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Autárquicas 2013: Mandlakazi, uma vila monótona e sem asfalto

Com setenta e oito quilómetros quadrados, Mandlakazi é, antes de tudo o mais, uma equação matemática impossível. Não. Mandlakazi são muitas equações impossíveis. Uma torneira de água corrente para 100 habitantes; 18 porcento da população com acesso a energia; cinco bairros; um banco e nenhum centímetro de asfalto. Quem é que iria habitar num ligar como este? Mesmo assim, vivem aqui 10243 pessoas.

Os habitantes desta vila municipal, a menos povoada da província de Gaza, não se revêem no lugar deprimente e marginal de um espaço urbano sem estradas asfaltadas e espaços de lazer. Nas sextas-feiras, muitos dos seus habitantes abandonam as suas casas e vão beber um copo no ‘Calçadão’ enquanto dizem, para quem quer ouvir: “Mandlakazi é um paraíso”. Desagrada-lhes que se diga que a ausência de vias de acesso asfaltadas devia condicionar a entrada da vila na equipa de municípios do país. Mas como é a vida no lugar que se orgulha de ter sido a casa de Ngungunhane?

O Município da Vila de Mandlakazi situa-se na sede do distrito do mesmo nome, na província de Gaza. No norte faz limite com o posto administrativo de Mozucane, a leste com Maguzene e a oeste com Malehice – um posto administrativo do distrito de Chibuto. Do ponto de vista sociocultural, a população pertence, na sua maioria, ao subgrupo Macambene do grupo Shangane, embora existam núcleos de população Chope na sua pureza.

Mandlakazi é tudo isso: um destino de sobreviventes. Retornados, viajantes, estudantes, funcionários públicos e todos os demais representantes de um município esquecido que escaparam à fome, à pobreza ou às cheias nas quais perderam tudo. O lugar foi, até finais do século XIX, a casa de Imperador de Gaza. Como testemunhas, ainda existem duas palhotas e a árvore onde Ngungunhane tomava as grandes decisões. Com a municipalização, já nos finais século XX, regressaram pessoas atraídas pelo sonho das grandes oportunidades que constitui definir os passos da urbanização. Há prostitutas, chulos, polícias corruptos que se passeiam com armas em riste, penhoristas sem coração, mecânicos de quase tudo e crianças esfarrapadas. Mas também homens engravatados que regressam a casa depois de mais um dia de trabalho ou da formação no ensino superior.

Aquele pequeno município, dizem os residentes, cresce hoje a um ritmo galopante, com construções e sonhos por todo o lado, notando-se ainda o regresso de almas que tinham embarcado no êxodo para terras longínquas. Aliás, este regresso será, com certeza, o jus que se faz – ou que se deve fazer – à história, porque, na verdade, estamos agora perante uma nova vila: também com crime violento no lombo e música alta que não deixa uma parte daquela circunscrição dormir nos fins-de-semana.

Mas este lado assombroso não vai constituir novidade para ninguém – dirão muitos – porque onde há desenvolvimento, há também erosão social. Obviamente! Só que aquele sossego, aquela tranquilidade, a meditação, tudo isso, que constituía algo arrebatador desde que Mandlakazi existe, nunca se pensou que um dia poderia fazer parte do passado da história.

Valgy (um jovem empresário) é um grande adepto do desenvolvimento. Ele olha de forma atenta para todas as arestas do espaço onde nasceu e, depois da observação que fez, “sentiu” que a construção de duas estradas que ligassem Mandlakazia ao resto do país trariam um desenvolvimento ainda mais célere. Na verdade, uma estrada asfaltada de e para Mandlakazi – como todas as estradas do mundo – será um grande veículo de desenvolvimento, será um meio de transporte que também pode ajudar a movimentar facilmente os criminosos.

Curiosamente, muitos nativos não querem uma estrada porque, se sem a estrada “a nossa vila já está assaltada por hábitos de Maputo, imagina quando vier essa infra-estrutura!” Mas o pensamento não pode ser direccionado apenas nessa perspectiva, pois a vila tem a possibilidade de continuar a crescer de forma ordeira, trazendo emprego, preservando-se, mesmo assim, a parte velha da urbe, que é um autêntico museu construído pelas mãos, como um hino à arquitectura.

Contudo, o desenvolvimento galopante que os residentes reivindicam não se reflecte nos números, nem na qualidade de vida. Com cerca de 10243 habitantes e 77 porcento de população economicamente activa, apenas 18 porcento dos munícipes têm acesso a corrente eléctrica nas suas residências. A falta de água parece um problema sem solução, embora tenha sido atenuada nos últimos anos. A média é de um litro de água insalubre por cada 100 moradores. Ou seja, água canalizada só chega a apenas 9 porcento da população. Como Mandlakazi não tem rede de esgotos, as casas e empresas, supostamente, deveriam ter fossas sépticas, mas isso ocorre numa pequena percentagem de domicílios da urbe.

Outro factor que desmente o discurso desenvolvimentista é o fraco crescimento agrícola. A folha de serviços da edilidade continua aquém do que a urbe precisa. A reabilitação das avenidas Ngungunhane e Eduardo Mondlane e a abertura de 13 fontanários em quatro bairros representam muito pouco para as necessidades de um município que precisa de água e vias de acesso como nunca.

As valas de drenagem que facilitam o escoamento das águas pluviais nos bairros de cimento, Eduardo Mondlane e Josina Machel, obra visível, deixa os habitantes daquele ponto do país a clamar por mais empenho por quem de direito.

Efectivamente, existem em funcionamento 156 barracas, 205 bancas, 33 estabelecimentos comercias, dos quais apenas 26 estão em actividade, duas agências funerárias privadas, uma clínica, um restaurante, uma fábrica de descasque de castanha de caju, 20 carpintarias de pequeno porte, uma olaria, duas padarias e 17 oficinas de pequeno porte. Estas actividades asseguram 2789 postos de trabalho. O Estado emprega apenas 719 munícipes. O total de pessoas assalariadas é de 3200 cidadãos. O sector privado emprega praticamente o dobro da actual capacidade do Estado em Mandlakazi: 1344 funcionários.

Na verdade, 7889 cidadãos estão em idade de trabalho. Portanto, excluindo os que procuram emprego pela primeira vez, a população economicamente activa é de 9383 pessoas o que, de acordo com dados municipais, reflecte uma taxa implícita de desemprego e subemprego estimada em 74.4 porcento.

Uma das grandes atracções que levarão Mandlakazi ao mundo é, sem sombra de dúvida, o lugar onde estão erguidas as palhotas de Ngungunhane. No espaço existe uma biblioteca e dois edifícios construídos com tijolos em homenagem ao líder que a história oficial consagrou como herói da resistência contra a ocupação colonial. Na verdade, no lugar existiam cinco palhotas. Porém, a edilidade optou por erguer apenas duas. A ideia, dizem, visa transformar o espaço num local de atracção turística.

Contudo, as palhotas de Ngungunhane representam, na verdade, uma das muitas verrumas apontadas para o nosso colectivo cultural. Criando-nos mágoas agravadas por outros locais que, mesmo em funcionamento, são convertidos, perdendo a sua essência histórica. Da função de atrair turistas para este lugar o melhor que se poder afirmar é ser ela nula. Mais do que nula, aliás, é prejudicial, na medida em que encobre e investe as autoridades municipais de toda a impunidade para agir em prejuízo da história e da cultura de Mandlakazi.

Calçadão

Calçadão é o único lugar de lazer para os jovens de Mandlakazi. Contudo, o espaço não tem nada a ver com o nome. Na verdade, o Calçadão de Mandlakazi é uma casa de pasto onde é possível encontrar os mesmos produtos disponíveis em Maputo. Portanto, não se trata de um passeio à beira de uma praia. É um bar onde existe um pouco de tudo. Valgy, o proprietário, é um entusiasta do lazer naquele pedaço do país e orgulha-se dos seus produtos. “Eu voltei para a vila para dar o meu contributo. Poderia perfeitamente ficar em Maputo como muitos, mas senti que o meu lugar é aqui”.

O nome é, diz-nos, interpretado de outra forma pelos jovens de Mandlakazi. No entender dos mesmos, “Calçadão” nada mais é do que calçar. Uma metáfora para os preços altos que entendem ser praticados num único local de diversão nocturna que a vila exibe.

Onde há álcool e música não faltam mulheres. No Calçadão de Mandlakazi há dois tipos distintos: o primeiro e mais fácil de encontrar é aquela espécie de raparigas que sai de casa à procura de um homem para lhes pagar as contas e sustentar os vícios. Portanto, duas garrafas de cerveja podem, com facilidade, despir uma mulher naquela pacata vila. Não é, portanto, uma prostituição que se exerça pela cobrança de dinheiro.

A cama, digamos, é um gesto de gratidão para os homens que abrem os cordões à bolsa. Contudo, o alvo das mulheres que dão, com frequência, o corpo por uma noite regada de cerveja ou vinho, não é jovem local. Os viajantes que pernoitam no local e que dão indicações de que Mandlakazi significa uma paragem e não um porto de abrigo estão no topo da escala de preferências das caçadoras da noite.

Também há estudantes do ensino superior que depois das aulas, nas sextas-feiras, vão ao Calçadão para desanuviar. Nesse grupo de jovens há outro tipo de mulheres que é possível encontrar no local. Raparigas que discutem política e que reivindicam mais lugares de diversão para a vila.

Foi, aliás, nesse grupo, que descobrimos que o único meio de informação que chega ao local é o jornal “O País”. Contudo, os jovens dizem que é muito pouco e não responde à necessidade de informação que os funcionários públicos que sempre residiram em grandes cidades e tiveram de largar tudo de armas e bagagens por causa de emprego têm. “O normal, em Mandlakazi, é não ter informação e saber das coisas com muitos dias de atraso”, diz um funcionário bancário.

Contexto histórico

Em 1908 a povoação de Mandlakazi era sede d 8a circunscrição civil dos Muchopes, designação por que era designado o distrito de Mandlakazi (Portaria no 421 do BO 40/1908). Foi elevada à categoria de vila a 09 de Novembro de 1957 ( Portaria no 12179) e teve o estatuto de município aprovado a 12 de Março de 1960 (Decreto-lei no 1961). Mandlakazi não é uma expressão geográfica, mas sim uma denominação aplicada à casa do chefe administrativo, e significa Poder de Sangue em Xi-changana (Cabral, 1975: 90); outra versão diz que significa mão poderosa, traduzida à letra.

Município de Mandlakazi em números

Vereações 4

Consumidores de energia 3825

Agentes económicos 1151

Transportadores licenciados 36

Escolas secundárias 2

Funcionários do município 73

Fontes de abastecimento de água 15

Fontes de abastecimento de água criadas pelo Município 10

Habitantes 10243

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