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Maldito tempo

Maldito tempo

Se, por um lado, cresce o interesse, por parte dos encenadores e actores moçambicanos, de produzir obras teatrais inspiradas em livros de autores nacionais, por outro, uma certa linha de orientação estética (?) defende a necessidade de as obras teatrais terem de possuir um tempo-limite em termos de duração. “Mas quem disse que, para ser bela, uma obra de teatro deve limitar a sua duração?” Maldito tempo que não se tem para absorver o conhecimento.

Muito recentemente, participámos numa cerimónia de lançamento do livro de João Paulo Borges Coelho, em que soubemos do autor sobre uma pessoa (supõe-se que seja leitor) que, inconformado com a quantidade de páginas que os romances possuem, perguntou-lhe acerca das razões que fazem com que – contrariamente aos demais livros técnicos – a literatura artística não incluísse um sumário executivo nas primeiras páginas. As vantagens de tal arranjo são claras: “Ao invés de passarmos semanas penosas, a ler 400 páginas da obra, em apenas cinco muntos poderíamos conhecer a história da obra”.

Em defesa da classe dos escribas e de uma certa lógica, o autor fez um comentário metafórico e inteligente que contraria a tendência da economia de moldar – mesmo na efetivação de eventos que deviam ser realizados de forma prazenteira – o comportamento humano: “Para conhecermos o sabor do bolo temos de o comer. Não há descrição nenhuma que substitua isso”.

Mais uma vez, na semana passada, estivemos no programa PAPU KULTURA, organizado pela Associação Cultural Girassol que também teve a seu cargo o recém-terminado Festival de Teatro de Inverno. O tema da conversa foi a relação existente entre a literatura e o teatro. Tinha-se como orador o actor e encenador moçambicano, Elliot Alex, que falou para uma plateia de 10 pessoas (incluindo ele).

Além das particularidades envolvidas na relação entre a literatura e o teatro, os arranjos que se devem fazer para harmonizar (ou desarmonizar) os interesses, as expectativas do autor do livro, do dramaturgista e dos leitores (agora entendidos como espectadores), depois de produzida a peça, uma das críticas generalizadas tem a ver com o excesso (?) do tempo que esta absorve no seu decurso. E atenção que, aqui, se diz que a peça é muito longa quando tiver um pouco mais de uma hora.

“Será que para um espectáculo ser bom precisa de durar pouco tempo? Certo especialista em artes dramáticas, por mim questionado, explicou-me que, para ser boa, uma obra teatral não precisa de ter pouco tempo”, refere Elliot Alex.

De acordo com o encenador, tendo em conta as limitações que o tempo impõe, a dramatização dos romances seria uma experiência interessante se se vivesse, em Moçambique, a época dos gregos. Na Grécia Antiga, uma mesma peça teatral podia ser exibida durante todo o dia. Actualmente, em Maputo, trabalha-se com um tempo-limite. O dramaturgista transforma romances em teatro.

Por essa razão, tomando como exemplos os livros de Mia Couto (autor de A Varanda de Frangipani, Terra Sonâmbula, ou O Último Voo do Flamingo, os mais teatralizados), não se compreende que a dramatização é um processo complicado: “Esse autor, por exemplo, estrutura os seus romances em capítulos e em cadernos. Ele tem a tendência de, num só livro, narrar duas ou três histórias que se movimentam em paralelo. Portanto, é muito difícil fazer a adaptação destas histórias. Sempre se corre o risco de se perder algo”. Como trabalhar neste contexto, muito em particular quando se toma em consideração que este é “o tempo dos que estão contra o tempo”?

O tempo não deve ser o problema

A actriz e encenadora moçambicana, Lucrécia Paco, não aceita a ideia de que haja algum excesso na duração das peças teatrais moçambicanas. E defende que (mesmo se houvesse) a longura da exibição teatral, em termos temporais, não é apenas uma prática da Grécia. Há, neste mundo hodierno, festivais internacionais de especialidade, na Europa e na América, que decorrem durante cinco, oito, 24 horas.

Diz a encenadora que “não podemos ter medo de arriscar nesse sentido. Se nós podemos criar uma peça que coloca as pessoas a tomar o pequeno-almoço, a almoçar e a jantar a vê-la, temos de trabalhar nesse sentido. É preciso investir para que possamos sair deste circuito de coisas. Temos que habituar o público a sentar-se para ver teatro. A consumir a arte. Se calhar este vício, dos 45 minutos para as peças teatrais, é-nos imposto pela televisão. A novela tem quase esse intervalo de tempo. Temos que nos aventurar porque eu já vi peças que duram horas e dias. Nós temos condições para trabalhar”. Segundo o jornalista cultural moçambicano, Belmiro Adamugy, o discurso constructo do tempo-limite, para a duração das peças teatrais, ocorre por uma simples razão:

“Somos pessoas que nos guiamos por estereótipos. Alguém meteu nas nossas cabeças que as peças teatrais deviam durar apenas uma hora. Recordo-me de que no tempo do Tchova – foi um grupo de teatro – esse problema não existia. Com todo o respeito que tenho por todas as pessoas que apreciam o teatro agora, penso que naquele tempo havia um público mais intelectualizado. A longura de um espectáculo teatral não era – e eu penso que não é – um problema. Vi a reposição de Dom Quixote, em Portugal, com uma duração de seis horas, com intervalos para se tomar café, mas ninguém teceu nenhuma reclamação”.

Existem, entretanto, relatos que certificam que experiências de peças teatrais que duram horas e horas multiplicam-se pelo mundo. “Há bem pouco tempo estive em São Paulo, no Brasil, onde vi uma peça com uma duração de sete horas. Começou às 19horas e eu voltei a casa às 4horas. Em determinados lugares produzem-se peças longas.

As pessoas entram no teatro e não o abandonam, não porque estão presas, mas porque querem acompanhar a história”, refere Elliot Alex prosseguindo: “Se calhar podemos criar essa experiência em Moçambique. O problema é que se alguém monta uma peça de uma hora é acusada de estar a produzir uma longa-metragem e, automaticamente, sugerem que faça cinema”. O drama é que como nos meteram na cabeça que um show de teatro deve durar uma hora, “se se apresentar uma obra com um pouco mais disso, pensamos que essa experiência é violenta”.

No entanto, para os apreciadores daquela forma de arte, “quando o espectáculo teatral decorre, a noção do tempo perde-se. Eu não sei de onde é que vêm esses estereótipos, mas existem”, questiona Adamugy. Em jeito de resposta, o actor Elliot Alex afirma que se está diante de uma inovação da Escola de Comunicação e Artes (ECA): “Essa história de tempo- -limite para as peças teatrais iniciou quando se introduziu o curso de licenciatura em teatro, na ECA. Eu montei uma peça de teatro inspirada na obra Terra Sonâmbula, em 2005, altura em que não se criticou o factor tempo. No entanto, quando voltei a repô-la, em 2011, os professores da ECA contestaram a sua duração”.

A gritar não se pensa

Temos de convir, de facto, que, mais do que uma diversão e entretenimento, ver teatro é uma experiência intelectual em que o espectador tem a preocupação de absorver o conteúdo da discussão em exibição. Consumir o conhecimento, mesmo em contextos de recreio, exige um certo grau de concentração sem a qual proveito nenhum da obra artística pode ser adquirido.

É por essas razões que, conduzindo o seu ponto de vista ao extremo, Belmiro Adamugy faz o seguinte comentário: “Certa vez, eu disse que o teatro não era para ignorantes. Fui mal-entendido. Mas essa é a verdade. O ignorante deve ir ver um jogo de futebol. Lá ele não tem que pensar. E por não exercitar a mente, o espectador de futebol – que também está menos compelido a ler – vê todo o jogo a gritar. Não se pode, simultaneamente, gritar e pensar. É mentira. Porque é que no teatro se exige silêncio? É para se reflectir. Para absorvê- -la e alimentar-se da obra”.

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