Lourenço do Rosário*
– Com que impressão ficou do senhor Afonso Dhlakama quando se encontrou com ele em Gorongosa?
– Fiquei com a impressão de que o senhor Dhlakama está lúcido e esclarecido sobre o que pretende nas suas reivindicações.
– Valeu a pena o vosso encontro?
– Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
– Acredita que estas negociações irão ser bem-sucedidas, a avaliar pelo extremar das posições em algumas declarações das duas partes?
– Quando eu fundei o Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU), hoje A Politécnica, sabia que estava metido num desafio espinhoso, numa espécie de odisseia. Cheguei a comparar-me à nave espacial Columbia que, uma vez na atmosfera, na perigosa manobra de aterragem, já não pode voltar atrás. E se eu não acreditasse que as partes se irão entender não teria ido a Gorongosa.
– O que é que lhe faz ter tanta fé?
– Sou uma pessoa que se guia por princípios, e um desses princípios que me conduzem é a fé. Acredito nas pessoas até o dia em que elas me desmentirem.
– Com quem tem sido mais difícil conversar, entre o Presidente Guebuza e o presidente da Renamo Afonso Dhlakama, na mediação que tem feito com D. Dinis Sengulane?
– Isso é o mesmo que perguntar quem é o melhor entre Ronaldinho Gaúcho e Georg Weah, quando cada um destes estava nos seus tempos áureos.
– Já agora, quem era melhor jogador, entre estes dois, nos seus tempos de pico?
– Cada um era melhor que o outro.
– O que é que quer dizer exactamente com essa comparação?
– Eu sou intelectual e, nessa condição, exige-se de mim a honestidade. Os dois são uma “pedra dura”.
– Mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura!
– Então uma das gotas dessa água sou eu!
– O senhor é religioso?
– Porquê?
– Queria fazer-lhe uma pergunta nesse âmbito! – Faça as perguntas que quiser, vou responder às que estiverem ao meu alcance.
– No tempo de Pontius Pilatus, depois de este ter lavado as mãos por não ter visto no Filho do Homem qualquer pecado, Jesus Cristo foi crucificado com mais duas pessoas, e uma delas era o Barrabas, um bandido tresloucado conhecido em todo o Israel. Alguém virou-se para a multidão que achincalhava Jesus e perguntou: “Destes dois – referindo-se a Jesus e a Barrabas – tirar a quem da cruz?”. E a multidão “metralhou”: “Tirem o Barrabas! Tirem o Barrabas!”. Agora, senhor Lourenço do Rosário, se estivessem na cruz, prestes a ser executados, o Presidente Guebuza e o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, e lhe pedissem para retirar um deles, por quem se decidiria?
– Tirava os dois da cruz e impediria o seu linchamento, porque os dois são filhos do mesmo solo-pátrio. Eles são irmãos, mesmo assim há quem queira apontar o outro como inimigo a abater.
– Acha que o senhor Presidente Guebuza tem capacidade para compreender que a nave já entrou na atmosfera e que não tem condições de voltar atrás?
– O Presidente Guebuza não tem muitas escolhas. O que lhe resta, depois de tudo isto, é abdicar de querer continuar a arrastar Moçambique inteiro para o sangue.
– D. Dinis Sengulane tem a mesma forma de pensar que a sua?
– Convergimos em muitos pontos, é por isso que estamos do mesmo lado da barricada.
– Vão continuar com esta luta guiada pela palavra e pelo diálogo até ao fim?
– Nós não vamos continuar a luta guiada pela palavra e pelo diálogo até ao fim. Nós não vamos até ao fim, o que estamos a fazer é inventar um novo fim.
– A senhora Margarida Talapa, chefe da bancada parlamentar da Frelimo, afirmou uma vez que, com ou sem a Renamo, haveria eleições em Moçambique. O que é que pensa sobre essas declarações?
– Eu também ouvi isso, através da televisão. Uma vez mais, a minha posição de inteletual obriga-me a afirmar que essa senhora não percebe os sinais da História, e quem não percebe os sinais da História é melhor não se pronunciar em público, muito menos numa casa importante que é a Assembleia da República. Margarida Talapa não sabe o que diz.
– Jesus já tinha dito: “Pai, perdoai-lhes pois não sabem o que fazem”. – (Risos)
* Entrevista fictícia