O célebre juiz espanhol Baltasar Garzon foi suspenso esta sexta-feira de suas funções, até ser julgado, por ter querido investigar os crimes anistiados do franquismo – uma decisão que provocou a cólera das vítimas da ditadura, que denunciaram “um dia muito triste para a Espanha”.
A decisão foi tomada por unanimidade pelo Conselho Geral do Poder Judiciário Espanhol (CGPJ), o órgão de governo dos juízes espanhóis, reunido em sessão extraordinária para decidir sobre o afastamento do magistrado da Audiência Nacional, principal instância penal do país. O CGPJ anunciou a medida depois que o juiz do Supremo Tribunal, Luciano Varela, ordenou a abertura do julgamento oral contra Garzón, acusado de abuso de poder, por tentar investigar os crimes do franquismo sem supostamente ter competência jurídica para isso. A data do julgamento ainda não foi fixada.
Garzón tentou realizar, em 2008, uma investigação sobre as 114.000 vítimas da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e os primeiros anos da ditadura franquista (1939-1975), alegando que o crime do desaparecimento forçado não prescreve. Foi a primeira tentativa deste tipo na Espanha. Segundo a acusação, o juiz sabia que não tinha jurisprudência para tal, ignorando a lei de Anistia decretada, em 1977, para estes crimes.
Três organizações consideradas de extrema-direita, Mãos Limpas, Falange Espanhola e das JONS, e Liberdade e Identidade, abriram processo contra o juiz, de 54 anos, conhecido internacionalmente pela defesa da justiça universal e por ter determinado a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet em Londres, em 1998. “Era algo esperado, o CGPJ não podia fazer outra coisa.
Quando um juiz senta no banco dos réus, por um crime como abuso de poder, não resta outra opção a não ser suspendê-lo; primeiro porque é o que diz a lei e, depois, porque é a prática habitual”, declarou o porta-voz da Associação de Juízes para a Democracia, Ignacio Espinosa. Depois da suspensão, o presidente do CGPJ, Carlos Dívar, convocou uma sessão da Comissão Permanente deste órgão judicial para estudar o pedido de Garzón de ser tranferido como assessor do promotor da Corte Penal Internacional (CPI), o argentino Luis Ocampo, em Haia. A sessão, no entanto, acabou sendo adiada, depois de duas horas de debates.
O procurador da CPI, o argentino Luis Moreno Ocampo havia convidado Garzón para trabalhar como seu assessor por um período inicial de sete meses. Antes disso, depois de conhecer a decisão do CGPJ, Garzón abandonou a Audiência Nacional entre abraços de amigos e colegas e expressões de protestos por seu afastamento. O magistrado não conseguiu evitar as lágrimas, ao deixar o lugar onde trabalhou por mais de 20 anos. À tarde, centenas de pessoas se concentraram diante da Audiência Nacional, aos gritos de “Garzón, amigo, estamos contigo!” mostrando bandeiras republicanas e fotos das vítimas da ditadura franquista.
A suspensão será mantida até que o juiz seja julgado e se a sentença for condenatória, ele poderá ficar inabilitado por até 20 anos, o que, na prática, supõe o fim de sua carreira. No site da Fundação José Saramago, o escritor português disse, logo em seguida, que “as lágrimas do Juiz Garzón são, hoje, minhas lágrimas”. “Com o afastamento de Garzón os sinos, depois do repique a glória que farão os falangistas, os implicados no caso Gürtell, os narcotraficantes, os terroristas, os nostálgicos das ditaduras, voltarão a dobrar a finados, porque a justiça e o estado de direito não avançaram, nem terão ganho em transparência e quem não avança, retrocede”, escreveu Saramago.
A vice-presidente do governo espanhol, María Teresa Fernández de la Vega, limitou-se a afirmar que “o governo como sempre respeita a decisão do CGPJ e da mesma forma, insistimos na necessidade de respeitar a presunção de inocência do magistrado, porque o procedimento não foi concluído”.