O líder líbio Muammar Khadafi perdeu já o Leste do país, que se encontra hoje nas mãos do movimento de revolta ao seu regime autoritário de mais de quatro décadas. As forças que permanecem leais ao regime de Trípoli concentram agora os combates no lado ocidental e todo o país parece mergulhado num caos sem lei nem ordem, a desmando de multidões armadas.
Com Bengasi – a cidade embrião dos protestos – e toda a província de Cyrenaica, na costa leste da Líbia, sob o controlo dos revoltosos, Khadafi tenta agora recuperar terreno na capital e asfixiar os sinais de contestação em Misurata, Sabratha e Zawiya, do lado ocidental. Algumas das cidades do lado ocidental parecem começar a dar sinais de capitulação para a revolta, mas as estradas entre Trípoli e as fronteiras tunisina e argelina permanecem nas mãos de grupos leais a Khadafi ou entregues ao banditismo.
Centenas de pessoas em fuga da violência passam a fronteira para a Tunísia com o mesmo desejo: “Que Deus os ajude”, a todos quantos ficaram para trás. Trípoli é uma cidade cercada por postos de controlo militares, com as ruas desertas à excepção de grupos armados pró-regime em patrulhas contínuas a intimidar os residentes aterrorizados em suas casas. “Muitas pessoas estão a desejar que chegue gente do Leste ou que os soldados desertem, para os ajudarem”, relatava o correspondente da BBC em Trípoli.
Funcionários públicos e outros trabalhadores têm vindo a receber hoje mensagens escritas nos seus telemóveis, enviadas por responsáveis governamentais, instando-os a regressarem ao trabalho na capital. Mas o medo impera, e também uma nova forma de contestação a Khadafi: “Espero que as pessoas não vão trabalhar, essa pode ser a nossa maneira de protestar pacificamente. Vamos ficar em casa indefinidamente”, afirmou um residente de Trípoli à BBC.
Ao fim de dez dias de convulsão no país, a Federação internacional das ligas de defesa dos Direitos Humanos actualizou em alta o balanço de mortos para 640 pessoas (275 na capital, 230 em Bengasi) – quando as autoridades líbias não reconhecem ainda mais do que uma contagem oficial de 300 mortos.
Já esta manhã, porém, o ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, Franco Frattini, cujo país é o principal parceiro económico da Líbia, avaliava que uma outra estimativa não oficial, a ascender dos mil mortos era “bastante credível”.
De resto, um médico francês que regressou a Paris na segunda-feira vindo de Bengasi, avaliou que só naquela cidade morreram duas mil pessoas, vítimas de bombardeamentos de aviões e atiradores furtivos militares e paramilitares a mando de Khadafi.
“Havia snipers em todo o lado em Bengasi. Dei comigo a atirar-me para o chão nas ruas, no meio de toda aquela carnificina. Tentei reanimar um dos meus alunos, que ia comigo… uma bala atingira-o na cabeça, saiu-lhe pela boca. Naqueles primeiros dias [da repressão aos protestos] a polícia empilhava os corpos nas ruas, para intimidar quem queria continuar a manifestar-se. Mas eles não se deixaram assustar, continuaram. Eles sabem, sentem, que ou o regime cai esta semana ou jamais cairá”, descreveu o clínico, Gerard Buffet, à revista francesa “Le Point”.
Mas hoje, em Bengasi celebra-se o sucesso da revolta popular na região, de onde militares e polícias fugiram ou desertaram para o lado dos manifestantes ao longo dos últimos dias. Nas ruas são empunhadas bandeiras líbias da era pré-Khadafi – o qual chegou ao poder no golpe militar de 1969 que depôs o rei Idris – e é distribuída comida e bebidas.
E, à semelhança de Bengasi, muitas outras cidades do Leste do país, desde a fronteira com o Egipto até Ajdabiya – a 800 quilómetros para Leste de Trípoli – estão agora sob o controlo das forças anti-regime.