As histórias das três famílias aqui relatadas mostram que, ao invés das três refeições diárias, muitos maputenses só jantam. Uns fazem-no por pobreza, outros, porém, por falta de tempo para ir à mesa!
Há 22 anos que o ancião Lucas Nhanombe, 52 anos, veio de Vilanculos, norte de Inhambane, para viver de vez no Zimpeto, arredores da cidade de Maputo. Na sua biografia consta uma passagem pelo Serviço Militar Obrigatório, SMO, que viria a abandonar logo após a paz alcançada nos Acordos de Roma. Desmobilizado, Nhanombe empregou-se como guarda numa empresa de construção civil na capital do país. Findo o contrato, o ex-militar rapidamente passou a trabalhar para um singular onde ganha 1.500 meticais mensalmente. A sua esposa, Luísa Macamo, é empregada doméstica também lá no Zimpeto. Pelo serviço que é discrito como “muito árduo” Luísa Macamo recebe, por sua vez, 900 meticais por cada 30 dias.
Eles vivem com dois sobrinhos menores de idade e órfãos de pais. No total, são 2.400 meticais para sustentar os quatro membros da família Nhanombe. De sorte que, como trabalham perto da residência familiar, daquele valor não se subtrai dinheiro para o “chapa”, como o fazem milhares de outros concidadãos. Mas a triste sina é que os pequenos não vão à escola desde que ficaram órfãos. Tudo por falta de condições para tão almejado desejo. O mais grave é que um deles, o Zezito, 15 anos, é albino, condição social que contribui para não ir à escola onde diz ter sofrido discriminação. Exceptuando esse pormenor, há o facto de o menino necessitar de cuidados especiais para uma pessoa da sua condição, tais como dieta muito rigorosa e cuidados sanitários cujos custos superam a condição social dos seus protectores.
Mensalmente, a família Nhanombe aplica 500 meticais na compra de um saco de 25 kg de arroz. Outros 250 meticais são aplicados na aquisição de 5 litros de óleo, 100 meticais para o sabão. 400 meticais para o carril, outros 500 para carvão vegetal e 250 para caldos, tomate, cebolas, amendoim e outros condimentos indispensáveis ao cardápio que a condição socioeconómica da família impõe.
Os 400 meticais remanescentes, naturalmente, nem de longe permitem comprar pão diariamente. Um pão de menos de 500 gramas não sai sem os cinco ou seis meticais, consoante a trajectória que o revendedor tem de fazer para fornecê-lo. Nesta circunstância, a sensatez apela para que aquela família viva esquecendo dos permanentes e incontornáveis casos de emergência (doenças ou outros incidentes inesperados). Isto porque, segundo aquele agregado familiar, os 2.400 meticais estão aquém de cobrir as despesas mensais. Solução melhor do que esta não encontraram: “tomar chá ao meio-dia e esperar até às 20horas para jantar”. É assim todos os dias.
A família Nhanombe confessa que a opção de só jantar não é mero desejo é, sim, uma medida para tornear a carestia e tentar chegar ao outro final do mês com a chaleira de água a fumegar. “Pelo menos isso”, desabafa o chefe de família.
Uma história igual mas diferente!
Contrariamente à família Nhanombe, no bairro do Alto-Maé vive Vitorino António, chefe de um agregado familiar também composto por quatro membros. Diariamente, a família António separa-se às 7 horas da matina. Os reencontros são feitos só ao fim do dia. Os dois filhos de Vitorino António são trabalhadores-estudantes universitários.
Depois do pequeno-almoço, tomado pouco antes das 7 horas, a família que mora no Alto-Maé só volta a “enganar o estômago por volta das 22 horas. Embora seja de classe média portanto com condições para passar as desejadas três refeições diárias, a falta de tempo é seu o principal adversário.
A turma dos desencontrados
Enquanto a família Nhanombe vive a triste sina de falta de tudo para ir à mesa e a do Alto-Maé ser vítima da falta de tempo para o almejado momento, a de Comé, composta por 12 membros que, não obstante morarem debaixo do mesmo tecto do bairro da Urbanização (também em Maputo), nunca se encontram à mesa das refeições. Ou melhor: só raras vezes é que se avistam e quando movidos por algum interesse inadiável que tem de ser satisfeito na hora e ali nas bancas dos mercados “Adelina” e “Xipamanine”. Surpreendentemente , o chefe de família, que foi o pioneiro no comércio informal, foi quem arrastou toda a família para o sector que mais emprega os moçambicanos. Comé segredou-nos que casos há em que fica com saudades a semana inteira dos filhos e netos. Por isso declara: “Esta actividade é muito dura porque temos de madrugar para ganhar os primeiros clientes e ficar até a última hora para atender últimos.”
Talvez tenha sido por isso que Comé preferiu ignorar a pergunta que lhe fizemos sobre o número de refeições passadas em família. «(…)Aos domingos, quando dá, é que nos reunimos para almoçar. Mas isso não é frequente porque não é o mais importante na vida», conclui.