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Estamos entre os 300 milhões

Estamos entre os 300 milhões

Relatando uma das formas a partir das quais a língua portuguesa, a par das demais, chegou a nós os africanos, o admirável escritor queniano Ngugi wa Thiong’o, num livro intitulado Grãos de Milho – trata-se da versão em português – explica que fomos orientados para fecharmos os olhos, a fim de se fazer a reza. Enquanto suplicávamos a Deus, roubaram-nos as terras e todas as riquezas.

Aprecio imenso o episódio aqui parafraseado porque, nos primeiros anos da nossa independência, no contexto do nosso nacionalismo escarlate, embora necessária esta doutrina não poderia, de forma alguma, retirar a herança cultural que se ganhou em África com a língua portuguesa.

Quer quisessem quer não, nem os portugueses poderiam evitar a disseminação do idioma que, em Moçambique, se tornou oficial. O resultado disso é que alguns de nós, os africanos, os europeus, os asiáticos e os americanos – por esta vinculados – celebramos os oito séculos da língua de Camões. Foi no dia 27 de Junho de 1214 que o Rei de Portugal, D. Afonso II, subscreveu o seu testamento – o primeiro documento oficial – em português.

Costuma-se dizer que África é um e único país. A ser verdade, como acreditamos, falso não me parece ser que a língua portuguesa contribuiu imenso para a aproximação e a consolidação da irmandade entre, primeiro, os povos dos chamados Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP); segundo, entre a considerada Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP); terceiro e por fim, no seio das duas primeiras organizações e dos povos do mundo.

Existem várias formas de falar sobre uma língua, e a portuguesa não é excepção: É o idioma a partir do qual nos chegam a história, a literatura, a arte – no seu sentido mais amplo – de diversas parcelas da terra. É, igualmente, o recurso pelo qual também nós nos fazemos valer no mundo.

Falemos sobre o turismo. Apesar de haver muitas variáveis que explicam e orientam o movimento desse sector, ninguém ousaria questionar que a língua de Camões é um dos factores que determinam algumas tendências do movimento turístico no mundo: Para onde ir? Que locais visitar?

Que histórias tais terras aglutinam? Como é que, sob o ponto de vista cultural e histórico, tais ocorrências vinculam o turista ao lugar de chegada? Quem, no mundo, não quer visitar a misteriosa Goa indiana, onde fazendo face à oficial concani a língua portuguesa também acelera os movimentos sociais de mortais que por lá se encontram?

Quem, nos quatro cantos da terra, não quer conhecer a nostálgica e histórica Ilha de Moçambique, na terra das Muthiana Orena? Quem dispensa uma estada na rochosa cidade de Lubango, no sul de Angola? Por acaso, existe alguém que ignoraria a oportunidade de ter uma passagem pela Praia de Mindelo, onde nasceu a Diva dos Pés Descalços, em Cabo Verde?

O mistério e a magia que se procura associar aos poucos lugares, aqui, numerados não tem unicamente a ver com a terra, mas com o contributo da língua: Por lá, expressando- se em português, há simples mortais que se tornaram pepitas humanas. Por exemplo, as mensagens geniais de Samora Machel atingem um público mais alargado – mesmo em Moçambique – porque foram expressas na língua portuguesa.

Actualmente, o português pode ser considerado uma relíquia, no sentido de algo que possui valor imenso, não apenas pela sua raridade muito menos pela sua antiguidade, mas, acima de tudo, pela riqueza e valor que possui. O português é, assim, uma ferramenta de posicionamento estratégico nesta sociedade em rede em que vivemos. Por tudo isso, faz sentido que, à guisa de exemplo, exista no Brasil o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, como em Maputo há a Associação Moçambicana da Língua Portuguesa (AMOLP).

Portanto, embora amarga, nós os africanos tivemos uma experiência de 500 anos com a língua portuguesa. A mais recente vivência que possuímos com esta língua beira a 40 anos. Somos 25 milhões de moçambicanos e fazemos parte dos quase 300 milhões habitantes espalhados em diversas parcelas da terra. Estamos incluídos. Por isso, também estamos em festa. Oxalá que a CPLP seja cada vez mis inclusiva. Feliz 27 de Junho!

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