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Massacre em Conacri

Na passada segunda-feira, a República da Guiné – conhecida também por Guiné-Conacri – viveu um dos dias mais sangrentos da sua história, quando a polícia resolver disparar sobre os manifestantes concentrados no Estádio 28 de Setembro em protesto contra a intenção de presidente interino, o capitão Dadis Camara, de se candidatar à presidência do país, contrariando o compromisso que havia assumido no Natal do ano passado quando tomou o poder num golpe de Estado. O número de mortos dependia da fonte, mas organizações independentes no terreno falavam em 157. A ONU, a União Europeia e a União Africana apressaram-se a condenar a repressão e exigem um inquérito internacional. Camara afi rmou perante as câmaras de televisão estar “desolado, muito desolado”, assegurando que a situação fugiu do controlo dos militares.

Disparos de metralhadora sobre a multidão, mulheres violadas, opositores sovados, foram acontecimentos relatados por testemunhas que estiveram presentes no Estádio Nacional de Conacri na segunda-feira, dia 28 de Setembro, quando milhares de pessoas se concentraram ali para protestar contra a eventual candidatura à presidência de Moussa Dadis Camara, o jovem capitão que governa a República da Guiné desde o golpe de Estado de Dezembro passado liderado por ele próprio. Cellou Dalein Diallo, candidato à eleição presidencial pela União das Forças Democráticas da Guiné (UDFG), não foi poupado pelas forças da ordem: “Deram- me pontapés violentos, e vários golpes nas costas e na cabeça, quase perdi a consciência”.

Conduzido ao hospital, acabou por lá passar a noite e em boa hora o fez porque os militares foram, nessa mesma noite, a sua casa para o prender. Bineta Diallo também se encontrava no interior do estádio quando os militares resolveram abrir fogo para dispersar a manifestação pacífi ca. À AFP conta: “O exército cercou o estádio e os Boinas Vermelhas – a tropa de elite – começou a disparar indiscriminadamente. No início, ainda pensámos que era só para intimidar […] Mas as pessoas começaram a tombar no chão, o pânico foi geral e foi só ver os corpos no chão, mais de cem.” E continua: “Os manifestantes estavam desarmados! […]

Os militares violaram à vista de toda a gente mulheres, despiram-nas e mataramnas disparando contra o sexo”, prossegue ainda num tom aterrorizado. “Isto vai provocar uma guerra civil porque as pessoas já não estão dispostas a perdoar esta barbárie dos militares.” Violações colectivas Testemunhos recolhidos pela organização dos direitos do homem Human Rights Watch (HRW) dão conta de uma violência cega: “Vi os militares a disparar sobre a multidão indefesa”, conta uma testemunha. Vi os Boinas Vermelhas a agarrar as mulheres que tentavam fugir, rasgar as suas roupas e apalpar as suas partes íntimas.

Outras foram violentadas no sexo.” “As violações começaram no estádio”, confi rmou Mamadi Kaba, presidente da Raddho, uma organização de direitos humanos baseada em Dacar, no Senegal. De acordo com Kaba, as violações prosseguiram nas casernas e nas esquadras. Entretanto, na quarta-feira de manhã, o líder da Junta Militar e principal alvo da manifestação, Moussa Dadis Camara, negou qualquer responsabilidade no massacre afi rmando que os trágicos acontecimentos haviam- no ultrapassado. “Não controlo as actividades deste exército […]. Quem disser que eu controlo este exército está a fazer demagogia. Herdei uma situação de meio século!” A palavra “desolado” foi várias vezes empregada no seu pronunciamento televisivo, lamentando o sucedido. A Junta decretou ainda dois dias de luto nacional em memória das vítimas.

Todavia, estes lamentos não foram suficientes para mascarar a cólera do líder da Junta contra os seus opositores. Segundo Camara, estes acontecimentos são obra de “gente sedenta de poder. Eles distribuíram dinheiro às crianças para as incitar à revolta. Foi tudo premeditado”, assegurou. Desde então, “qualquer reagrupamento de qualquer natureza será severamente punido.” Condenação Internacional Esta desresponsabilização do chefe da Junta surge como uma espécie de resposta à condenação unânime da comunidade internacional. A França, antiga potência colonial, suspendeu imediatamente a sua cooperação militar com a Guiné e decidiu na terçafeira reexaminar o seu auxílio bilateral, qualifi cando a repressão de “selvagem”. A UE, por sua vez, reuniu-se ontem para “examinar medidas complementares […] que poderão ser rapidamente tomadas.” Aliás, a UE já havia decidido no fi nal de Julho, colocar a Guiné sob “vigilância” durante dois anos, fazendo depender o seu auxílio ao país do regresso ao estado de direito.

A União Africana e a Comunidade Económica dos Países da África Ocidental alinharam também pelo mesmo diapasão. Ocultar a carnifi cina De acordo com a União das Forças Republicanas UFR – partido na oposição – os militares montaram uma armadilha. Deixaram o Estádio 28 de Setembro – assim chamado em homenagem à data da independência, em 1958 – encher para começar a disparar. “Depois não deixaram as pessoas sair”, contou uma testemunha. A UFR acusou ainda a Junta Militar de pretender ocultar a dimensão da tragédia. “Vários militares foram vistos a recolher corpos nas ruas levando-os de seguida para o campo de Alpha Yaya Diallo, a sede da Junta no poder, provavelmente para evitar uma contagem precisa do número de mortos”, referiu em comunicado a UFR.

Efectivamente, os números ofi ciais avançados na terça-feira pelo Ministério da Defesa davam conta de cinquenta e poucos mortos. No entanto, dados adiantados por várias organizações independentes falavam em mais de 150. Finalmente, na quarta-feira, era apresentado o número correcto: 157. “O povo irá até ao fi m. O que se passou não nos irá arrefecer os ânimos”, promete Th ierno Maadjou Sow. Muitos pretendem mesmo fazer justiça pelas suas próprias mãos. Há quem veja nesta repressão contornos semelhantes à greve geral de Janeiro de 2007, durante o regime de Lansana Conté. Um regime que Moussa Dadis Camara não se cansou de combater.

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