Após um julgamento que levou mais de três anos, chegou ao fim a história mais mediática de tráfico de menores para fins de exploração sexual que o país já viveu, mas que vinha a ser julgado na vizinha África do Sul.
Prisão perpétua foi a pena que o Tribunal de Pretória, na África do Sul, aplicou na última terça-feira à moçambicana Aldina Hermenegildo dos Santos (Diana), por prática de três crimes de tráfico de igual número de compatriotas menores.
Na mesma sentença, o jurado condenou a ré, de 32 anos de idade, a uma pena de 12 meses por crimes relacionados com a exploração sexual de menores, não tendo, contudo, se pronunciado sobre qualquer indemnização às vitimas, conforme era o desejo dos familiares das menores presentes no tribunal.
Debaixo de lágrimas e naquela que foi a sessão mais concorrida deste julgamento, Diana ouviu o tribunal explicar que a prisão perpétua é a pena máxima para crimes relacionados com o tráfi co de pessoas. Uma vez que se tratava de três pessoas e não se podendo atribuir prisão perpétua para o caso de cada uma, o tribunal decidiu aplicar pena única.
O jurado deu como provado que ela cometeu três crimes de tráfico e dois de cárcere privado e exploração sexual de menores. Para o tribunal, a ré beneficiava e vivia de rendimentos provenientes da exploração sexual a que submetia as três compatriotas menores. Dos 65 crimes o tribunal retirou 60 por falta de provas.
Entretanto, o advogado de Diana deixou claro que vai recorrer da decisão judicial por considerá-la exagerada e que, no seu entender, o jurado devia ter tido em conta que a ré tem filhos menores por criar. Em resposta, a juíza do caso disse que o causídico é livre de recorrer, mas devia ter em conta que os interesses da ré nunca devem sobrepor-se aos das vítimas, dos Estados moçambicano e sul-africano, muito menos da Organização Mundial Contra o Tráfico de Pessoas.
O tribunal recordou que Diana, para além de ter explorado as jovens, obrigou-as a tomar estimulantes (drogas) para que elas suportassem a sobrecarga diária de manter relações sexuais com vários parceiros.
“No mínimo devia ter compaixão com as suas vítimas, pois tens filhas e parentes menores que um dia vão crescer e não vai gostar que alguém possa fazer a mesma coisa com elas. Este caso é sério e relevante para a sociedade, daí que julgamos esta pena adequada”, disse a juíza, quando explicava à ré sobre a decisão tomada.
Diana vai cumprir a pena na Cadeia de Máxima Segurança de Pretória, para onde fora recolhida há três anos e cinco meses, quando o caso foi despoletado pelo jurista Inácio Mussanhane, que, no final da sessão, se mostrou satisfeito com a decisão, mas inquietado pelo facto de não ter sido fixada nenhuma indemnização às vítimas.
Quem é Diana?
Pouco se sabe da biografi a da ré. Diana, de 32 anos de idade, é mãe de dois menores que se encontram em Maputo, sua terra natal. Ela aliciou as menores na praia da Costa do Sol no dia 6 de Janeiro de 2008.
De 15 de Janeiro a 13 de Fevereiro explorou-as sexualmente, chegando a ser abusadas diariamente por dez homens. Esta prática viria a ser descoberta pelo jurista moçambicano radicado na África do Sul, Inácio Mussanhane, que tratou de denunciar o caso à Polícia sul-africana.
Inácio Mussanhane é advogado de profi ssão um homem bem relacionado no seio das autoridades sul- -africanas. Chegou a receber ofertas no valor de dois milhões de randes para abafar o caso, mas recusou.
Uma ré diferente e…organizada Embora não se tratasse de nenhuma estrela de cinema, Diana despertava a atenção de todos quantos se encontravam no recinto do tribunal, um edifício com mais de 20 salas de julgamento, congregadas em quatro pisos.
É que Diana aprecia sempre de botas, calças e blusa, trajando por cima um casaco grande. Andava sempre de cabelos compridos e uma garrafa de água na mão. Mesmo sabendo da crueldade a que submeteu as compatriotas, ela aparecia sempre sorridente e numa cavaqueia rara com os agentes da Polícia.
Para se fazer à sala de julgamento ela não usava a porta comum da assistência ou do jurado, mas sim uma portinhola exclusivamente para os réus. Seguia directamente para o banco de julgamento sem qualquer contacto com a plateia.
Nunca chegava a estar frente a frente com a assistência e muito menos era autorizada a voltar-se para trás. Mas vezes sem conta, ela quebrava essas normas, procurando, na medida do possível, virar-se para a assistência de modo a verificar quem lá estava, sobretudo os seus parentes, com destaque para o pai.
Devido à imposição das leis sul- -africanas, nenhum fotógrafo ou operador de câmara estava autorizado a captar imagens dentro do recinto do tribunal.
Para gerir a actividade, Diana tinha o hábito de registar tudo o que acontecia no condomínio de Moreleta Park. Aquando da sua detenção, as autoridades sul-africanas encontraram vários documentos pessoais relacionados com a actividade de exploração sexual, dos quais se destaca o seu diário.
Neste diário, ela tinha o cuidado de registar todos os nomes das vítimas por ela exploradas, tanto as que com elas iniciou a actividade, em 2005, como as que foram passando por lá até às três últimas que viriam a constituir matéria de descoberta das atrocidades por ela cometidas no referido bordel. Ela escrevia, inclusive, as vezes em que cada uma das meninas era abusada sexualmente, e anotava as “requisições” feitas pelos seus clientes, quer por e-mail, quer por via telefónica.
Com este diário, a Polícia teve o caminho facilitado para o esclarecimento do crime, razão pela qual não foi difícil contabilizar a frequência com que as vítimas foram violadas, e em que dia e intervalo de tempo. Embora todas elas estivessem à disposição dos clientes, pelas suas qualidades, uma acabou por ser a mais solicitada pelos “latagões” que frequentavam o bordel, segundo os escritos do diário.
Olhando para o diário, as violações eram quase diárias, sendo que as vítimas não dispunham de muito tempo para recuperar as forças devido às solicitações dos clientes, que eram frequentes.
Ao longo dos três anos de exploração do “negócio” terão passado pelo prostíbulo de Aldina dos Santos mais de 30 jovens, todas elas recrutadas em Moçambique sob promessa de um bom emprego e continuação dos estudos na “terra do rand”.
Casos ainda por esclarecer
Por esclarecer está o caso dos quatro supostos comparsas detidos em Maputo, mas que nunca foram mostrados pela Polícia nem levados a julgamento. O mesmo se pode dizer em relação ao paradeiro do alegado namorado, de nacionalidade angolana que, segundo as polícias moçambicana e sul-africana, pouco depois da detenção de Diana, se terá apoderado das viaturas e do dinheiro da ré sumindo para parte incerta.
Igualmente, não está claro o que terá acontecido aos nove bordéis suspeitos de ter ligações com o que era gerido por ela, no Moreleta Park, um luxuoso condomínio nos arredores da capital sul-africana, onde pagava 14 mil randes mensais de renda. No referido local, segundo afirmaram na altura as autoridades policiais, outras menores moçambicanas eram exploradas sexualmente, mas tal nunca foi esclarecido.
Moçambique longe de acabar com o tráfico de menores
Estudos efectuados apontam Moçambique como sendo um país afectado pelo fenómeno de tráfico de pessoas e que, nos últimos anos, tem estado ligado ao crime transnacional organizado, embora a verdadeira dimensão do problema seja desconhecida.
Segundo o UNICEF, “no contexto de Moçambique, mulheres e crianças são traficadas para o exterior para servirem primeiramente como concubinas, havendo indicações de que são levadas mulheres para a África do Sul”.
No âmbito internacional, o Estado moçambicano aderiu a importantes convenções relativas à matéria do tráfico de pessoas, designadamente a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança.
Nos últimos anos, Moçambique ratificou igualmente a convenção da proibição das piores formas de trabalho e a convenção da ONU contra o crime transnacional, além do protocolo adicional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças.
Em Abril de 2008, a Assembleia da República aprovou uma lei sobre o tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças, um crime que passa a ser sancionado com penas de prisão entre oito e 12 anos.
A referida lei define o tráfico de pessoas como sendo o recrutamento, transporte, acolhimento de uma pessoa, por quaisquer meios, incluindo sob pretexto de emprego doméstico no estrangeiro, formação ou aprendizagem.
A dispositivo legal considera igualmente de tráfico de pessoas o uso de indivíduos para fins de prostituição, pornografia, exploração sexual, trabalho forçado, escravatura involuntária ou servidão por dívida.
Uma das inovações da lei é a determinação do crime de tráfico de pessoas como público, o que signifi ca que a acção penal não depende da queixa, denúncia ou participação do ofendido.
Os denunciantes, as testemunhas, os activistas sociais e até os familiares das vítimas benefi ciam de medidas de protecção asseguradas pelas autoridades competentes, sempre que houver ameaça ou receio fundado de ameaça à sua vida ou integridade física e/ou moral, medidas a serem determinadas pelo tribunal. Estas medidas incluem protecção policial.