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Má gestão financeira e influência política impedem o rendimento das empresas petrolíferas no país

O financiamento da participação de Moçambique na primeira fase do Gás Natural Liquefeito (LNG) da Bacia do Rovuma custará biliões de dólares. O Governo não pode pagar a sua parte através da futura produção (de gás) e deverá pedir empréstimo para financiá-la. Num contexto em que as empresas nacionais do petróleo constituem uma das principais causas da “maldição de recursos” devido à má gestão financeira, à influência política e à corrupção, os riscos e custos são elevados, e os benefícios são incertos, refere o Centro de Integridade Pública (CIP), para quem uma vez mais, são tomadas decisões de grande importância e complexidade sem um debate público.

Segundo a instituição, é comum que países ricos em hidrocarbonetos detenham uma parte nas operações petrolíferas, normalmente através de uma empresa nacional do petróleo. As maiores empresas petrolíferas do mundo são propriedade do Estado. Nos casos onde empresas (privadas) petrolíferas internacionais operam, os governos, normalmente, detêm uma participação que varia entre 10 e 60%.

Enquanto poderá parecer óbvio que a participação do Estado constitui uma forma de aumentar a receita do Governo, este não é sempre o caso. A análise demonstra que a participação do Estado não resulta, necessariamente, numa maior parte da receita do Governo.1 E, enquanto existem potenciais benefícios pela participação do Estado, existem também potenciais custos e riscos. Se o projecto necessitar de capital adicional durante a fase de desenvolvimento, ou registar perdas ou danos durante a fase de produção, o Governo teria a necessidade de cobrir a sua parte do prejuízo na proporção da sua participação.

O argumento a favor da participação nacional tende a ser não-financeiro. Em parte, trata-se de uma justificação simbólica: deter acções em operações petrolíferas é, muitas vezes, visto como sendo importante para a proteção da soberania do país e para a promoção do interesse nacional. Existem também considerações práticas incluindo a garantia do controlo sobre a actividade do sector privado e o desenvolvimento de capacidade nacional de gestão e especialização no sector.

O desempenho de empresas nacionais do petróleo, relativamente a estes objectivos, não é impressionante. A má governação no seio de empresas petrolíferas nacionais tem sido um factor significativo na chamada “maldição de recursos”. Empresas nacionais do petróleo têm, frequentemente, sido ‘capturadas’ por elites nacionais que, sob argumentos de soberania e interesse nacional, têm perseguido as suas próprias agendas políticas e/ou pessoais. As empresas petrolíferas nacionais têm, tradicionalmente, sido caracterizadas por falta de transparência e como sendo propensas à má gestão financeira.

Surpreendentemente, as empresas nacionais do petróleo também têm dependido consideravelmente das finanças do Estado, na medida em que, muitas vezes, estas devem financiar a sua percentagem de participação durante a fase dedesenvolvimento dos projectos. Na Nigéria, por exemplo, o maior item do Orçamento do Estado, entre 2005 e 2007, era o pagamento efectuado à empresa nacional do petróleo.

Participação do Estado em Moçambique

A Lei do Petróleo, actualmente em vigor em Moçambique, reserva ao Estado o direito a uma parte em cada concessão. Existe apenas um único projecto de petróleo, presentemente, em operação em Moçambique – os campos de gás de Pande e Temane operados pela Sasol, em Inhambane – e, portanto, só um único exemplo, concreto, de participação do Estado.

A Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH) possui uma participação no valor de 25% no projecto de Inhambane. A participação da CMH está dividida em 70% para a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), 20% directamente para o Estado Moçambicano e 10% para investidores moçambicanos privados.

Os custos de capital para a primeira fase do projecto foram de $265 milhões. De acordo com o contrato de concessão de exploração e produção (EPCC), Moçambique deveria pagar a sua participação dos custos de capital, em adiantado. Portanto, a CMH foi solicitada a contribuir com $66.5 milhões. Os fundos foram angariados através de créditos de quatro parceiros de ajuda de desenvolvimento, incluindo a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), o Banco Europeu de Investimento (EIB) e o Banco de Desenvolvimento da África do Sul (DBSA), bem como a International Finance Corporation (IFC), um braço do Banco Mundial. A expansão do projecto em 2010 exigiu um investimento adicional de $400 milhões. Com vista a manter a participação do Estado a 25%, foi necessário um investimento adicional de $100 milhões. Uma vez mais, o financiamento veio de doadores, embora neste caso apenas da Agência Francesa de Desenvolvimento e do Banco de Desenvolvimento da África do Sul.

 

A garantia da participação de Moçambique no campo de gás de Inhambane exigiu grandes contribuições de doadores. Ainda assim, os custos gerais do projecto foram relativamente modestos, apenas $665 milhões para as duas fases. Os desafios do financiamento da participação do Estado na Bacia do Rovuma são de diferente ordem e magnitude. Nas concessões da Bacia do Rovuma, o Estado tem direito a 15% da Área 1 da Anadarko e 10% da Área 4 da ENI. Os termos do contrato, abaixo explicados, tornam demasiado dispendioso o exercício do direito de participação do Estado. Estes desafios são acrescidos dos investimentos massivos, adiantados, para a produção do LNG. Para deter parte das concessões da Bacia do Rovuma, Moçambique deverá pagar, em adiantado, biliões de dólares.

Financiamento da Participação do Estado

As formas através das quais o Governo financia a sua participação em projectos petrolíferos são determinadas pelos termos dos contratos de concessão de exploração e produção. Existem três opções: financiamento com capital próprio, carregamento parcial do Estado ao ‘colo’ e carregamento total do Estado ao “colo”. Em alguns casos, o Estado é um parceiro com capital próprio, desde o início. Neste arranjo, o Estado paga a sua participação total dos custos de exploração, desenvolvimento e produção, o mesmo que qualquer outro parceiro no consórcio. No outro extremo, a empresa petrolífera internacional cobre os custos de exploração e produção da participação do Estado. Como a participação do Estado é “carregada” durante a exploração e desenvolvimento, o arranjo é conhecido como carregamento ao ‘colo’ total do Estado.

Em alguns casos, os custos de desenvolvimento são reembolsados ao longo do tempo, vindos da receita do projecto mas, em muitos casos, não há reembolso. Este arranjo beneficia claramente o Estado e tem um custo para as empresas, na medida em que estas devem contribuir com todo o financiamento necessário, desde o início. O Gana proporciona um bom exemplo de um carregamento ao ‘colo’ total do Estado. A alternativa ao carregamento total do Estado ao ‘colo’ é o carregamento parcial do Estado ao ‘colo’. A empresa envolvida na exploração cobre todas as despesas e assume todos os riscos. Se a exploração não é capaz de revelar os volumes de petróleo comercialmente viáveis, os custos de exploração são perdidos. Se a exploração temsucesso e o projecto passa para a fase de desenvolvimento, as obrigações mudam. Nesta fase, o Estado deverá, como qualquer outro parceiro no consórcio, pagar a sua participação total dos custos de desenvolvimento na medida em que forem contraídos.

Participação do Estado na Bacia do Rovuma

No âmbito dos contratos EPC da Bacia do Rovuma, o Estado é parcialmente carregado ao ‘colo’. Isto significa que, durante a fase de exploração, as empresas são responsáveis por todos os custos. Se a exploração não tiver sucesso, os custos são inteiramente suportados pela empresa. Se o projecto passar para a fase de desenvolvimento, o Governo deve reembolsar a sua participação dos custos de exploração. O valor inclui o pagamento de juros de 1% para além do limite internacionalmente aceite, e é calculado a partir da data em que a despesa é contraída. Por exemplo, a Anadarko estima os custos de exploração em $700 milhões até finais de 2012. Se Moçambique assume o seu direito aos 15% da sua participação na sua Concessão, terá de reembolsar cerca de $120 milhões mais os juros, quando a produção começar.

O arranjo muda completamente quando o projecto passar da exploração para o desenvolvimento. De acordo com os termos dos contratos, a aprovação pelo Governo do ‘plano de desenvolvimento’ do projecto marca o fim da fase de exploração e o início da fase de desenvolvimento. Nesta etapa, Moçambique deverá decidir se irá ou não exercer o seu direito de participação e a que percentagem. Antes de assumir este compromisso, deverá ter assegurado o acesso ao financiamento necessário para cobrir a sua participação das despesas de capital, conforme as projeções. Quando iniciar a construção de poços, no mar, e das plantas de LNG, a empresa petrolífera que lidera o consórcio irá emitir a primeira das conhecidas chamadas de capital, um pedido de fundos de todos os parceiros no consórcio (privados e Governo), proporcional à parte de cada parceiro no projecto.

Quando a primeira chamada de capital for emitida, Moçambique será solicitado a contribuir centenas de milhões de dólares, em dinheiro. Não é raro que o Governo seja incapaz de responder às chamadas de capital, resultando em graves atrasos no projecto, como já houve em países como a Nigéria.

Os prazos para as contribuições do Estado para a fase de desenvolvimento das concessões na Bacia do Rovuma são definidos na figura 1. De acordo com a Anadarko, o custo de uma infra-estrutura de duas plantas de LNG, em Palma, está projectado em $15 biliões. Esta é uma avaliação optimística. A Wood Mackenzie, a principal companhia de consultoria na área do petróleo e gás, faz projecções de custos na ordem de $25 biliões. Usando dados da Anadarko, no início da fase de desenvolvimento, Moçambique terá de contribuir em, pelo menos, $2.25 biliões em dinheiro.

Como em todos os projectos de LNG até agora realizados, os custos superam, de forma significativa, as projecções iniciais. Muito pouco se pode dizer sobre a fase de produção. Não pode ser proporcionada qualquer especificidade sobre os prazos ou a calendarização para o pagamento da dívida contraída para financiar a participação do Estado, na medida em que isto dependerá dos termos ainda a serem negociados. Mas um plano de reembolso distribuido ao longo de uma década ou mais, não seria incomum.

Do mesmo modo, embora o Estado espere receber pagamentos de dividendos, baseados na sua percentagem do lucro da empresa, estes são imprevisíveis e serão, provavelmente, empurrados para muitos anos mais tarde, já que os lucros são, novamente, investidos em fases subsequentes do desenvolvimento do LNG. Os desafios do financiamento da exploração e desenvolvimento na Bacia do Rovuma são verdadeiramente extraordinários. A conta poderia, facilmente, corresponder a $3 biliões de uma participação de 15%, um valor que representa mais de 20% do PIB de Moçambique e isto é, apenas, para duas plantas de LNG, a primeira fase de desenvolvimento. Enquanto o ritmo de uma potencial expansão é inteiramente incerto, a construção de plantas adicionais de LNG poderá começar antes da chegada de receitas significantes para o Estado. Isto exigiria um crédito adicional, novamente na ordem de biliões de dólares, para o Estado reter a sua participação percentual.

O Desafio do Financiamento

Na tentativa de financiar uma parte significativa de um projecto de LNG, Moçambique está a entrar em águas inexploradas. Vários produtores de LNG em países em desenvolvimento detêm uma participação no projecto mas estes já eram grandes exportadores de petróleo ou foram carregados ao ‘colo’ durante a fase de desenvolvimento do projecto de LNG.

A Indónesia e a Nigéria proporcionaram o seu próprio financiamento para os seus projectos de LNG, mas eles já eram principais produtores de petróleo com receitas substanciais no sector. Entretanto, em inúmeras ocasiões, a companhia petrolífera da Nigéria não foi capaz de pagar a sua participação, resultando em atrasos substanciais na construção.

Papua Nova Guiné (PNG) é um dos poucos exemplos de um país em desenvolvimento que procurou financiar uma parte substancial no desenvolvimento do LNG sem recorrer a receitas significativas de petróleo nem a um carregamento total do Estado ao ‘colo’. Portanto, constitui, talvez, o melhor exemplo dos desafios que Moçambique irá enfrentar. Relatórios sugerem que o FMI está a encorajar Moçambique a renunciar o seu direito a uma parte nas concessões do Rovuma. Contudo, está claro que o Governo continua a prever garantir uma participação no desenvolvimento da Bacia do Rovuma. A Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) considera isto como uma importante etapa no percurso em direcção a tornar-se numa empresa petrolífera plenamente operacional.

 

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