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Mais um hospital em agonia

Funcionários queixam-se de maus-tratos no Hospital Central de Nampula

Na maior unidade sanitária da região norte do país, o Hospital Central de Nampula, os pacientes têm a sua vida no fio da navalha. Além de sobreviverem aos cuidados médicos precários, os enfermos têm de lutar contra quase todos os tipos de adversidades estruturais, desde a degradação da infra-estrutura, passando pela falta de equipamentos hospitalares até ao mau atendimento. Porém, é no meio desses problemas que uma em cada três pessoas, das dezenas que são internadas diariamente nesse congestionado hospital, enganam a morte.

A imagem exterior da maior e mais equipada unidade sanitária do norte do país é de uma beleza arquitectónica ímpar. O aparente bom estado de conservação da infra-estrutura é de impressionar. Além da alvura do edifício, o hospital tem o pátio limpo e os jardins muito bem cuidados. Porém, no seu interior há coisas que não batem certo. Diga-se, em abono da verdade, que por detrás das belas paredes do Hospital Central de Nampula (HCN), o cenário é preocupante.

Com o propósito de mostrar a situação por que centenas de pacientes passam e certificar-se do estado de conservação do hospital, a nossa reportagem aproveitou a hora da visita para percorrer os corredores adentro daquela unidade sanitária. E essa é a realidade que constatámos: homens, mulheres e crianças à procura de ramos firmes numa árvore torta, ou seja, eles lutam para sair com vida de uma unidade sanitária que não tem nada a oferecer senão mais sofrimento.

Começámos por visitar o Banco de Socorros. Alguns rigidamente sentados e outros de pé, dezenas de doentes aguardam pelo atendimento na sala de espera. É um impressionante mar de gente que, por assim dizer, exprime ruidosamente o seu desalento contra a morosidade de um serviço de saúde que teima em não funcionar à velocidade das expectativas dos pacientes.

Porém, não é apenas a superlotação da sala de espera do Banco de Socorros que chama a atenção, pelo contrário, embora tenha beneficiado de obras de reabilitação, os problemas relacionados com a falta de higiene são preocupantes. As casas de banho encontram-se numa situação lastimável, expelindo um cheiro nauseabundo causado por uma mistura de fezes e urina.

O mais grave é que na mesma sala de espera também funciona o serviço de atendimento às pessoas com doenças diarreicas, o que, muitas vezes, pela situação de precariedade higiénica pode-se chegar com pequenos sintomas e contrair-se uma diarreia aguda.

Seguimos para as enfermarias, nomeadamente Ortopedia e Cirurgia. Nestes locais, a situação não é das melhores, pois o congestionamento dos quartos é de bradar aos céus. Pelos corredores é possível encontrar pacientes a agonizarem nos colchões estendidos no chão, expostos a todo o tipo de situações, sobretudo o risco de serem pisados pelos visitantes.

O Hospital Central Nampula acolhe os doentes que necessitam de um maior cuidado médico oriundos das províncias da Zambézia, Cabo Delgado e Niassa, além de pacientes transferidos dos vários distritos de Nampula.

Para descongestionar o HCN, o Ministério da Saúde afirmou que precisa de pouco mais de 10 milhões de dólares norte-americanos para a construção de um hospital provincial. Enquanto a ideia não se materializa (actualmente encontra-se na fase de desenho dos projectos para posterior financiamento), dezenas de pessoas recebem tratamento médico nos corredores.

As casas de banho das enfermarias são um potencial foco de doenças. Há vários dias que o serviço interno de limpeza não se faz àqueles compartimentos. Muitas vezes, são os acompanhantes ou parentes dos enfermos que se oferecem para limpar o espaço. Além desta situação, a outra que deixa muito a desejar é o lixo que é acumulado no terraço do edifício.

Além da precariedade em que se verifica em alguns dos compartimentos do hospital, também o atendimento público no HCN não é dos melhores, ou seja, os pacientes têm de, primeiro, sobreviver ao mau atendimento protagonizado pelos profissionais de saúde.

Falando na abertura do XXXVII Conselho Nacional Coordenador da Saúde, o ministro de tutela, Alexandre Manguele, declarou 2012 como o ano do fim dos desmandos e mau atendimento que se verificam nas unidades sanitárias do país. Mas a nossa reportagem vivenciou uma situação em que uma enfermeira proferia expressões impróprias para um paciente que teria procurado saber a hora que tomaria os medicamentos.

Entretanto, procurámos ouvir o director geral do HCN, Moisés Alberto. Ele começou por dizer que o nível de tratamento e atendimento tem vindo a melhorar nos últimos dias, recusando-se a admitir a precariedade dos sanitários e a falta de limpeza dos mesmos, tendo afirmado que tem havido uma “limpeza rigorosa dos sanitários e terraços”.

Num outro passo, fez saber que há várias situações que merecem atenção como são os casos dos diferentes aparelhos para o diagnóstico e tratamento de doenças.

As deficiências do maior hospital da região norte

Apesar de ser a maior unidade sanitária do norte, o HCN debate-se com problemas de falta de instalações e equipamentos de gestão adequada de resíduos hospitalares, incineradora de resíduos sólidos e líquidos. Além de lutar contra a morte, os pacientes têm de sobreviver à degradação, falta de equipamentos hospitalares, mau estado de saneamento de águas residuais e esgotos e ainda a escassez de profissionais formados e afectos.

A insuficiência de fundos para enfrentar gastos ordinários e extraordinários, a falta de espaço, infiltração de água em quase todos os blocos, e o facto do Banco de Socorros não dispor de capacidade para atender ao fluxo da procura, à falta de financiamentos e gestão de aprovisionamento centralizado são outras questões que deixam em agonia o HCN.

O hospital não dispõe de equipamentos adequados para vários sectores, com destaque para o bloco operatório, onde há falta de torres de anestesia, cistoscópio, desfibriladores e hemodialisadores, o que faz com que não se faça o tratamento de problemas de insufi ciência renal. Além disso, a câmara de fluxo laminar em serviço de Oncologia, imprescindível para a preparação da quimioterapia do paciente com cancro, encontra-se avariada.

Estas e outras questões como a falta de espaço adequado para a realização de reuniões, formação contínua em trabalho clínico, eventos científicos, falta de lugar para armazenar histórias clínicas, má qualidade dos registos clínicos médicos e de enfermagem; dispersão de aceitação hospitalar com destaque para adultos, obstetrícia, ginecologia, pediatria, estomatologia e oftalmologia, também estão descritas no Plano Estratégico 2011 – 2015 do Hospital Central de Nampula.

Além disso, regista-se nesse hospital baixo nível de formação em informática básica na maioria do pessoal administrativo, daí a fraca sistematização clínica, logística e financeira e a falta de responsabilização em gestão dos responsáveis das unidades dos diferentes serviços ali existentes.

Perder os parentes em pleno hospital é “normal”

Os munícipes da cidade de Nampula, interpelados pelo @Verdade, afirmaram que o atendimento hospitalar é precário, principalmente quando se trata de pessoas carenciadas que procuram pelos serviços médicos.

Manhiça Alfredo, de 37 anos de idade, residente na Rua das Flores, começou por afirmar que em Nampula a situação de atendimento hospitalar deixa muito a desejar porque os profissionais de saúde estão mais preocupados em ganhar dinheiro, ao invés de servir os utentes.

“O estado de muitos pacientes piora devido à negligência e falta ou demora no atendimento, resultando, muitas vezes, na desistência ou mesmo perda de vida em caso de doenças críticas”, disse.

Alfredo contou ter vivido um caso triste no Hospital Central de Nampula, onde uma mulher perdeu a vida nas mãos das suas filhas por falta de atendimento. “Mesmo depois de a senhora ter perdido a vida, o corpo dela continuou nas mãos das filhas por quase meia hora, sem nenhuma ajuda do pessoal da saúde”, garantiu.

Amilcar Baptista, de 42 anos de idade, veio transferido da Ilha de Moçambique e disse que o atendimento no HCN é “lastimável e tem vindo a piorar”. E acrescentou que “nos últimos dias assiste-se a casos de pessoas que perdem a vida por causa de atendimento tardio”.

Baptista disse ainda que as autoridades da saúde perderam o controlo da situação, daí que os funcionários “fazem e desfazem”. Porém, o facto que amargamente o marcou foi assistir à morte de um companheiro de quarto que aguardava a chegada do médico.

O drama das famílias

As salas de espera do Hospital Central de Nampula estão sempre repletas de pessoas que aguardam atendimento. Porém, apesar de ser obrigatório seguir a sequência da chegada ou da gravidade da situação, nem sempre essa regra é observada.

A nossa reportagem acompanhou o drama de uma família composta por cinco pessoas que chegou ao HCN com um jovem, de 22 anos de idade, em estado crítico. Mas teve de esperar mais de uma hora para ser atendido porque ninguém sabia o paradeiro da enfermeira.

A família do jovem enfermo passou por momentos de muita turbulência. Naquele instante, o que eles mais desejavam era ver o seu parente assistido, facto que não acontecia. Na curta conversa que tivemos com o tio do doente, que se identificou simplesmente por Carlos, disse estar muito agastado com o comportamento dos profissionais de saúde que estavam afectos ao Banco de Socorros.

O grito médico

No imaginário dos pacientes, o Hospital Central de Nampula transformou-se num corredor de morte porque os profissionais de saúde não prestam os devidos cuidados médicos aos doentes.

Destinado a atender as situações mais críticas, a maior unidade sanitária do norte do país tinha sido concebida para albergar 400 camas numa cidade onde actualmente vivem 447.900 pessoas. Porém, os leitos tornaram-se insuficientes para um número crescente de casos de internamento. Presentemente, dispõe de 503 mas estão internadas 710 pessoas.

Envoltos em cheiro de urina, os doentes recuperam e outros aguardam por tratamento médico espalhados nos corredores, pois não há leitos para todos. Às vezes, entre as camas não há espaço para os médicos. O congestionamento do hospital e a sobrecarga também deixam os profissionais de saúde à beira de um ataque de nervos.

“Os pacientes e os seus acompanhantes olham-nos como se fôssemos criminosos porque não atendemos prontamente os seus parentes. Eles não entendem que o hospital não pode oferecer outras condições para além das que dispõe”, desabafou um enfermeiro de plantão, acrescentando que os funcionários não estão indiferentes à situação.

Se se pode dizer que “quanto melhor o atendimento, mais gente vem”, não se pode afi rmar o mesmo em relação ao HCN. Ou seja, neste caso há uma outra explicação para o fenómeno da enchente naquela unidade sanitária. Na verdade, a superlotação do hospital não é mais do que o espelho de incapacidade do Estado de cumprir o seu dever de garantir o direito dos moçambicanos à saúde.

As deficiências dos serviços de saúde pública fazem com que os pacientes com alguma condição financeira fujam para as clínicas privadas. Não são apenas os doentes, também há médicos a procurarem “engordar” o seu rendimento mensal no sector privado.

Diga-se de passagem, ouve-se o eco de vários gritos oriundos do interior do Hospital Central de Nampula. Porém, quem levanta a voz não são somente os pacientes. Os profi ssionais de saúde fazem o mesmo.

Médicos e enfermeiros

O Hospital Central de Nampula possui um total de 76 médicos, dos quais 31 são moçambicanos designadamente 13 especialistas, 14 de clínica geral, quatro estomatologistas, e 45 estrangeiros (28 cubanos, nove coreanos, três ucranianos, dois vietnamitas, um burundês, um congolês e um belga). Todos os médicos são auxiliados por 241 enfermeiros, que assistem entre 600 e 800 doentes naquela que é considerada a maior unidade sanitária do norte.

Análises médicas

Dados do departamento das consultas externas do HCN indicam que nos 23 departamentos de assistência médica o atendimento tem sido feito de uma maneira faseada, num período estimado em 85 dias. Por exemplo, na Pediatria o tempo de espera para atendimento tem sido de 35 dias e um dia para a operação.

Na urologia o momento de espera é de 15 dias e para a operação um dia. No departamento de ginecologia o momento de espera é de 30 dias e para a operação 60. Na cirurgia espera-se 21 dias e mais 15 para se entrar na sala de operação.

Na oftalmologia espera-se 17 dias para se ser assistido e 30 dias para a operação. Já no departamento de Neurologia são necessários 15 dias de espera para as análises e um dia para a operação, e na cirurgia plástica e pediátrica é preciso esperar-se entre três e 10 dias, respectivamente.

Estas são apenas as áreas nas quais os pacientes levam bastante tempo à espera de assistência, enquanto nas outras aguarda-se em média entre um e cinco dias. Importa referir que foram realizadas cerca de 6.68 consultas externas primárias durante este trimestre, contra 6.365 em igual período do ano transacto. As secundárias estão estimadas em cerca de 6.719 contra 3918 análises do mesmo período em 2011.

Para as cirurgias grandes e pequenas em 2011 tinham sido analisados 3.174 casos contra 3.571 no presente semestre. Nas análises laboratoriais no trimestre que terminou foram diagnosticados cerca de 155.681 casos contra 148.771 de igual período do ano passado e na Imagiologia (RX) foi analisado no primeiro semestre de 2012 um total de 12.323 pessoas contra 11.242 em período homólogo de 2011.

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