arte tradicional, a viatura prende a vista das pessoas sobre si.

“Eu penso que superei todos os medos quando a Dra. Matilde, a proprietária do carro, me disse que podia trabalhar de forma desinibida. Ela pediu-me para apresentar-lhe o esboço do trabalho, o que eu não fiz. Preferi libertar- me de forma espontânea. Imediatamente, quando fiz a primeira pincelada, senti-me bem porque as pessoas acolheram a obra de bom grado”, comenta Walter Zand.

Como tudo começou?

Presentemente, o artista plástico moçambicano, Walter Zand, possui um percurso de 15 anos de carreira. No entanto, a sua arte nunca se consolida – está em constante processo de evolução – ainda que não seja leviana.

Numa estratégia de formação continuada, o artista investiga e encontra novas formas de explorar as mesmas técnicas de diferentes maneiras ao mesmo tempo que descobre novos suportes físicos – já consolidados em diversas partes do mundo como passíveis de gerar arte ou de servir de estruturas sobre as quais se pode agregar o valor artístico, os autocarros.

Em muitos países, diga-se, esta aplicação já é uma tradição, mas em Moçambique começou com a obra do Mestre Malangatana Valente Ngwenha, A Italiana, em 2011.

Mas antes, em 2008, durante a sua estada na Cidade de Cabo, na República da África do Sul, onde entre outras actividades realizou uma residência de criação, no fim da qual os artistas plásticos aplicaram as técnicas de artes plásticas para gerar obras que beneficiem directamente a sociedade sem barreiras, Walter Zand conhecera a prática de modo que para si, até essa altura, a aplicação de artes plásticas em veículos automóveis não era nenhuma inovação.

A par da experiência de Walter, Matilde Muocha (professora no Instituto Superior de Artes e Cultura e gestora cultural), uma mulher com inúmeras vivências artísticas, que há bastante tempo pretendia ter uma viatura em que se tenha feito a aplicação de artes plásticas, encontrou na criativa iniciativa de Walter Zand Artemóvel uma oportunidade para ser a primeira moçambicana – no espaço nacional – a conduzir e a circular no interior de uma viatura com valor artístico.

“É graças à minha vivência em relação às artes, em diversas partes do mundo, que percebi que a aplicação das artes plásticas em veículos automóveis é uma forma de contribuir para a socialização do seu consumo. Por isso, para mim, há a necessidade no sentido de que as artes devem abandonar o seu padrão comum, algo para qual o suporte viatura contribui muito”, considera Matilde Muocha.

A par disso, Walter Zand considera que, de uma ou de outra forma, “mas acima de tudo devido à minha relação com outros artistas, para mim, A Italiana do Mestre Malangana não constituía nenhuma novidade. O que é facto é que eu não sabia que se fazia noutras partes do mundo.

Mas o que sucedeu é que, em Maputo, ao nível de algumas redes sociais, certas pessoas consideram que o meu trabalho era uma tentativa de plágio, o que é natural afinal, quando estamos com palas não conseguimos ver além daquilo que está ao nosso redor. O Mestre Malangatana produziu A Italiana para uma grande Marca, a Fiat, mas eu também apliquei a minha arte e gerei uma nova marca que é MM, Matilde Muocha”.

Mais importante ainda é que “o meu atrevimento, em fazer algo que as pessoas pensam que só o Mestre Malangatana é que podia fazer, representa alguma coragem. Penso que é bom realizar esta continuidade de modo que se contribua para que as obras de arte possam circular em Maputo”.

Crença incondicional

Ao que tudo indica, a ligação de Matilde Muocha às obras de Walter Zand, em particular, e ao mundo artístico no geral, é mais profunda. A docente é formada em História, no entanto, opera na gestão de eventos e manifestações culturais há mais de 10 anos.

É nesse contexto que Matilde se recorda de que “na altura em que eu era estudante, tinha algumas ideias e crenças em relação ao movimento artístico em Moçambique como, por exemplo, a necessidade de a arte sair dos padrões normais, ganhando formas a partir das quais qualquer cidadão as possa contemplar, sobretudo porque sinto que nem todas as pessoas têm a possibilidade de aceder às galerias de arte”.

Matilde diz estar satisfeita com o impacto que a obra de Zand possui no espaço social da cidade de Maputo: “Algumas pessoas dizem que se está diante de um carro das flores, outras afirmam que é um aparelho tatuado, o que denuncia que os cidadãos, de forma indiscriminada, estão a consumir esta obra de arte”.

Não obstante, quando se considera que Matilde Muocha pode consumir as obras de Zand produzidas das mais tradicionais formas como as telas, por exemplo, e não se limitou na referida dimensão, podemos deduzir que, de facto, permitir que a pintura de Walter fosse cravada na sua viatura é uma forma de levar ao extremo o seu consumo em relação às obras de pintura. Ou seja, “penso que é muito mais importante explorar tais obras com muito mais gente”.

Nudez na parede

A nossa experiência em relação às artes plásticas permitem-nos afirmar que no dia em que alguns cidadãos cujas residências não possuem sequer uma tela de arte, na primeira oportunidade que adornarem as suas habitações com tais obras, é provável que se dêem conta do vazio que existe na paredes que não têm quadros. Uma paisagem, uma tela com qualquer imagem artística é sempre um adereço indispensável para as nossas residências.

Analisando esta nossa percepção, o artista plástico Walter Zand desenvolve uma relação – ainda que metafórica – entre a sua obra e a viatura pintada, como se esta antes estivesse nua: “depois de pintar a obra da Dra. Matilde, saí da Fortaleza de Maputo e fiquei com a impressão de que faltava algo nos demais carros que circulavam na cidade”.

Ou seja, “comecei a perceber que o carro é um objecto como, por exemplo, uma chávena sem nenhuma decoração, o computador sem o símbolo da Apple, mas o que sucede é que as pessoas sobrevalorizam os seus autocarros, de tal sorte que para elas bastava que se pingasse uma gota de tinta para ficarem preocupadas”.

Além do mais, “penso que a aversão de algumas pessoas em relação às artes plásticas reflecte como elas, essencialmente, são. É que se pesquisarmos, com alguma profundidade, podemos descobrir que na cidade de Maputo há muitos cidadãos que não possuem, pelo menos, uma obra de arte nas suas casas”.

Um carro pedagógico

Num outro desenvolvimento, Walter Zand explorou diversos fragmentos da vida social para afirmar que através do carro, “nós podemos fazer uma analogia sobre o estado do espírito das pessoas: há cidadãos que possuem bonecos de pelúcia na viatura. Não raras vezes, apercebemo-nos de que tais pessoas têm os mesmos objectos nos seus quartos.

Trata-se de uma manifestação que reflecte os gostos das pessoas; outros ainda têm logótipos ou emblemas de clubes desportivos nos seus meios de transporte, o que em certo grau é louvável, mas o problema é que pode decorrer por falta de conhecimento em relação às artes. É por essa razão que estamos a desenvolver este movimento de divulgação artística”.

Por tudo isso, quem fala da obra Toyota Spacio Matilde Muocha refere-se a um meio artístico que concorre para a educação artística pública. É que “o carro em si é pedagógico. Afinal, não se trata de colocar imagens e mensagens agressivas nas viaturas, mas sim também de informações alegres. É nossa missão, como artistas, ensinar as pessoas a gostar do belo e do simples”, considera Walter Zand.

É em função dessa realidade que a docente considera que “precisamos de ter mais atitude a audácia não somente para produzir e promover, como também para consumir as obras de arte. Não quero imaginar a cidade de Maputo, um espaço cosmopolita, sem artistas e animadores culturais”.

Relativamente à Toyota Spacio Matilde Muocha, a professora afirma que “sinto que o meu carro não somente é impactante na visão dos bem entendidos nas artes, que podem afirmar que se está perante uma tentativa de vulgarização das artes, mas também numa perspectiva didáctico-artística na medida em que democratiza e populariza o consumo das criações de arte.

Por exemplo, as crianças que se fazem transportar nos autocarros de transporte escolar, no fim do dia, têm-se aproximado da minha viatura não só para apreciar como também a fim de me felicitarem. Isso é gratificante! O meu carro agregou valores”, diz.

Arte sem medos

Nos primeiros anos da sua carreira artística, Walter Zand participou num concurso promovido pela Casa da Cultura do Alto-Maé com o intuito de promover a descoberta de novos talentos a nível das artes plásticas.

“A crítica que me foi formulada foi no sentido de que eu não tinha espaço no mundo das artes. Ou seja, que eu seria uma mais-valia para o futebol”, afirma acrescentando que surpreendentemente, dois anos depois, o mesmo crítico que me desencorajou em relação às artes, Navarro, foi a pessoa que me entregou o prémio referente a um concurso em que eu havia sido bem-sucedido, considerando que eu seria um mestre das artes plástica no país.

Obtive o primeiro prémio artístico na área de desenho, o que significa que os meus temores em relação à arte foram perdidos, imediatamente, quando me desliguei do futebol em prol das artes”.

Portanto, presentemente, “não tenho nenhum medo. A única coisa para a qual luto é garantir que eu não morra de fome por ser artista. Ou seja, que eu consiga fazer com que a arte contribua para resolver os vários problemas que a sociedade possui, e não cause impressões maléficas aos meus admiradores e à sociedade em geral”.

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