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Malambe – Olá, Sauzande Jeque

Eu não te disse que vinha viver em Tete, Sauzande!? Pensavas que estivesse a brincar? Também tenho o sangue que tens! Também sinto, como tu, a movimentação das manadas de hipopótamos que aqui abundam e que Ungulani Ba Ka Khosa a eles se refere no seu espectacular Choriro.

Também vergo, apavorado, como tu, perante a horripilante beleza dos crocodilos, que esperarão, como diz ainda Ungulani, em Choriro, pelo abalroamento das canoas, para se refastelarem com a lauta refeição de carne humana. Epá, mas o que ainda me espanta neste rio largo e calmo, que corre em direcção às terras de Sena, é que os miúdos desafiam os crocodilos. Quando o sol está a pique, e os corpos já não suportam as altas temperaturas da terra dos nyungwes, vejo, estupefacto, dos dois lados da ponte, que une uma cidade em franco crescimento, grupos de rapazes a mergulharem nas águas serenas do Zambeze.

Algumas mulheres, também, despem-se completamente e desfrutam do delicioso e perigoso banho destas míticas águas, e nunca entendi como é que aqueles rapazes vão dar vários mergulhos, cada um deles podendo ser o último de uma vida ainda púbere, e como é que as mulheres que ali vão, terão a coragem de ignorar o terror dos répteis marinhos. Mas este é o espectáculo a que assisto todos os dias, no gozo que me dá atravessar a ponte Samora Machel. Lembrei-me de ti, Sauzande, quando vi tudo aquilo que me assusta diariamente. Eu estou aqui para viver e sentir este clima rude que me queima os ossos.

Mas esta é a melodia que escolhi para cantar o tempo que já compartilho com os nyungwes e os crocodilos e os hipopótamos, comendo malambe e massanica e mbuzi com matchende dele. Quero também tremer perante a crueldade dos mitos de Tete. Epá, escuta esta que te vou contar, mas não me perguntes se isso é verdade porque não o poderei provar. Ungulani Ba Ka Khosa também não nos confirma, em Choriro, aquela cena das mulheres virgens a serem estupradas por macacos, aqui nestas terras, nos tempos idos dos traficantes de escravos e comerciantes de missangas e outros bens.

É de um homem que foi transformado, pela magia do feitiço, em cobra, desencadeando, desse modo, em toda a cidade e arredores, um sentimento sem palavras para o descrever. O fulano tinha várias mulheres e queria mais e conseguia, distanciando-se, por esse comportamento, da primeira esposa, que sofria na solidão da cubata construída com tijolos não queimados, colados com adobe vermelho. Ela queria o seu marido pelo menos para as noites quentes, nem que isso fosse feito uma vez por semana, mas o homem estava fortemente conquistado pelas outras, e só voltava para casa – quando voltava – para mudar de roupa, até ao dia em que tudo tomou o rumo da tragédia.

A mulher, cansada de sofrer, contactou um curandeiro, no sentido de este fazer tudo para trazer o seu marido de volta. O medium convocou a sua sagacidade, tirou dum reservatório uma porção de pó mágico, que devia ser misturado na água do banho, e a mulher assim procedeu, na esperança de recuperar o companheiro que tanta falta lhe fazia, e esperou. Eis que o homem chega, numa daquelas visitas curtas para mudar de roupa e deixar dinheiro para o caril, sem saber que aquele momento seria nefasto. A água já está na casa de banho, e a mulher acompanha o marido.

Na primeira canecada o líquido desliza pela cútis e, automaticamente, do pescoço para baixo, o homem transformou-se em cobra, aterrorizando a mulher que fugiu aos gritos pedindo socorro. A notícia espalhou-se célere por toda a cidade de Tete e arredores. As autoridades policiais intervieram. Convocaram o suposto curandeiro para a esquadra, o qual reconheceu ter dado aquele pó mágico à mulher, porém, referiu que as suas orientações não foram rigorosamente seguidas, o que degenerou naquela situação macabra. Não se sabe ao certo, até agora – já passa quase um mês – se o homem-cobra continua vivo ou morreu, porque as informações que aqui circulam são contraditórias.

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